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15 de julho de 2015

Um sonho de Gregor Samsa

O cheiro forte de café se mistura à urina e invade meu olfato, mas não é isso que me acorda, e sim o toque suave, provavelmente feminino seguido de um sussurro indiscernível.
Abro os olhos com cuidado e o mundo parece desbotado enquanto a luz cortante como laser arde minhas retinas forçando que feche as pálpebras tão logo as abri. Sinto a desorientação imediatamente, enquanto meu cérebro tenta estabelecer as conexões sobre o que diabos está acontecendo, mas meu estômago age primeiro, forçando como um gêiser através do esôfago o suco gástrico.
Vagarosamente abro os olhos, sentindo cada vez menos a ardência neles que parece agora se concentrar em minha cabeça numa poderosa cefaleia.
Sinto o rosto molhado com o vômito enquanto um toque sútil me limpa com um guardanapo de papel. Meus músculos ficam travados de maneira que estou sentado em uma cadeira desconfortável olhando para frente, sem nada ver, com olhos entreabertos e ainda que sinta o toque suave através do papel, não sou minimamente capaz de saber quem está fazendo isso.
Não só estou em um lugar que desconheço como com gente que desconheço.
Percebo pelas unhas pintadas e pelo tamanho da mão que se trata de uma mulher, o que se confirma com sua voz enquanto fala delicadamente em um dialeto inteiramente desconhecido ou que minha percepção torna imperceptível diante meu estado.
Fico me perguntando se estou bêbado, doente ou alguma outra coisa e tento retroagir minha memória ao máximo de minha noite anterior, e tampouco sou capaz disso.
Há uma segunda voz e acredito que uma terceira na sala, que acredito ser uma sala, mas não os vejo.
Minha mente segue inerte tentando voltar aos fatos que me colocaram ali, e tudo que me apareciam eram momentos esparsos e desconexos do que poderia ser há milênios pelo que me importava.
Súbito percebo que minha garganta prepara um novo gêiser que é silenciado. Alarme falso.
Noto a mesa em minha frente no que vejo onde meu rosto estava colado minutos atrás.
Finalmente vejo o rosto da mulher a cuidar de mim.
Ela me olha de maneira maternal, tenra enquanto segura meu queixo com grande firmeza, se certificando de que eu não caia ou volte a regurgitar principalmente enquanto ela está em meu ângulo de visão. Ela não parece uma mulher nova, há sinais de sua idade como rugas de expressão nos olhos além de seu semblante geral um pouco mais austero, mais rígido. Ainda que seus olhos sejam maternais, seus movimentos são frios e bruscos. Ela fala algo, e sem resposta minha repete o comando de maneira mais ruidosa, quase gritando.
Perdido em meus pensamentos não percebo quando ela deixa a sala, nem que o silêncio só é cortado pelo zunido elétrico da lâmpada fluorescente.
Imagino que deveria haver um relógio ali em algum lugar, e passo um tempo olhando ao redor para procurá-lo, e é quando percebo a sala em que estou, mais precisamente um cubículo com paredes esverdeadas ou azul claras desagradáveis. Meus olhos não percebem a diferença entre o tom. São quatro paredes com um espelho em uma delas e uma porta localizada atrás de onde estou. Na sala além da cadeira e da mesa em que estou sentado existe um pequeno cinzeiro, de onde vem o cheiro de café que senti anteriormente.
Quando acredito que sei onde estou, um homem revoltado com um cigarro fedorento e uma gravata horrorosa começa a falar ruidosamente andando pela sala. Enquanto fala suas mãos se movem freneticamente e os perdigotos voam pela salinha. Ele aponta o cigarro na minha direção, e parece dizer algo importante, que finalmente tenho certeza não ser meu idioma, e isso dá um nó ainda maior em minha cabeça.
Fico zonzo novamente, e sinto uma umidade em meu cotovelo, apoiado em meu dorso. Fecho os olhos por um instante e mal percebo uma súbita fraqueza.
Minha mente continua ativa, ouvindo gritos desesperados e vozes e mais vozes falando ao meu redor, conforme vou perdendo o equilíbrio, conforme minha cabeça se apóia para trás, e com isso levando o corpo ao chão.
Apago e desmaio sentindo o cheiro de sangue que acredito ser meu, enquanto minha cefaleia piora.

E então começa...

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