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30 de julho de 2015

{RESENHAS DE QUINTA} Homem Animal de Grant Morrison

Normalmente eu faço mais de uma resenha, mas esse é um material fantástico que merece uma atenção especial e só dele.

Animal Man vol 1 (sem subtítulo, apesar do arco se chamar 'The Human Zoo)
Roteiros: Grant Morrison, Arte: Charles Truog, DC/Vertigo Comics, originalmente publicado em Animal Man 1 - 9;

Faz tempo que eu li pela última vez a série toda, e isso é um dos motivos que causam uma certa estranheza ao pegar o material do começo de novo.
Pra quem já conhece o personagem, o começo lento e gradual parece desfocado - mas é claro e intencional a apresentar esse bizarro personagem esquecido para uma audiência maior. E funciona!
Quer dizer, tem algumas arestas meio soltas aqui e ali - como a participação de Superman na segunda edição ou os caçadores sulistas saídos diretamente de Amargo Pesadelo (Deliverance de 1972) - e a trama em si do arco 'O Zoológico humano' é um tanto estúpido pra dizer o mínimo.
Claro, é a forma de Morrison trazer à tona discussões mais densas para quadrinhos (o contexto é importante: Enquanto em 2015 temos quadrinhos sobre praticamente todo tipo de coisa que se imagine e espere, em 1988 quando a série começou, ainda havia uma percepção menor sobre o meio com uma noção mais clara que quadrinhos eram para crianças, afinal Watchmen e O Cavaleiro das trevas ainda eram bastante recentes e o selo Vertigo, o espaço para quadrinhos adultos ainda não existia - sequer Sandman estava nas prateleiras quando Animal Man 1 saiu), e Morrison apresenta esses temas de maneira sútil, estabelecendo seu tom e sua própria abordagem.
Como na cena mencionada do quase estupro, em que Morrison termina o fato de maneira abrupta com um 'isso foi longe demais' antes da personagem ser vítima do atentado, estabelecendo de maneira clara os limites que permearam sua obra, assim como demonstra algumas outras condições metas do trabalho (talvez de maneira otimista Morrison tente propor que naquela geração anos 80 que esse tipo de situação não existiria/aconteceria mais - tanto que quem repele o ato é justamente um dos personagens do próprio tenebroso grupo de caçadores).
Existem outras coisas mais sutis como o relacionamento homossexual da Fera B'Wana (sim, é o nome de um herói) que fica apenas subentendido, mas bastante claro como a motivação do personagem (após a morte violenta de seu parceiro ele sai em busca de vingança/redenção). Mas é sútil porque é um tema tabu para o cenário (quadrinhos com toda a situação do Comics Code pós Frederich Wertham que tinha de se manter 'limpinho e direitinho' para não perverter as mentes pueris), então o personagem nunca diz com todas as letras, ainda que seja difícil não entender isso...
Como eu disse, "subentendido"
Mas é a partir da quinta edição que a história realmente deslancha, quando chegamos ao divisor de águas da carreira de Morrison, e talvez uma das mais importantes e inteligentes histórias em quadrinhos publicadas: O Evangelho do Coiote.
Enquanto as outras histórias são muito boas - as loucas histórias que jogam o Homem Animal contra uma bomba fractal thanagariana, ou contra o genial Mestre dos Espelhos são brilhantes e a edição 7 com o deprimido vilão Máscara Vermelha é simplesmente fantástica como história fechada, como parte do escopo maior (isso volta mais para frente no enredo), e talvez seja a segunda melhor história do encadernado.
Só que "O Evangelho do Coiote" é... O Evangelho do Coiote!
É aquela história bizarramente única que só Grant Morrison poderia escrever, e ao mesmo tempo é tão poderosa, tão capaz de encapsular tudo o que o personagem e sua história representam que é difícil, minto, IMPOSSÍVEL falar de Homem Animal sem pensar nessa história.
Há gênio transbordando nessa história, conforme Morrison critica de maneira aberta a nossa visão de mundo e nos faz questionar esses valores, de como vemos diversão, prazer e de certo ponto uma santidade na violência (através da qual pode purificar e santificar).
Em termos, no escopo de Homem Animal, essa violência é destacada a partir da violência contra animais, e de sua banalização através de desenhos animados como Pernalonga e cia, onde é extremamente comum explosões, tiros e quedas de penhascos (com pedras gigantescas caindo posteriormente sobre os personagens), mas existe a banalização da morte de animais de nosso mundo real também (como tratamos como mero lixo - e inconveniência - um animal atropelado numa estrada, por exemplo, quando se trata de uma vida perdida).
Não obstante o fanatismo religioso toma conta também da trama conforme um personagem se vê obcecado em sua jornada para purificar o mundo do demônio do deserto com uma bala de prata (de novo, santificar através de violência).
Ainda existe a questão maior - que é um tema recorrente do autor - da percepção de artistas como deuses (mesquinhos) sobre sua criação, provocando o caos, a confusão e a dor em seus personagens para sua mera diversão.

Vale destacar que as capas de Brian Bolland são um show a parte, e, é sempre bom ver o brilhante artista produzindo material de tamanha qualidade.

Precisa nota? 10!

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