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30 de julho de 2015

{RESENHAS DE QUINTA} Homem Animal de Grant Morrison

Normalmente eu faço mais de uma resenha, mas esse é um material fantástico que merece uma atenção especial e só dele.

Animal Man vol 1 (sem subtítulo, apesar do arco se chamar 'The Human Zoo)
Roteiros: Grant Morrison, Arte: Charles Truog, DC/Vertigo Comics, originalmente publicado em Animal Man 1 - 9;

Faz tempo que eu li pela última vez a série toda, e isso é um dos motivos que causam uma certa estranheza ao pegar o material do começo de novo.
Pra quem já conhece o personagem, o começo lento e gradual parece desfocado - mas é claro e intencional a apresentar esse bizarro personagem esquecido para uma audiência maior. E funciona!
Quer dizer, tem algumas arestas meio soltas aqui e ali - como a participação de Superman na segunda edição ou os caçadores sulistas saídos diretamente de Amargo Pesadelo (Deliverance de 1972) - e a trama em si do arco 'O Zoológico humano' é um tanto estúpido pra dizer o mínimo.
Claro, é a forma de Morrison trazer à tona discussões mais densas para quadrinhos (o contexto é importante: Enquanto em 2015 temos quadrinhos sobre praticamente todo tipo de coisa que se imagine e espere, em 1988 quando a série começou, ainda havia uma percepção menor sobre o meio com uma noção mais clara que quadrinhos eram para crianças, afinal Watchmen e O Cavaleiro das trevas ainda eram bastante recentes e o selo Vertigo, o espaço para quadrinhos adultos ainda não existia - sequer Sandman estava nas prateleiras quando Animal Man 1 saiu), e Morrison apresenta esses temas de maneira sútil, estabelecendo seu tom e sua própria abordagem.
Como na cena mencionada do quase estupro, em que Morrison termina o fato de maneira abrupta com um 'isso foi longe demais' antes da personagem ser vítima do atentado, estabelecendo de maneira clara os limites que permearam sua obra, assim como demonstra algumas outras condições metas do trabalho (talvez de maneira otimista Morrison tente propor que naquela geração anos 80 que esse tipo de situação não existiria/aconteceria mais - tanto que quem repele o ato é justamente um dos personagens do próprio tenebroso grupo de caçadores).
Existem outras coisas mais sutis como o relacionamento homossexual da Fera B'Wana (sim, é o nome de um herói) que fica apenas subentendido, mas bastante claro como a motivação do personagem (após a morte violenta de seu parceiro ele sai em busca de vingança/redenção). Mas é sútil porque é um tema tabu para o cenário (quadrinhos com toda a situação do Comics Code pós Frederich Wertham que tinha de se manter 'limpinho e direitinho' para não perverter as mentes pueris), então o personagem nunca diz com todas as letras, ainda que seja difícil não entender isso...
Como eu disse, "subentendido"
Mas é a partir da quinta edição que a história realmente deslancha, quando chegamos ao divisor de águas da carreira de Morrison, e talvez uma das mais importantes e inteligentes histórias em quadrinhos publicadas: O Evangelho do Coiote.
Enquanto as outras histórias são muito boas - as loucas histórias que jogam o Homem Animal contra uma bomba fractal thanagariana, ou contra o genial Mestre dos Espelhos são brilhantes e a edição 7 com o deprimido vilão Máscara Vermelha é simplesmente fantástica como história fechada, como parte do escopo maior (isso volta mais para frente no enredo), e talvez seja a segunda melhor história do encadernado.
Só que "O Evangelho do Coiote" é... O Evangelho do Coiote!
É aquela história bizarramente única que só Grant Morrison poderia escrever, e ao mesmo tempo é tão poderosa, tão capaz de encapsular tudo o que o personagem e sua história representam que é difícil, minto, IMPOSSÍVEL falar de Homem Animal sem pensar nessa história.
Há gênio transbordando nessa história, conforme Morrison critica de maneira aberta a nossa visão de mundo e nos faz questionar esses valores, de como vemos diversão, prazer e de certo ponto uma santidade na violência (através da qual pode purificar e santificar).
Em termos, no escopo de Homem Animal, essa violência é destacada a partir da violência contra animais, e de sua banalização através de desenhos animados como Pernalonga e cia, onde é extremamente comum explosões, tiros e quedas de penhascos (com pedras gigantescas caindo posteriormente sobre os personagens), mas existe a banalização da morte de animais de nosso mundo real também (como tratamos como mero lixo - e inconveniência - um animal atropelado numa estrada, por exemplo, quando se trata de uma vida perdida).
Não obstante o fanatismo religioso toma conta também da trama conforme um personagem se vê obcecado em sua jornada para purificar o mundo do demônio do deserto com uma bala de prata (de novo, santificar através de violência).
Ainda existe a questão maior - que é um tema recorrente do autor - da percepção de artistas como deuses (mesquinhos) sobre sua criação, provocando o caos, a confusão e a dor em seus personagens para sua mera diversão.

Vale destacar que as capas de Brian Bolland são um show a parte, e, é sempre bom ver o brilhante artista produzindo material de tamanha qualidade.

Precisa nota? 10!

29 de julho de 2015

{RESENHETORIAL} Pixels e o sentido da vida

Se existe uma coisa que eu realmente gostaria de saber do universo não é a resposta para a pergunta fundamental sobre a vida, o universo e tudo mais, tampouco a prova de existência de vida inteligente ou a teoria unificada, ou pelo menos o telefone de Jennifer Connely...

Não, se tem algo que eu realmente gostaria de saber se eu tivesse o direito a uma única pergunta é como é possível que Adam Sandler consiga fazer o que diabos é que ele faz.
Ainda que eu seja uma referência dúbia no assunto - já que acho que de toda a carreira dele ele só produziu duas peças cômicas memoráveis (O Opera Man, que é um cantor de ópera lendo que comenta notícias em um noticiário, e a cena em que ele lê Jump do Van Halen como seu dever de casa para escrita criativa). Quem gosta do ator dirá que ele fez uns dois ou três filmes bons (Billy Madson, o Herdeiro Trapalhão, Como se fosse a Primeira Vez e Embriagado de Amor - cujo crédito é todo do brilhante Paul Thomas Anderson).
Pra mim ainda continuam as duas passagens do SNL, ainda que Embriagado de Amor seja um bom filme... E, sendo completamente honesto, eu preciso dar a mão à palmatória sobre o bastante esquecido 'Reine sobre mim' de 2007, que talvez seja a melhor atuação de Sandler em toda sua carreira.

O que assusta na verdade é que mesmo com fiascos como Trocando os pés, Tá rindo de que?, Jack e Jill (ou Cada um tem a gêmea que merece) e filmes horrorosos que fizeram algum sucesso (como Gente Grande e sua continuação, além de outras atrocidades como Eu vos declaro Marido e... Larry e Esse é o meu garoto) Sandler ainda é um ator belamente pago e bastante cobiçado por estúdios para produzir filmes (!).

É como um Nicholas Cage inverso - igualmente prolixo e aceitando praticamente todo tipo de projeto ridículo, mas um, ao menos um dia demonstrou talento e é possível ver sua alma sendo reduzida a cada projeto ruim. Sandler parece ter um toque de Midas ou ao menos algo que o proteja de todo o lixo que ele produz de o atingir...
Outros atores seriam execrados e dificilmente conseguiriam outros trabalhos após, bem, um filme ruim (a lista na verdade é consideravelmente grande de atores que se deram mal após um fiasco)... Então repito a pergunta, qual o segredo?

Ainda que Pixels mereça uma análise diferente (não é terrível, sem dúvidas e eu sei com todo meu ser que eu não sou o público alvo desse filme, mesmo que esteja cheio de referências de personagens clássicos de videogames - que eu cresci jogando), a mais importante verdade sobre esse projeto é que, apesar da ideia clichê já executada outras vezes e de maneira muito melhor em outros cenários (com ênfase ao episódio "Antologia de Interesse II" de Futurama, mas não dá pra ignorar o genial 'Fight Fighters' de Gravity Falls), ela está longe de ter uma ideia central genial e brilhante.
É apenas um veículo para a mais nova empreitada de Sandler.
Ponto.

Gravity Falls S01E10 - Fight Fighters

Esqueça as boas cenas criadas para mesclar o universo de videogames com o mundo real pois só ocupa pouco tempo para que tenhamos toda aquela fundamental e inesquecível história que desenvolve o personagem de Adam Sandler no filme que é... Bem, é aquela mesmo (interesse romântico forçado, personagem tentando superar crise de meia idade por se sentir um perdedor devido a sua condição de trabalho e blá, blá blá).

E como eu disse: Não é terrível.
Não é novo e certamente já foi feito (muito) melhor em outros lugares (diversas de outras vezes), mas não é a epítome do péssimo gosto que são outros trabalhos de Sandler.
Droga, só a cena de Pacman correndo as ruas enquanto os protagonistas usam carros similares aos fantasmas do jogo já vale por praticamente toda a filmografia de Sandler. Deixe-me repetir para enfatizar: TODA. A. FILMOGRAFIA.
É brilhante, engraçado e executado com primazia.
Claro que funcionaria tão bem - se não melhor - com outro ator (Ben Stiller? Owen Wilson? Ei, que tal os dois substituindo o terrível Kevin James também?), e essa é a grande parte perplexa onde reside o sentido da vida.
Não, não, eu não sei como chegar a esse ponto; eu só sei que está ali.

Existe nesse, e principalmente nos outros filmes terríveis de Adam Sandler um dos segredos primordiais do universo, de como um homem sem talento, sem carisma ou qualificações para sua profissão consegue emplacar sucessivos filmes de alto custo para estúdios aclamados, e em casos até com diretores renomados.

Com toda a certeza há aqui algum segredo e mistério primordial que explica tudo isso de uma maneira além de minha compreensão.
Algo que explica como o público se identifica com o ator, ou porque os estúdios gostam dele.
Talvez resida no fato que ele faz filmes ruins e saiba disso (ao que os estúdios tenham deduções maiores de impostos por bancarem tais projetos como a brecha legal que permitiu a Uwe Boll lançar filme horrível após filme horrível).
Talvez ele tenha fotos comprometedoras do cabeças dos principais estúdios...
Quem sabe? Talvez tudo isso só dependa do péssimo gosto do público - que ainda dá audiência a coisas como o Big Brother, a Fazenda e a sempre sem graça Praça É Nossa...
Não... Com certeza não é esse último...

25 de julho de 2015

O poder do mito - Superman e o novo testamento

Voltando ao contexto da primeira parte, é preciso entender que a editora DC comics no ano de 1985 fez uma vasta revisão em seu cenário editorial com uma reestruturação enorme que faria com que décadas de histórias malucas e convolutas fossem condensadas e resetadas.

Basicamente, um evento grandioso chamado 'Crise nas infinitas terras' possibilitou que toda a cronologia voltasse ao zero e, com isso, as origens de ...
Sempre existiu algo bastante interessante na dualidade do personagem - seus dois egos conflitantes, seja pelo amor da mocinha, seja pela postura passiva de Clark Kent perante a figura imponente do Superman - mas há uma condição bastante peculiar que surge, principalmente com a nova onda de roteiristas e quadrinhos mais adultos e voltados a um público mais adulto.

A possibilidade da divisão das personas em condições empíricas de arquétipos clássicos numa dicotomia mais clara. Clark Kent é o forasteiro, o estrangeiro. Alienígena e alienado pela sociedade vivendo às margens, nessa figura de repórter perfeito (sempre no local da ação, nunca o centro dela), tal como uma visão quixotesca.
Kent é o jovem destinado a mudar o mundo com sua caneta e derrubar os moinhos de vento.

Superman, por outro lado, é o potencial máximo da humanidade. Ele é o salvador, o messias (e a figura de Kent volta a baila aqui, uma vez que todo messias precisou deixar registradas suas histórias e contos através de escrituras sagradas, e o que antes eram escrituras hoje são reportagens).
Ele foi enviado por seus pais (nos céus) que sabiam que ele salvaria a humanidade, e levaria essa coletânea de humanos patéticos a um nível maior de civilização e quiçá civilidade. Droga, ele morreria pela humanidade também se isso fosse necessário.

Pra resumir as comparações de Superman com Cristo, a imagem fica clara através dos paralelos entre "A paixão de Cristo" e "Homem de Aço" apontadas pelo CouchTomato.



Como dito o evento de reestruturação da Crise nas Infinitas Terras tinha como intento de reaproximar leitores dos grandes mitos e clássicos da editora, e inclusive de uma visão mais ampla e global, ao que fica claro que a visão do novo testamento (difundido pelo catolicismo) é mais disseminado pelo globo que o judaísmo. Para evitar repetição, uma vez que aqui as histórias são todas paralelas as de Cristo, eu não terminarei todo parágrafo ou comparação com 'como no Novo testamento' ou 'como com Jesus', mas perceba que de uma forma ou outra essas palavras estarão subentendidas por praticamente todos os próximos parágrafos.

Nisso John Byrne foi chamado para reestruturar e definir o Superman para o século 21, e assim os detalhes foram se ajustando e mudando. As figuras paternas terrestres ganham mais valor e destaque (em contraste com a versão pré-Crise em que ambos só são figuras relevantes enquanto Superman cresce), mas ainda assim toda uma fase da vida do personagem deixa de ser relevante.
De algumas passagens enquanto adolescente passamos a acompanhar somente as histórias de Superman como adulto.

E são histórias na qual um homem simples se defronta com um gigantesco e corrupto império (as empresas de Lex Luthor, a LexCorp que controla toda Metrópolis), onde ele é desafiado pelo anjo caído (sim, Batman, o 'Cavaleiro das Trevas' que após a Crise das Infinitas Terras é menos Adam West e mais Christian Bale, com uma postura atormentada e que por mais vezes que não está a questionar e desafiar o Homem de Aço, se tornando um polar oposto do personagem) e em seu momento mais notório irá morrer de maneira bastante pública, gráfica e violenta para expurgar os pecados do passado na batalha contra o monstro Apocalipse.

Obviamente ele ressuscita e volta para difundir ainda mais sua mensagem de verdade e justiça - e o que acontece após essa ressurreição não é assim tão memorável ou importante, a não ser pelo juízo final (do livro do Apocalipse que não tem a presença de Jesus - e no caso do Homem de Aço é a Crise Final escrita por Grant Morrison em que o mundo é devastado, conquistado pelo mal supremo de Darkseid).

23 de julho de 2015

{RESENHATORIAL DE QUINTA} As bizarras aventuras românticas de Constantine

Essa é uma resenha sob a forma de editorial (ta-da), e explico antes de mais nada o motivo.

Às vezes é muito fácil ignorar os mecanismos existentes para a formação dos equipamentos que usamos. A engrenagem que move o relógio ou a plaquinha minúscula do chip do cartão de crédito.
É muito fácil não se importar com o grau de sofisticação exigido para que algo tão banal (hoje) chegasse a esse ponto banal, e a enorme quantidade de tentativa e erro para chegar aqui, e, principalmente porque os erros são em sua grande maioria bem pouco públicos.
Sabemos da história de Edison e a lâmpada, mas como ele mesmo disse, ele não fracassou 'n' vezes no processo - apenas achou maneiras nas quais ele não funciona.

Com a literatura e a mídia em geral, os fracassos são um pouco mais públicos.
Ainda que um rascunho, uma primeira versão ou outros protótipos muitas vezes jamais cheguem ao conhecimento popular por morrerem nas mesas de editores, o que passa por essa barreira chega diretamente ao escrutínio público (alguns farão a diferenciação entre público e crítica, ao que acho irrelevante nesse ponto), e esse gostará ou não e reagirá de acordo.
Mas a mesa de editor não é mais uma barreira hoje, graças à internet.
Projetos natimortos chegam à rede através de roteiros perdidos (exemplos não faltam, como o roteiro para o finado filme de Tim Burton com o Superman ou o Homem Aranha de James Cameron), ideias são jogadas ao ar para ver quem se interessa em pescar (e até porque não, bancar a pesca através de financiamento coletivo como o Kickstarter ou o brasileiro Catarse) e como no caso desse blog chegam ao ar sem ao menos passar por um corretor ortográfico (e vai por mim, eu não sou exceção)...

Porém, o cenário de negócios ainda não atribui à essa condição virtual o potencial que ela tem hoje ou enxerga os futuros potenciais que podem encontrar, e bem, tudo ainda funciona ou tenta funcionar sob o velho status quo.
Alguém da grande e poderosa empresa escolhe o projeto que vai abraçar, destina a fulano tanto e tanto de recurso para produzir e fulano responde a subsidiária da empresa sobre os sins e nãos a que deve atender.
A criatividade vem de baixo e acaba travada pelas imposições de cima, e sobra ao criativo acatar para ver seu projeto ganhar vida ou aguardar para ver no que ele se transforma, até porque em alguns casos, o criativo não precisa nem vir com a ideia.

Caso em ponto: Constantine, recém re-relançado pela nova condição editorial da DC Comics.
O personagem já existe, a editora quer uma série lançada e publicada mensalmente e cabe ao autor aceitar as condições e imposições pré-definidas para que ele seja aceito a embarcar.
Algumas condições pré-definidas são claras (o personagem já existe, portanto já existe a fundação que o estrutura - se é homem ou mulher, se é alto ou baixo, se tem pais vivos ou não) outras nem tanto, que dependem de fatores externos (como no caso o Comics Code que era uma pré-censura bastante restritiva que limitou severamente os quadrinhos norte-americanos a partir da década de 50 e só atualmente ele foi abandonado, dentre as quais havia exigências de decência que obrigavam personagens a não se divorciar - sim, é por isso que o Homem Aranha fez um pacto com o demônio ao invés de preencher um pedaço de papel num cartório) e internos (como no caso das estruturas editoriais que vão limitar uso de violência, palavras de baixo calão, situações provocantes e insinuantes e etcs).

Geralmente o que acontece nesse tipo de situação, uma vez que as exigências de mercado são pré-definidas, é que o editor convoca um número de indivíduos e pede deles uma proposta para a abordagem da série x que eles querem desenvolver.

Por exemplo, se algum dia me fosse oferecida (um)a série mensal do Superman, minha proposta é bem simples: Focar em Clark Kent, examinando o mundo sob a ótica pé-no-chão (destaque aos hifens para contrastar na condição que o Superman voa e Clark não) de um repórter ordinário tentando viver no conturbado mundo editorial, caçando matérias e fazer um nome para si enquanto tem oportunidades para o extraordinário quando é necessário.

Se isso seria um sucesso de vendas ou qualquer pessoa além de mim gostaria de ler uma história do Superman sem o Superman, bem, isso importa? Duvido seriamente que havia um enorme mercado para histórias sob caça de baleias antes da publicação de Moby Dick...


Ainda assim, é importante destacar que essa estrutura que eu apresentei é bastante preguiçosa, ao trabalhar com uma condição desconstrutiva para buscar um aspecto novo ou pouco representativo dentro desse conjunto.


Claro que alguns autores fazem isso com primazia (Alan Moore com seu Monstro do Pântano ou Neil Gaiman com Sandman) enquanto em outros casos, bem, temos o novo Constantine.
O que me incomoda nessa nova abordagem é o quanto ela não se parece com a abordagem tradicional do personagem.
Os autores esmiuçaram em autópsia o personagem para encontrar aquele nicho que os agradou e encontraram na sexualidade de Constantine um objeto para mostrar luz e diferenciar suas histórias...
Particularmente, não acho que haja nada de errado com isso, só não me pareceu orgânico no roteiro como foi conduzido, e, principalmente, não parece a leitura de uma história do personagem (o que é meu maior problema com essa condução).

Constantine sempre age como o homem descolado, frio e impassível. Sempre em controle da situação mesmo quando todo o universo está a desabar, e ele é um enorme canalha que vai enganar e usar todo e qualquer um que cruze seu caminho para seu objetivo.
Essa é sua natureza, e, portanto, a exploração de sua sexualidade parece uma ferramenta lógica.
O que me incomoda na condução presente é que ele parece uma colegial cheia de hormônios de um desses filmes como Garotas Malvadas... E isso não se parece com a imagem fria e impassível e descolada.
Isso quase parece outro personagem.

E antes que alguém tente apontar o dedo para mim dizendo que esse é um pretexto homofóbico, destaco que Constantine é bissexual desde bem antes de 2015 e dessa nova série. Eu, enquanto leitor tenho sérias suposições que já em 1985 quando o personagem foi apresentado por Alan Moore ele já tivesse a clara noção da orientação sexual do mago canalha.
Mas destaco novamente o Comics Code (se divórcio era tabu, imagine o quanto Friederich Wertham e seus asseclas revirariam nos túmulos por conotações homossexuais/bissexuais) e era um mundo diferente em 1985 com essa situação mais nas entrelinhas até uma clara exposição na edição 51 da série Hellblazer em 1992, imagem ao lado.

E isso fez parte do personagem em outras ocasiões e momentos... Ainda que mais nas insinuações e declarações que qualquer outra coisa... Até o Brian Azzarello colocar o Constantine para caçar um ex-namorado maníaco nos EUA...

Talvez o grande diferencial seja (ou possa ser) de mostrar um relacionamento feliz entre Constantine e outro homem, mas, até aí, mesmo seus relacionamentos com mulheres não foram tão felizes assim... Todos terminaram com traições, lágrimas e tentativas de homicídio... Então a ótica de um relacionamento estável, funcional e duradouro também não é característica do personagem.

Ainda que a atual série seja bem melhor escrita que a de Ray Fawkes (que fez do personagem um super herói mágico - o que é ainda mais uma descaracterização), falta um pouco de maturidade aos autores para buscar um argumento melhor e produzir como resultado uma leitura mais provocante e desafiadora (como a Vertigo vinha fazendo quase 30 anos atrás quando a série Hellblazer nasceu)...

18 de julho de 2015

{RECLAMATORIAL} Sim, eu assisti Homem Formiga

(E é tão ruinzinho como eu esperava, bastante previsível, cheio de clichês e o Paul Rudd está longe de ser um ator cujo talento eu respeito, mas o texto não é sobre isso)

Se existe uma coisa que eu aprendi como analista de fenômenos estatísticos é que existem diversos tipos de fenômenos dessa natureza e, mais importante, eles se comportam de maneiras diferentes de acordo com a estrutura que vão representar.
Por exemplo, a distribuição de nitrato de potássio em um solo sofrerá uma variação muito menos sinuosa que a distribuição de público espectador por capítulos de uma novela. É uma explicação bastante básica também: Ainda que um campo possa ter um pico de concentração (o que é mais comum que se imagina) esses picos estão sempre dentro de uma previsibilidade normal dentro de mínimos e máximos que este tipo de solo é capaz de reter ou que foi aplicado em excesso ou falta por adubação.
Existem algumas possibilidades variáveis, mas são menores e restritas.
No outro caso, porém, elas são absurdamente variáveis.

A medição dos espectadores de qualquer tipo de programa televisivo é, no mínimo, complexa, e feita de maneira bastante questionada através do sistema do Ibope (com aparelhos distribuídos de maneira a enquadrar eixos demográficos de distribuição)... Mas mesmo que todos os televisores existentes no planeta estejam ligados em um determinado canal, isso significa que efetivamente alguém está assistindo?
Como eu disse, no primeiro caso a situação é clara (ou há ou não nitrato de potássio e quando há é possível mensurar sua concentração), aqui é bem mais subjetivo (se existe uma, dez mil pessoas ou nenhuma em frente a um aparelho televisivo é pouco relevante em virtude da prévia distribuição demográfica que atribui pesos a cada um dos pontos de medição, e que quantifica de acordo com uma estimativa igualmente pré-concebida - ignorando, por exemplo, o zapear de canais, ao que requer um tempo 'x' para quantificar os índices de audiência). Mas mais subjetivo ainda é a qualidade dessa informação, uma vez que, mesmo que a empresa prestadora do serviço faça a divisão e qualificação dos extratos demográficos dos espectadores, isso não se traduz.

Suponhamos que determinado programa possui 10% de espectadores do Ibope, isso significa que efetivamente um décimo da população toda está assistindo? Ou mais ainda gostando?

O que tudo isso tem com o Homem Formiga do título, você me pergunta?
E eu (talvez um tanto paranoico ouvindo perguntas antes delas serem perguntadas) respondo: Mais que se imagina...

Porque como na questão do caso televisivo, os cinemas são medidos por uma distribuição definida de espectadores - ainda que mais mensurável através do número de ingressos vendidos, o que não representa espectadores (uma pessoa pode assistir duas, três, quiçá dez vezes o mesmo filme... Ou só comprar o ingresso e acabar não indo). E esses números de bilheteria são usados para praticamente todo tipo de índice de sucesso de um filme... Só que não da forma que a grande fatia do público imagina.

Primeiro por questões de logística, uma vez que os números de bilheteria não representam lucro (para conseguir números maiores, são necessários muito mais gastos com distribuição, que inclui o lançamento simultâneo em todo o mundo para impedir o vazamento do filme para a internet, a distribuição para mais salas, uma maior divulgação - que inclui contratar astros de maior calibre... E salários...), e esses números só são importantes para os investidores - ficando mais fácil conseguir financiamento para continuações/novos projetos com divulgações infladas de números na bilheteria. E sim, a palavra inflada está ali por um motivo importante - a ascensão do 3d pós-Avatar, que encareceu o ingresso e contribuiu para injetar volume nas cifras de bilheteria.

Mas mesmo assim, o volume de cifras não representa sucesso (ou ao que vale, fracasso).
Um exemplo claro é o caso do Espetacular Homem Aranha da Sony.
Por pior que seja a produção no que tange o roteiro (aspecto difícil de argumentar quando Star Wars I - A ameaça fantasma é o Star Wars de maior bilheteria), a bilheteria de ambos os filmes de Andrew Garfield é assombrosa (quase 1,5 nos dois filmes), só que esses números representam apenas uma parcela do potencial do filme no que interessa ao estúdio. O lucro pesado vem do licenciamento da marca (para bonecos, cadernos, jogos de videogame e o que mais diabo eles imaginem que possam comercializar com essa imagem... Já tentaram até camisinha).

No que tange o cenário do Homem Formiga, a representatividade de suas cifras de bilheteria não é em si o alvo do objetivo da Disney/Marvel.
Obviamente ele é um dos heróis menos importantes e conhecidos mesmo com toda a sua história nos quadrinhos (o Homem Formiga é um dos fundadores dos Vingadores E o criador de Ultron... Mesmo que fora isso suas séries mensais pouco tenham durado e ele seja mais famoso por espancar a esposa e ter uma série de problemas de controle da raiva), mas isso não impediu os Guardiões da Galáxia de ser um dos filmes mais interessantes de 2014, impediu?

Expandir a marca oferecendo sabores diferentes pode ajudar a diversificar um gênero já bastante limitante (e limitado) que é o de super heróis, e, obviamente expandir o alcance demográfico geral. Agora trazem Paul Rudd (essencialmente um comediante - sem graça mas comediante) para Homem Formiga, em breve podem trazer Adam Sandler para a continuação para atuar como o vilão Cabeça de Ovo, por exemplo.
Talvez lançar um novo desenho animado para os canais Disney, mais merchan, e enfim...

Afinal, os filmes como eu disse no primeiro parágrafo, são clichês e pouco ousados - com audiências programadas a partir das crianças.

17 de julho de 2015

{NOTÍCIA DE ÚLTIMA HORA}

Fazem três semanas que o casamento gay foi legalizado nos EUA e o mundo não acabou.
Nem está tão mais diferente, pensando bem...

De volta à programação normal.

16 de julho de 2015

{RESENHAS DE QUINTA} VOCÊ PRECISA CLICAR NESSE LINK!

We stand on Guard# 1
(Roteiros: Brian K Vaughan, Arte: Steve Skroce, Image Comics, 40 páginas. Publicado em 01 de julho de 2015).

Tudo que você precisa entender da série está sumarizado nessa imagem ao lado da maneira mais básica: Os EUA invadem o Canadá - e a resistência canadense luta de volta. E existem robôs gigantes... (portanto é o futuro - não muito distante, porém distante).
Ponto.
É uma ode ao Canadá - tudo começa no ano de 2112 (o quarto álbum do Rush, o power trio canadense), os eventos se dão num cenário frio e nevado, com alces e macieiras... Droga, há até uma analogia com o Superman de como o Canadá é Krypton mandando para o resto do mundo seus filhos para se tornarem ainda maiores.
Sim, ufanista é pouco.
Interessante, porém, bem pouco.
Quer dizer, os personagens são genéricos, a história é bem pouco inspirada, os fatos não agregam algo realmente notável (qual o ponto além de 'O Canadá é foda'? Se tivesse algum poderia ser o novo Y: O último homem). Mesmo o motivo é meio genérico e sem graça - uma invasão pelo controle da água.
A arte salta aos olhos, sem dúvidas e cria uma atmosfera fantástica, pena que falta conteúdo.
Quase parece aquelas obrigações contratuais que estão nas letrinhas pequenas e que o autor se vê frustrado/puto por estarem ali e então resolve fazer qualquer coisa...
E aí sai alguma coisa como isso.
Nota: 4,0/10.

The Spirit# 1
(Roteiros: Matt Wagner, Arte: Dan Schkade, Dynamite Studios, 25 páginas. Publicado em 01 de julho de 2015).

Vira e meche alguém resolve ressuscitar a criação de Will Eisner para ganhar alguns trocados na base da nostalgia.
É uma pena, verdade seja dita, uma vez que quem leu ou lia esse material, bem, passou dos quarenta anos no mínimo (a última leva de histórias inéditas de Will Eisner saiu na década de 80, quem leu o original da década de 40 então...)
Algumas tentativas são melhores sucedidas que outras, mas no geral tudo se resume a algo bastante desnecessário.
Eisner é um gênio ímpar e seu talento produziu histórias fenomenais que são incomparáveis, e por mais que seja um pouco caro encontrar todo o material do mestre... Vale a pena ao menos alguns breves vislumbres, pois mesmo nos momentos mais clichês, mesmo os materiais mais sem graça do que Eisner fez, tinham algo que falta e muito aos quadrinhos atuais: Coração.
Só que esse não é um quadrinho de Will Eisner, e acaba numa analogia fantástica que Brad Meltzer fez: É como se alguém se fantasiasse do seu irmão falecido e batesse em sua porta.
Por melhores que sejam as intenções...
Nota: 3,0/10.

The Walking Dead# 144
(Roteiros: Robert Kirkman, Arte: Charlie Adlard, Image Comics, 25 páginas. Publicado em 08 de julho de 2015).

Sabe o que seria legal para a edição 150 que deve fechar o ano e celebrar um número marco (atualmente bem grandioso, considerando por exemplo que Demolidor já resetou três vezes desde a chegada de Mark Waid... Em 2011)? Que a série trouxesse algo diferente.
Sei lá, que o Rick e os outros protagonistas que não tem mais o que acrescentar morressem de difteria ou febre maculosa e eles descobrissem no meio do caminho que existe uma sociedade perfeitamente sustentável e funcional existindo no México (droga, talvez todo o hemisfério sul pra ficar ainda melhor)...
Seria legal o México construindo muralhas para impedir os imigrantes, seria interessante uma mudança tonal de que existe um mundo 'normal' e que o apocalipse zumbi norte americano pode ser parte de um cenário global (ainda) mais tenebroso (uma arma química ou mesmo uma guerra velada ocorrendo enquanto os sobreviventes acham que o mundo acabou), e seria definitivamente mais interessante ver um mundo mais amplo sem essas babaquices de vilão da vez que só estão ficando piores!
Droga a da vez inclusive usa uma bosta duma máscara (não que ela não seja ameaçadora, não é isso, eu inclusive acho a Alpha uma vilã melhor que o Negan e vários outros durante toda a série, mas ela não precisava de uma máscara e um apelido de super vilão...)!
O próximo terá um monóculo e um bigode fininho retorcido? Usará um terno chamativo com pontos de exclamação cometendo crimes de maneira sistemática que deixa pistas para sua próxima empreitada?
E, mais importante... Porque a série precisa desses vilões mesmo...?
(Claro que é para abastecer ideias pra série de televisão, até porque o ótimo game conseguiu duas temporadas excelentes sem se importar muito com a construção de um grande vilão principal - além da situação caótica em que esse pessoal vive).
Mas sabe o que seria legal mesmo? Se a série tivesse ou ao menos indicasse que terá um fim.
Ei, foi bom enquanto durou, os zumbis venceram e agora constroem sua própria civilização fracassada e lero-lero-lero... Sei lá. Só uma conclusão para que não se torne exatamente o que as séries autorais não devem ser: Repetitivas e cansativas.
E isso é importante para definir o que fazem as grandes histórias. Elas acabam.
Bem ou mal, todas elas acabam.

Nota: 6,0/10

Hawkeye# 22
(Roteiros: Matt Fraction, Arte: David Aja, Image Comics, 30 páginas. Publicado em 15 de julho de 2015).

Voltando ao argumento que boas séries chegam a um final, olha que conveniente?
Ainda que o Gavião Arqueiro esteja longe de ser o Vingador mais patético da história do grupo (mais pelo fato que a competição nessa parte de baixo do grupo é enorme com tipos como Doutor Druida, Demolição, Garra Prateada e Triatlo), mas, e verdade seja dita, ele sempre foi uma cópia barata do Arqueiro Verde, e a Marvel nunca se importou muito em brincar com isso.
O Arqueiro Verde tem uma rixa com o Batman? Então o Gavião Arqueiro tem uma rixa com o Capitão América!
O Arqueiro Verde é encrenqueiro e politizado (de esquerda)? Então o Gavião Arqueiro é encrenqueiro e politizado (mais para o centro-direita)!
Até inventaram uma cópia da Canário Negro para servir de interesse romântico tumultuado...
Então vieram Matt Fraction e David Aja e aproveitaram um personagem desinteressante para desenvolver algo diferente e único, no que surgiu esse que ainda longe de ser um título cerebral e brilhante, é inventivo (principalmente visualmente graças ao brilhante David Aja), e sai do mesmismo convencionado às histórias de super-heróis, principalmente estabelecendo ao personagem sua própria luz fora da sombra do Arqueiro Verde. E funciona (olha que bizarro, dar liberdade criativa e voz a um escritor curiosamente dá resultado!). Quer dizer, até a Marvel decidir que precisa voltar a copiar o Arqueiro Verde como trazendo a mesma equipe criativa do arqueiro esmeralda (que deve acontecer a partir de setembro com Andrea Sorrentino e Jeff Lemire)...
De novo, está cheio de elementos bobos e que não são a oitava maravilha (a gangue que chama todo mundo de 'Bro' é bem estúpida, e o assassino palhaço não fica longe no grau de tolice), mas a história consegue dar o nó em volta desses absurdos entendendo sua necessidade na condução e perspectiva de um universo de quadrinhos, mas há uma série de elementos humanos interessantes (como os conflitos de Kate Bishop e sua família, sem dúvida o elemento mais interessante da história) e reforçando as noções estéticas de David Aja desafiam convenções na estrutura narrativa como poucos.

Nota: 9/10.

15 de julho de 2015

Um sonho de Gregor Samsa

O cheiro forte de café se mistura à urina e invade meu olfato, mas não é isso que me acorda, e sim o toque suave, provavelmente feminino seguido de um sussurro indiscernível.
Abro os olhos com cuidado e o mundo parece desbotado enquanto a luz cortante como laser arde minhas retinas forçando que feche as pálpebras tão logo as abri. Sinto a desorientação imediatamente, enquanto meu cérebro tenta estabelecer as conexões sobre o que diabos está acontecendo, mas meu estômago age primeiro, forçando como um gêiser através do esôfago o suco gástrico.
Vagarosamente abro os olhos, sentindo cada vez menos a ardência neles que parece agora se concentrar em minha cabeça numa poderosa cefaleia.
Sinto o rosto molhado com o vômito enquanto um toque sútil me limpa com um guardanapo de papel. Meus músculos ficam travados de maneira que estou sentado em uma cadeira desconfortável olhando para frente, sem nada ver, com olhos entreabertos e ainda que sinta o toque suave através do papel, não sou minimamente capaz de saber quem está fazendo isso.
Não só estou em um lugar que desconheço como com gente que desconheço.
Percebo pelas unhas pintadas e pelo tamanho da mão que se trata de uma mulher, o que se confirma com sua voz enquanto fala delicadamente em um dialeto inteiramente desconhecido ou que minha percepção torna imperceptível diante meu estado.
Fico me perguntando se estou bêbado, doente ou alguma outra coisa e tento retroagir minha memória ao máximo de minha noite anterior, e tampouco sou capaz disso.
Há uma segunda voz e acredito que uma terceira na sala, que acredito ser uma sala, mas não os vejo.
Minha mente segue inerte tentando voltar aos fatos que me colocaram ali, e tudo que me apareciam eram momentos esparsos e desconexos do que poderia ser há milênios pelo que me importava.
Súbito percebo que minha garganta prepara um novo gêiser que é silenciado. Alarme falso.
Noto a mesa em minha frente no que vejo onde meu rosto estava colado minutos atrás.
Finalmente vejo o rosto da mulher a cuidar de mim.
Ela me olha de maneira maternal, tenra enquanto segura meu queixo com grande firmeza, se certificando de que eu não caia ou volte a regurgitar principalmente enquanto ela está em meu ângulo de visão. Ela não parece uma mulher nova, há sinais de sua idade como rugas de expressão nos olhos além de seu semblante geral um pouco mais austero, mais rígido. Ainda que seus olhos sejam maternais, seus movimentos são frios e bruscos. Ela fala algo, e sem resposta minha repete o comando de maneira mais ruidosa, quase gritando.
Perdido em meus pensamentos não percebo quando ela deixa a sala, nem que o silêncio só é cortado pelo zunido elétrico da lâmpada fluorescente.
Imagino que deveria haver um relógio ali em algum lugar, e passo um tempo olhando ao redor para procurá-lo, e é quando percebo a sala em que estou, mais precisamente um cubículo com paredes esverdeadas ou azul claras desagradáveis. Meus olhos não percebem a diferença entre o tom. São quatro paredes com um espelho em uma delas e uma porta localizada atrás de onde estou. Na sala além da cadeira e da mesa em que estou sentado existe um pequeno cinzeiro, de onde vem o cheiro de café que senti anteriormente.
Quando acredito que sei onde estou, um homem revoltado com um cigarro fedorento e uma gravata horrorosa começa a falar ruidosamente andando pela sala. Enquanto fala suas mãos se movem freneticamente e os perdigotos voam pela salinha. Ele aponta o cigarro na minha direção, e parece dizer algo importante, que finalmente tenho certeza não ser meu idioma, e isso dá um nó ainda maior em minha cabeça.
Fico zonzo novamente, e sinto uma umidade em meu cotovelo, apoiado em meu dorso. Fecho os olhos por um instante e mal percebo uma súbita fraqueza.
Minha mente continua ativa, ouvindo gritos desesperados e vozes e mais vozes falando ao meu redor, conforme vou perdendo o equilíbrio, conforme minha cabeça se apóia para trás, e com isso levando o corpo ao chão.
Apago e desmaio sentindo o cheiro de sangue que acredito ser meu, enquanto minha cefaleia piora.

E então começa...

13 de julho de 2015

30 anos = 30 hinos do rock

Dia 13 de julho, dia do Rock, então porque não?
Uma música por grupo/banda/interprete (pra não ter overdose de Rush), talvez não seja a música que eu mais goste do mesmo, mas que eu acho representar mais da qualidade musical que dele(s)/dela(s).
Top 5 mais difícil que já fiz - e fiquei triste por não ver como encaixar Rock Lobster (acho que B52's é tudo menos rock...), no entanto não tenho vergonha nenhuma de dizer que fico contente de completar a lista sem o KISS (e não faz falta pra mim), então vamos lá:

PPS: Deixando claro, isso é uma lista pessoal feita por um sujeito que não tem banda, contratos musicais e nada além de suas preferências. Se excluí sua banda favorita, se a lista não tem muita diversidade ou se muitas das músicas começam com a mesma letra é mera coincidência. Juro que não fiz nenhum pacto com Satã para que lendo as letras iniciais de cada música de traz para frente e depois traduzindo para o esperanto você encontre uma mensagem secreta (mas se você encontrar, por favor me mande).

30 - Surfing with the alien - Joe Satriani

29 - Barracuda - Heart

28 - Sylvia - Focus

27 - Born to be Wild - Steppenwolf

26 - Panama - Van Halen

25 - Mr Crowley - Ozzy Osbourne

24 - Sultans of Swing - Dire Straits

23 - Highway Star - Deep Purple

22 - Fear of the Dark - Iron Maiden

21 - War Pigs - Black Sabbath

20 - House of the Rising Sun (versão Animals)

19 - Roundabout - Yes!

18 - Layla - Eric Clapton

17 - Baba O'Riley - The Who

16 - Surfing Bird - The Trashmen

15 - Aqualung - Jethro Tull

14 - Summertime - Janis Joplin

13 - Jailbreak - AC/DC

12 - La villa strangiato - Rush

11 - Helter Skelter - Beatles

10 - Roadhouse Blues - The Doors

09 - Bohemian Rhapsody - Queen

08 - Sunshine of your love - Cream

07 - Comfortably Numb - Pink Floyd

06 - Brown Sugar - The Rolling Stones

05 - Heroes - David Bowie

04 - Immigrant Song - Led Zeppelin

03 - All Along the Watchtower (versão Jimi Hendrix)

02 - (Don't) Fear the Reaper - Blue Oyster Cult

01 - Free Bird - Lynyrd Skynyrd

11 de julho de 2015

Isso não é um cachimbo

Quer saber o jeito perfeito de estragar uma história?
Comece ou termine dizendo que é apenas um sonho.
Não que isso vá impedir alguém de puxar conversa dizendo que sonhou com você, com sua irmã que se mudou para o Paraná ou com o seu tio que morreu atacado por um periquito australiano amarelo há uns dezenove anos atrás...
Honestamente nunca entendi o propósito desse tipo de conversa... O que você responde?
"Ah, você sonhou com minha tia-avó Carmensita dançando num palco ao lado do Elvis? Que legal... E essa chuva, hein?"
Eu já tive minha bela quota de sonhos estranhos, alguns bem divertidos que renderam e rendem algumas histórias curtas (que eu sempre tento não informar que foram um sonho), algumas histórias malucas que eu não tenho mais certeza se foram sonhos, más memórias etílicas ou aconteceram com outra pessoa...
Sonhos podem ter interpretações, podem ser sinais de alerta com ramificações freudianas complexas sobre a natureza de nossas próprias almas, e podem não significar absolutamente nada.
Se existe algo que nosso cérebro gosta é de nos pregar peças.

Às vezes um cigarro é só um charuto, às vezes ele nem ao menos é um cachimbo.

9 de julho de 2015

{RESENHAS DE QUINTA} Na na na na Demolidor!

Daredevil - Love and War (Marvel Graphic Novel #24)

(Roteiros: Frank Miller, Arte: Bill Sienkiewicz, 65 páginas, Marvel Comics publicado originalmente em 1986)

Lembra de quando todo mundo gostava do Frank Miller?
Nem parece tanto tempo atrás assim olhando em retrospecto... Quer dizer, teve o episódio dele rasgando a Wizard bem antes de O Cavaleiro das Trevas 2, da temorosa adaptação cinematográfica de Spirit (imagino que a alma de Will Eisner é incapaz de descasar em paz por qualquer vez que as palavras 'Spirit' e 'Frank Miller' apareçam numa mesma frase)...
Mas, verdade seja dita, os sinais estavam ali na nossa frente, não é mesmo?
Ele era literalmente o garoto propaganda dos direitos tradicionais da família americana, se projetando e mascarando como mais um dos heróis patrióticos e batalhadores lutando para moralizar nossa améri... Digo, os Estados Unidos da 'Murica. Limpando o quintal daqueles desgraçados preguiçosos (que curiosamente quase sempre eram os únicos personagens negros/mulatos nas histórias de Frank Miller).
Love and War é um daqueles capítulos que, talvez se lido em conjunto aos ouros fascículos de Frank Miller nos roteiros de Demolidor, talvez assim seja (mais) fácil ignorar a panfletagem conservadora.
O sujeito que é psicótico - e portanto é 1) viciado em drogas; 2) um assassino e 3) um tarado; A beleza pura da personagem vítima de sequestro é de uma mulher caucasiana com vastos cabelos louros - e que não tem qualquer propósito na trama além de passar de lado a lado, seja do criminoso, seja do Demolidor tentando subornar o criminoso (é, eu sei, soa estranho mesmo lendo), seja do próprio marido da personagem...; A cúmplice/irmã/ex-mulher do psicótico que ainda que demonstre claramente o quão é prestativa e caridosa é descrita com todas as palavras como alguém promíscua;
Tudo já estava ali, e só foi piorando com o tempo, conforme o autor foi dando mais e mais espaço a suas visões preconceituosas e direitistas (exemplos não faltam, e olhando bem mesmo nos quadrinhos bons do cara).
De mais a mais, é até fácil relevar alguns dos pontos quando a trama flui (afinal, extremismos à parte, é Frank Miller em sua melhor forma)... Aí o Demolidor voa igual ao Superman carregando uma mulher sedada nos braços e você se pergunta quando diabos o Demolidor aprendeu a voar e toda a suspensão de crença cai por terra...
Nota: 7,0/10 (Sienkewicz puxa bem a nota pra cima)

Daredevil 16

(Roteiros: Mark Waid, Arte: Chris Samnee, 22 páginas, Marvel Comics publicado originalmente em 2015)

Eu tenho que dar a mão à palmatória que Mark Waid conseguiu uma boa sacada para injetar um pouco de ar nessa parte final de sua passagem pelo Demolidor.
Não parece original, provavelmente não será tão brilhante assim (afinal já anunciaram o time criativo que seguirá no título ao que mostra que por mais reviravoltas o status quo geral será mantido), mas por um momento ali existiu aquele relance de brilhantismo que foi o ponto alto perene por quase todas as edições do autor.
A sacada foi colocar o Demolidor propondo um acordo ao Rei do Crime numa estrutura que faria John Constantine ou Fausto se morderem de inveja. Há tensão, há uma enorme animosidade entre os interlocutores e Waid constrói um de seus momentos mais soberbos a frente do título...
Só que ele não encaixa com o que vinha acontecendo até aqui.
O Rei do Crime continua mais avulso que congressista que vai trabalhar em véspera de feriado, inclusive sem muito propósito nessa história toda... Quer dizer, porque/quando ele se mudou para São Francisco também? (O Rei do Crime, o Coruja, o Homem Púrpura... Droga, mesmo o Justiceiro em Los Angeles!)
Sei que é mais rixa que qualquer coisa, mas acaba meio que fugindo do propósito da coisa toda... Ele saiu de Nova York e levou toda Nova York junto com ele?
Qualé...
A cena com o Rei do Crime porém é um dos momentos mais brilhantes de toda a história do Demolidor, porém...

Nota: 8,0/10 (RELUTANTEMENTE)

Daredevil: The fall of the Kingpin

(Roteiros: D G Chichestter, Arte: Lee Weeks e Al Williamson, 96 páginas, Marvel Comics publicado originalmente em 1993)

Em 1986 o Rei do Crime destruiu a vida de Matt Murdock após descobrir sua identidade secreta.
Acabou com sua carreira de advogado, congelou seus bens e o fez questionar tudo e todos - inclusive ao contratar seu ex-sócio e melhor amigo Foggy Nelson.
Estes são alguns dos eventos da brilhante história de Frank Miller que redefiniu as histórias em quadrinhos recentes no arco "A Queda de Murdock" (ou no original "Born Again").
Nisso os sucessores tiveram grandes complicações para tentar equiparar os quilates do trabalho, principalmente com a quantidade crescente de demanda por incluir o Homem sem Medo em eventos da editora - com participações em cross overs como Inferno, Massacre e Queda de Mutantes (todos dos X-men). Não que Ann Nocenti a escritora que se incumbiu dessa tarefa fosse (ou seja) de menor calibre e suas histórias de todo dispensáveis... Ela produziu alguns momentos memoráveis ao jogar o Demolidor cara a cara com demônios do inferno se confrontando sobre sua iconografia e mais que isso sobre a maldade inerente nos homens, além de colocá-lo sob análise microscópica de suas falhas de caráter durante os quase cinco anos, e colocou uma nova e letal guarda-costas para o Rei do Crime para torturar a alma de Matt Murdock e tecer mais da intrincada teia que conecta o mafioso ao herói cego.
Até que enfim D G Chichester assume os roteiros, e, finalmente coloca os pingos nos 'is' e corta os 'ts' de toda a impunidade ao Rei do Crime, e surge esse que é sem dúvidas um momento impressionante da história da Marvel, ainda que não seja alardeado (essa coletânea de 1993 é uma das únicas republicações que eu encontrei até hoje do arco).
E é o que se poderia esperar... Talvez até mais, com algumas mudanças que parecem tão conclusivas que nem parece uma história em quadrinhos (sei, sei, 1992 era uma outra época e eramos todos mais ingênuos em um mundo preto e branco de nostalgia...), mas vem as bobagens convolutas do universo Marvel que confirmam que é.
A HIDRA não tem grande motivo pra estar aqui, e acaba complicando demais uma trama com tensões com a organização do Rei e a SHIELD... Estes são pontos negativos de uma boa história - que deve mais ao ótimo desenvolvimento de Frank Miller que pelo trabalho de Chichester em si.
Vale a pena a conferida.
Nota: 7,0/10

MENÇÃO HONROSA:
Não é de um quadrinho do Demolidor - é, na verdade, da única coisa relacionada ao MEGA-EVENTO-QUE-PRETENDE-MUDAR-TUDO-(DA-VEZ) do Universo Marvel (que eu ainda não sei se chama Battleworld ou Secret Wars) - mas a participação do personagem graças aos excelente Scottie Young é difícil de ignorar:
Eu quero os Nachos Diablo

8 de julho de 2015

prólogo

Sempre haverá algo anterior ao princípio.
Algo tem de existir para dar lugar e gerar outra coisa, e é tão inequívoco como paradoxal.
À escuridão disse deus: "Faça-se a luz", mas quem o fez ou a escuridão?
Urano e Gaia geraram Cronos e os outros deuses, mas quem os gerou?
O que havia antes do universo? Outro universo?
A semente é lançada para sua própria sorte no deserto abissal da realidade, mas sem o deserto e a realidade, o que é essa semente?
O nada abjeto e intempestivo.
A vida à procura de razão ou motivo.
Que motivo pode haver se não o caos e acaso?
A frivolidade dos motivos reside na arbitrariedade, e não se encontra como maior facilidade ou lógica no começo, se é que ele existe.
Eu nunca tive um começo.
Nasci como toda criatura filha de pai e mãe. Tive uma infância comum, nada marcante além do tédio constante.
Talvez por isso eu tenha matado o filho dos vizinhos. Fiz parecer com um acidente no lago. Afogamento após escorregar em uma pedra. E é a versão que fica até hoje.
Mas não me lembro se esse foi o primeiro (não foi o primeiro meu irmão?), só sei que está longe de ser o último.

Eu vejo você ;)

6 de julho de 2015

{Thomas Pynchon de segunda}


"We are digits in God’s computer, she not so much thought as hummed to herself to a sort of standard gospel tune, And the only thing we’re good for, to be dead or to be living, is the only thing He sees. What we cry, what we contend for, in our world of toil and blood, it all lies beneath the notice of the hacker we call God."


"Somos dígitos no computador de Deus, ela não apenas pensava enquanto murmurava para si mesma num tom quase bíblico, E a única coisa para qual servimos, é estar morto ou vivo, é a única coisa que Ele vê. O que nos faz chorar, pelo que lutamos, nessa realidade de labuta e sangue, tudo reside sob a vigilância do hacker que chamamos Deus."


Extraído de Vineland, de Thomas Pynchon.

5 de julho de 2015

{Resenha} True Detective Segunda Temporada - Ou quando nada dá certo.

Primeiro, deixe-me enfatizar um ponto muito importante: Não dá pra comparar com a primeira temporada por uma série de motivos, mas principalmente porque é como se a sua banda de garagem tiver de fazer um segundo show após a reunião dos Beatles (com direito a show holográfico de John Lennon e George Harrison).
Ainda que sua banda de garagem fosse o Led Zeppelin (com Neil Peart substituindo o finado John Bonham) ou a reencarnação de Jimmi Hendrix com a reencarnação de Janis Joplin nos vocais, é fácil entender que suas chances de prender a atenção são bastante parcas e remotas.

Deixando claro que, sem dúvida os Beatles jamais foram a maior banda de todos os tempos ou qualquer coisa do tipo, mas eles ainda são populares pra caramba, e tem coisas mais fáceis na vida que suceder alguém incrivelmente popular (já passei com isso com uma ex, e vai por mim, é uma merda).

E quando a sua banda de garagem tem o carisma de segunda voz de dupla sertaneja com a qualidade técnica do baixista do Restart... Não vai conseguir a atenção, então faça o melhor show.


Aí entram os problemas da segunda temporada em si, que começam com os anúncios prévios que deixavam claro que haveriam quatro protagonistas (algo que descontando Seinfeld não funcionou exatamente muito bem em outro lugar - nem no Quarteto Fantástico, pense nisso), e pra ajudar do elenco em si o que dizer além de que no mínimo é pouco inspirado?

Quer dizer, Vince Vaughn é um péssimo ator, canastrão no máximo (sua carreira é permeada por comédias em que ele é o menos engraçado dos personagens e por desastres completos como o talvez pior remake de todos os tempos para Psicose), Taylor Kitsch é... Quem ele é mesmo? Ah, o discípulo de cigano Igor sem talento que só é relativamente conhecido porque tem músculos?
Rachel McAdams nunca fez nada de brilhante com uma carreira permeada de comedias românticas e pontas pequenas - e ainda que isso não signifique que a moça seja ruim, não oferece um currículo brilhante para justificar a confiança em seu talento. Sobra pro Collin Farrel que por um bom tempo foi uma grande promessa, aí ele fez Demolidor - O Homem sem medo e ninguém mais acreditou no cara - e foi aí que ele fez um boa seqüência de filmes bons (Como o ótimo Sonho de Cassandra, Coração Louco, Caminho da Liberdade e mais algumas coisas, no mínimo divertidas como Sete Psicopatas e um Shih Tzu!).

Não obstante ele é o melhor personagem do primeiro episódio (The Western Book of the Dead - algo como "O livro dos mortos ocidental"), com boas cenas, mesmo que ele seja um típico clichê (policial corrupto - com um bom coração, pois foram problemas de família que o tornaram corrupto - com problemas com alcoolismo e com seu comportamento autodestrutivo). Enfim, é tudo que Jimmy McNulty (The Wire) ou Angel Batista (Dexter) ou Debra Morgan no mesmo Dexter... Enfim, não é algo novo. É repetido ad infinitum e é um clichê (mas funciona, o que se vai fazer?).
O problema nos clichês se dá quando outros dois dos quatro protagonistas também tem estruturas repetidas ad nauseam (alguém está gastando seu latim hoje).

Tanto McAdams quanto Kitsch tem personagens carimbados de histórias policiais - a detetive durona que foi criada por um pai porra-loca hipponga (e que McAdams está forçando a barra demais para parecer crível, enquanto falha miseravelmente) e o sujeito que voltou da guerra e voltou amargurado e perturbado por fantasmas e blá blá blá (provavelmente ele também é o assassino, mas só estou jogando no ar).
Enquanto McAdams tenta demais e não consegue (o que uma outra atriz mais competente faria o papel com um pé nas costas - cough, cough - Charlize Theron ou até Mila Kunis), Kitsch precisaria ser um ator melhor que Robert De Niro para convencer como sujeito perturbado pela guerra que vira tira honesto e se vê amargurado na presença de mulheres gostosas que querem ficar com ele... No entanto ele é um sujeito que atua pior que o gato da figura abaixo:


Então você pode imaginar o quanto é difícil assistir os seguimentos dele no programa e levar a sério quando sua única expressão é uma de constante constipação...
Sobra Vaughn que mesmo canastrão como sempre, encabeça o personagem mais curioso.
Ele é meio que um mafioso, ainda que mais para 'empresário anti-ético que não liga muito para leis trabalhistas e bem estar de funcionários somente para o lucro e cifras no bolso' que para Tony Soprano/Dom Corleone. Com o segundo episódio seu personagem cria uma trama bem interessante e mostra mais gás para a trama que a própria história do assassinato/conspiração da vez.

E nisso chegamos na história...
Olha que eu já vi seriados menos interessantes (bem eu assistir a última temporada de Dexter), e eu acho que o roteiro dessa temporada está bem escrito e pode surpreender... Só que não empolga.
Muitas cenas só causam bocejos, a quantidade excessiva de peças no tabuleiro forma um contexto confuso (porque todo esse pessoal está investigando essa história mesmo?) ao que fica difícil esperar pelo próximo episódio.
Os aspectos detetivescos em si não são tão impressionantes... Sim, é um crime bizarro, curioso e tudo mais, só que falta o elemento humano para tornar o crime ou a investigação interessantes, sabe?
O jogo de gato e rato que é a essência do suspense policial! O uso da sagacidade e inteligência na busca por pistas elaboradas e complexas...
Enfim, não é o que eu vi aqui.
Aqui inclusive eu não sei até que ponto é um problema do ego do autor/criador do seriado, uma vez que existem alguns elementos interessantes que mostram que SE a história partisse para uma direção diferente, algo mais próxima de uma adaptação de, vamos dizer um livro, vamos dizer de um autor chileno exilado... Tá, 2666.
As maquilladoras, o empresariado corrupto a polícia sem muita ideia do que está acontecendo e tentando de tudo que é maneira estabelecer uma causa lógica para uma série de crimes (que pode não ser serial). Seria uma história muito melhor e mais interessante, mas acho que só seguiram a questão da falta de ética nas maquilladoras e sua estrutura semi-mafiosa de gestão empresarial.

Talvez o seriado prove que estou errado com os episódios vindouros e se mostre melhor que tudo já feito para a HBO anteriormente... Mas eu duvido, e os primeiros parágrafos do texto justificam que não importa muita coisa.

Nota 4,5/10

3 de julho de 2015

A fina arte de varrer pra baixo do tapete parte 2 - A importância da propaganda


O Cracked fez um excelente vídeo explicando as diferenças entre a realidade e programas policiais - e como a incompetência e falta de orçamento da vida real mantém criminosos condenados fora da cadeia.


2 de julho de 2015

{EDITORIAL} A fina arte de varrer para baixo do tapete

{Essa semana sem resenhas de quinta porque existem assuntos mais importantes (e estou sem tempo de ler quadrinhos...)}

Reza a lenda de uma pesquisa que 85% dos brasileiros são a favor da redução da maioridade penal.
Isso seria um dado interessante (e assustador) se pesquisas de opinião apontassem dados que não são assustadores - afinal, 42% dos norte-americanos não "acreditam" na evolução. Podem parecer assuntos difusos, mas são pontos onde a voz democrática não é relevante pois uma visão menos popular é a (mais) correta.
Posso citar Galileu ou Leonardo da Vinci (perseguidos/mortos por visões contraditórias ao convencional), posso citar até Jesus Cristo para os fanáticos religiosos (ei, não foi a grande maioria que libertou o bandido e puniu o inocente no texto da Paixão de Cristo... Ei, eu sei que é o sistema penal ferrado dos Romanos que deve ser culpado, mas a metáfora se aplica duplamente pois o sistema penal é ferrado desde aquela época).

Mas é mais fácil citar dados.
E um dado muito fácil é que o sistema carcerário não funciona.
E aqui vai a prova número 1:
Encarceramento em massa nos EUA

Resumo da obra: 
1) População carcerária aumenta mesmo que a criminalidade não - resultando em maiores gastos públicos para manutenção de prisões; Outros fatores financeiros óbvios (não estão no vídeo) como a desvalorização de uma área residencial na proximidade de presídios - em virtude dos riscos de rebeliões e fugas que podem usar o seu telhado como passarela ou a sua garagem como refúgio;
2) Reincidência aumenta devido a dificuldade de reintegração (imposta justamente pela estrutura do sistema). Quem quer contratar um ex-criminoso? Se a resposta é "ninguém", o que ele possivelmente vai fazer quando sair da cadeia?
Não é preciso de muita imaginação para chegar à resposta, não é mesmo?
3) A punição é apenas um pedaço de uma 'torta' muito maior (lembre disso).
E há mais, muito mais, uma vez que como muitos fatores vão apontar em vários artigos: Os guardas estão em menor número enquanto os criminosos são muito organizados;

Mas isso não é tudo, pois temos a prova número 2:

Last Week Tonight: Prison (20/07/2014)

De novo:
1) Há discriminação racial nas prisões;
1.1) Mesmo nas meras apreensões;
1.2) Droga, mesmo os cães farejadores são racistas!
2) 1 em cada 25 dos presos são vítimas de estupro;
2.1) Se isso não parece um problema, lembre-se que o sistema prisional JÁ É o castigo;
3) A privatização do sistema prisional possibilita mão de obra semi-escrava, prestação de um serviço correcional de péssima qualidade (lembre o artigo na prova 1 que diz que 'não é preciso muito para iniciar um tumulto', então... Condições precárias de alimentos e alimentação são mais que suficiente para o início de uma rebelião;

Prova 3 - O cenário brasileiro:
2) Terceiro país que mais prende no mundo - com dados alarmantes da criminalidade em comparação a outros países;
4) 37% dos presos encontram-se em condição PROVISÓRIA (ou seja, aguardando um julgamento com a definição de condenação!). O que é mais assustador quando um caso leva em média 4 anos para ser julgado no Brasil;
6) NO ENTANTO, achar local para a construção de uma única unidade prisional é mais difícil que se possa imaginar... Veja aqui e aqui e aqui e bem... Em praticamente todo o Brasil.

Prova 4 - Dos crimes e criminosos:

Figura 1 - Tipificação penal no Brasil

Figura 2 - Escolaridade dos presos em 2012

1) Quase um quarto da população carcerária é ligada ao tráfico de drogas (no entanto é mais importante discutir maioridade penal que legalização/situação dos entorpecentes para combater o tráfico);
2) Aproximadamente 61% da população carcerária SEQUER completou o primeiro grau (mas não é um problema que a educação ou uma educação melhor possa resolver)!
3) Os crimes hediondos representam (somando os itens 6, 7, 9, 10, 13, 14 E 15 da lista) 22,4% dos motivos de encarceramento no Brasil - sendo que três dos itens (13, 14 e 15 ou seja - Quadrilha ou Bando, Atentado violento ao pudor e Tráfico Internacional de Entorpecentes) foram somados mas não enquadram necessariamente na categoria.
3.1) É importante o destaque desta condição para enfatizar o quanto é paliativa a decisão de reduzir a maioridade penal para crimes hediondos apenas (já que representam uma parcela menor da população carceraria de todo modo - e boa parte dos outros crimes são resolvidos com outras medidas, como melhorias no ensino, por exemplo);
3.2) Vale destacar que o número - e ocorrência - de crimes hediondos também é bem diferente do país do Tio Sam que tem histórico de massacres e atentados (como o de Austin em 1966 sem ignorar os mais recentes pós Columbine cometidos por adolescentes, incluindo a maratona de Boston);

Alguns parênteses:
É fácil buscar exemplos que colocam em cheque a qualidade da polícia brasileira, o que torna ainda mais complexa a situação (se não podemos confiar nos atores responsáveis pela prisão, seja por corrupção, seja por incompetência, como confiar nos resultados?), citando a ficção como Tropa de Elite chupinhando uma cena de The Wire em que os policiais manipulam estatísticas - movendo um cadáver para outra juridição - para reduzir números de um precinto.
Casos estranhos mal explicados e mal resolvidos, e a brutalidade policial (que é criticada até pelos EUA - sim o país onde um policial invade uma piscina e puxa uma menina negra pelos cabelos) só tornam tudo ainda menos confiável.

Se é preciso desenhar ou escrever com todas as letras, eu faço o segundo MANDAR MAIS GENTE PARA A CADEIA NÃO É SOLUÇÃO.



"Soluções" como a oferecida são a fina arte de varrer o problema para baixo do tapete, em que queremos prender mais gente mas ninguém quer construir mais presídios.
Refletir, apresentar planos e projetos consistentes para conseguir soluções a médio e longo prazo (como pensar em planejamento familiar - incluindo a alternativa do aborto e discussões sobre o assunto desde cedo na escola). E principalmente pensar que adolescentes que cometem crimes tem um problema claro de falta de estrutura e disciplina, então porque não substituir a reclusão dos menores infratores por serviço militar?

Porque é mais fácil vender pseudo-soluções para acalmar a população.
Contanto que pareça efetivo, é suficiente.

{RAPITORIAL} Hoje é dia 2 de fevereiro em Punxsutawney

Congresso rejeita proposta da maioridade penal.


Congresso aprova redução da maioridade penal.

1 de julho de 2015

{EDITORIAL} Porque nós precisamos de uma bosta de opinião para tudo?

Lendo jornais eu vejo mais e mais que eu não preciso ler jornais.
Eles não me informam mais que o feed do facebook ou o meu twitter (que eu acesso uma vez a cada vez que o cometa Halley passa pela Terra), cheios de opiniões e polêmicas bobas que nada representam.

"Oh, apresentador erra nome de pessoa vagamente conhecida que morreu"
"Oh, comentário sobre pessoa vagamente conhecida que morreu ofende alguém"
"Oh, posicionamento de pessoa vagamente conhecida sobre situação vagamente desconhecida em outro país é errado!"
"Oh, fulano não apoia causa x, y ou z"

Sério que o jornalismo hoje se resume a isso?
Além de todas as peças de opinião que francamente todo idiota vai quotar como se fossem verdades absolutas escritas por Sidartha com o martelo de Thor no mármore sagrado do Olimpo...
Repito minha pergunta do título: Porque nós precisamos de uma bosta de opinião sobre tudo?
E complemento: Ainda mais quando nos falta tanta informação sobre as coisas que devemos (ou deveríamos) formular uma opinião?
Ainda mais quando nossas fontes de informação são rasas, parciais e manipuladas?
Mas mais importante: Porque nos ofendemos tanto e com coisas tão pequenas?

Dois casos vem bem a mente que são dos fãs do sertanejo que faleceu na quinta feira passada se ofendendo com comentários desse ou daquele famoso... E, com toda a franqueza... Se ofendendo porque?
Se a família do cara se ofendesse, até era uma coisa, mas fãs?
Não que eu tenha fãs e talvez nunca terei, mas sejamos honestos: Fã é sinônimo de gente chata.
Tão chata e sem vida que usa e projeta um ídolo (ou coisa) como a representação de sua própria identidade. Veja os fãs de Star Wars (que acham que suas opiniões são mais importantes que dos criadores do negócio por exemplo) ou o número enorme de lunáticos que invade quartos de famosos ou até acaba matando-os (como o caso do John Lennon).
Nisso se ofendem num negócio em que não tem qualquer lugar ou direito de se ofender.
Tem todo o direito ao pesar, tem todo o direito a tristeza... Mas eles acabam por aqui (de preferência até bem antes porque, lembre-se: Você não conhece essa pessoa e ela sem a menor dúvida não se importa[va] com você).

O outro caso, acho até que mais absurdo o de protestos contra o apresentador Jô Soares por entrevistar a presidente Dilma.
Digo protestos porque não se limitou a gente pichar a rua em frente a sua casa com ameaça de morte, também teve o pessoal do facebook declarando a morte da integridade (ha, ha, ha diz-se do homem que fazia piada com deficiente na década de 80... Na televisão... Em rede nacional) e da carreira (bwa, ha, ha, ha... Quem lembrava do Jô antes dessa entrevista?).
Eu não vi a entrevista (uma porque é o Jô Soares cujo programa eu não assisto desde 2003 e olhe lá, e duas porque foi numa sexta-feira... Sério, se a sua melhor opção numa sexta-feira à noite é assistir o Jô Soares e você não está em coma, prisão domiciliar ou é um vigilante noturno, sua vida anda beeeeeeeeem parada - sério, é bom sair de casa à noite, é bacana e ainda não foi proibido, mas também existem outras opções de entretenimento, sabe como livros, quadrinhos, cds, filmes, equilibrar lápis na ponta do nariz para girar um prato de porcelana em cima), e não consigo imaginar o que ele poderia fazer para despertar tamanha indignação.
Ainda mais na Rede Globo...
Sério, por mais que possa soar hipócrita criticar quem viu a entrevista e se ofendeu enquanto eu não vi a entrevista, a verdade é uma só: Se ofender com um entrevistador porque ele entrevistou alguém?
Uau, que mundo perverso e maníaco esse em que entrevistadores... entrevistam!