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30 de março de 2025

{A vida após Netflix} A morte da Sitcom

Existe uma diferença fundamental entre comédia e sitcom, e essa é uma diferença fundamental, que é em grande parte o motivo que explica a facilidade com que o segundo tenha se mantido vivo por tantos anos na televisão, e que resultaram em sua agonizante e eventual morte.

A sitcom é uma abreviação para comédia de situação do original inglês, e, comumente, apresenta mais cenários e situações do que se preocupa com narrativa e construção de personagens, e, de maneira geral igualmente, o final de um episódio marca não apenas o final da situação mas de toda e qualquer repercussão e consequência.

Geralmente sitcoms se formam com conceitos que permitem a geração contínua de histórias com um elenco fixo apoiado constantemente por participações especiais e um elenco rotativo (como um bar, um escritório ou um hospital) mas não é incomum abordar uma estrutura familiar geralmente disfuncional (seja um irmão parasita que se muda com o outro bem mais sucedido ou uma família suburbana típica com todos os problemas da subúrbia), onde trapalhadas se seguem, afinal, se trata de uma comédia. Não obstante, os personagens do núcleo central dessas tramas vivem em um constante estado de torpor com mínimo desenvolvimento se algum.

Se um personagem faz algo horroroso e asqueroso (por motivos cômicos, claro, afinal a 'comédia' faz parte da situação), é bem pouco provável que haverá qualquer mudança significativa que vá além do episódio seguinte, e, é extremamente fácil demonstrar exemplos disso, como em Friends quando Ross (que começa a série se divorciando, tem um filho e um relacionamento fracassado com a paixonite do colegial) encontra uma nova namorada e está prestes a se casar, estragando tudo no último minuto (no episódio que é o final da quarta temporada). Na temporada seguinte (e nas demais) o que acontece com esse sujeito na casa dos trinta com um filho e dois divórcios?

Bem, ele começa a namorar uma colegial enquanto inicia uma carreira de professor (e o pai dela faz parte do comitê da universidade que poderia facilmente demiti-lo), e depois se casa novamente enquanto bêbado com a paixonite do colegial e tem um filho com ela (que mais tarde ela tenta um relacionamento com o melhor amigo de Ross enquanto ele tenta namorar uma professora da faculdade - que estava com esse amigo). O que ele aprende nesse processo...? Absolutamente nada pois a existência dos dois filhos são apenas relevantes quando a série apresenta algum cenário em que eles apareçam, os divórcios não interferem em nada ou mudam os hábitos do personagem e em nenhuma das seis temporadas seguintes Ross tenta qualquer jornada de crescimento e desenvolvimento pessoal. Ele não faz terapia ou tenta aprender a lidar melhor com seus próprios sentimentos e frustrações.

Ok, isso é um pouco um exagero, eu sei, afinal personagens fazendo terapia para melhor lidar com seus sentimentos e frustrações não é algo que mesmo o material de maior prestígio e drama sequer finge que tenta lidar.

No entanto, olhando do outro lado do Atlântico para a série Peep Show, vemos algo categoricamente oposto. Mark passa anos tentando se acertar com a colega de trabalho Sophie (sim, vivida por Olivia Colman antes da Rainha e do Oscar), e enquanto o relacionamento tem vários altos e muitos mais baixos, na quarta temporada os dois estão juntos e no rumo para o casamento.

O casamento é um fiasco, e isso leva diretamente a repercussões para Mark (já no episódio seguinte), passando por enorme ostracismo no trabalho além de dificuldades para conseguir se acertar e estabelecer um novo relacionamento. A situação com Sophie igualmente deteriora conforme a moça se afunda no alcoolismo e depressão (sim, lembremos que isso ainda é uma comédia), e acaba grávida de Mark, levando a mais uma série de altos e baixos até que ela sai definitivamente da vida dele enquanto se firma com um novo namorado e não enxerga qualquer perspectiva que o fã de Napoleão vá crescer e se tornar uma pessoa melhor.

Ainda que Peep Show seja dos anos 2000 enquanto Friends dos anos 1990, e existam óbvias diferenças entre o humor britânico e estadunidense (e os resumos dos parágrafos anteriores apontam que mesmo com tramas parecidas, os rumos são bem diferentes), existe uma diferença essencial que está atrelada a forma de produção de conteúdo que tornava a sitcom não apenas uma realidade como uma necessidade, e é algo que se dá no cenário de transmissão televisiva de acordo com planejamento e programações.

Mesmo que nos anos 1990 muitas pessoas tivessem videos cassetes, e a estrutura de exibição de programas seguissem a um horário específico (todos os domingos às 20:30 ou sextas às 19:30 com reprises e etc), por uma infinidade de motivos seria fácil para um espectar perder um episódio ou de maneira similar, para uma rede não exibir o programa.

Sejam motivos pessoais que te impeçam de estar diante da televisão no horário determinado ou o fato que um furacão devastador destruiu o gerador ou está solicitando maior cobertura midiática, as emissoras tinham de se planejar para cenários adversos, e, nisso era extremamente comum que programas fossem produzidos de forma a representar minúsculas mudanças (se alguma) ou desenvolvimento narrativo, afinal se você perder um episódio (ou mesmo uma temporada inteira), seria perfeitamente fácil entender a situação e cenário e acompanhar a partir de qualquer ponto da história.

Com isso, mantendo condições simples e repetitivas permitia para que o público pudesse acompanhar com maior facilidade, mas, de maneira similar, que as retransmissoras pudessem exibir sejam episódios novos ou reprises com igual facilidade. Porém, com o avanço dos serviços de streaming, essa ideia perde tração uma vez que a perspectiva que a audiência se mantenha engajada com uma série por múltiplos episódios - seja numa estrutura de maratona ou acompanhando esporadicamente - garantindo que os assinantes vejam todo o conteúdo, depende muito menos da conveniência de horário (uma vez que é possível assistir a qualquer momento).

Plataformas de streaming passaram a investir muito mais no modelo britânico de produção de comédias (estruturadas e com menos episódios enquanto focando no desenvolvimento de personagens e histórias) e que demanda do público o retorno para novos episódios, e, o que vemos cada vez menos são produtos bobos e de péssima qualidade lançados por tipos como Chuck Lorre (mas que vão continuar a surgir aqui e acolá enquanto esses tipos estiverem vivos e trabalhando), mas que não são mais a força motriz do gênero cômico.

Séries menores (quatro-seis temporadas como Atlanta, Barry ou O que fazemos nas sombras - mas facilmente podemos apontar bem mais exemplos como Sex Education ou The Good Place) com menos episódios e maior enfoque em personagens e desenvolvimento gradual de suas tramas vem ganhando cada vez maior tração e possibilitando melhores experiências que, bem, tentativas de ressuscitar um gênero falido que, honestamente, talvez só funcione para animações ainda (e somente por contar com orçamentos muito menores - mas mesmo essas vem encolhendo e enxugando seus números de episódios, quando não tem hiatos gigantescos entre temporadas como Rick e Morty).

28 de março de 2025

{Resenhas extras} Ludwig, o melhor clone de Sherlock ou a melhor nova série?

David Mitchell é um ator brilhante, ainda que razoavelmente limitado. Claro que ele sabe usar isso a sua vantagem (como com nove temporadas de Peep Show que é talvez um dos melhores seriados da tv britânica), e Ludwig mostra isso com perfeição.

Ludwig traz a história de dois irmãos gêmeos, que, bem, são basicamente Sherlock e Mycroft Holmes (um obcecado por enigmas e o outro que é mais inteligente e trabalha para o governo), e, quando um deles desparece o outro precisa assumir seu lugar e descobriu tudo o que aconteceu. Simples, certo?

Quer dizer, tirando o fato que o personagem sofre terrivelmente com ansiedade e David Mitchell consegue capturar brilhantemente o ataque de pânico e crises de ansidade do personagem enquanto também retratar os momentos de genialidade com que resolve casos complexos e intrincados?

Eu fiquei realmente surpreso e acho que poucas séries me prenderam tanto a atenção, e, não quero entrar em qualquer spoiler porque honestamente o quanto menos você souber, melhor, mas eu preciso destacar a qualidade dos roteiros que faz tempo eu não vejo algo desse calibre, e a ótima atuação dos protagonistas David Mitchell e Anna Maxwell Martin, ainda que os personagens secundários não deixem nada a desejar, e eu quero muito fazer uma resenha com spoilers mas vou esperar um pouquinho pelo menos para digerir o final da temporada (e formular minhas teorias).

Recomendadíssimo!

27 de março de 2025

{Resenhas de Quinta} Uma mente (quase) excepcional

Baseando somente pelo piloto, a série Uma Mente Excepcional (High Potential no original) tem, sem trocadalhos, um enorme potencial mesmo: Premissa interessante para uma série policial tradicional (uma mãe solteira altamente inteligente trabalhando como consultora para a polícia de Los Angeles), atores muito bem escalados (com destaque óbvio para Kaitlin Olson que brilha demais aqui) e ao menos no piloto, um roteiro muito bem construído ainda que nem sempre tão afiado.

Falta um je ne sais quoi (sim, sim, a série é baseada numa série francesa, mas juro que não é trocadalho de novo) para sair do lugar comum, e efetivamente se destacar em um gênero extremamente policial (de investigação criminal) e ou  abraçar a comédia de maneira mais contundente ou partir de cabeça no drama - o que honestamente não me parece o ângulo certo para uma série cuja primeira cena é a protagonista requebrando no serviço e trombando com uma investigação em andamento). 

Abraçando a comédia que parece a decisão lógica e inteligente, precisa melhorar os roteiros para conseguir extrair mais comédia das situações e personagens como Psych faria com casos absurdos e ridículos ou Monk com as muitas manias do protagonista.

Aí me parece a primeira oportunidade completamente desperdiçada da produção. Essa série é uma adaptação da série francesa Haut Potentiel Intellectuel (aqui conhecida como Morgana, a detetive genial) e segue uma rotina tipicamente francesa, com costumes tipicamente franceses.

Não faria sentido ao atravessar o Atlântico trazer situações que de fato trouxessem interesse para a dinâmica da detetive genial? Quer dizer, se a faxineira fosse uma mãe solteira negra de alto QI contrastando com policiais estadunidenses racistas ou mantendo Kaitlin Olson (que é disparado o que o seriado tem de melhor) mas contrastando com um detetive idoso misógino com bonezinho MAGA que obviamente não ouviria o que uma faxineira teria a dizer...

Mas, puta merda, eles não mudaram nada da primeira cena do original francês. NEM A PORRA DA MÚSICA! Minto, mudaram as cores para algo mais primário para ficar mais chamativo para câmeras alta resolução!

Eu vou dar o benefício da dúvida, considerando que Psych melhora enormemente após a segunda temporada (assim como outro remake cult de uma série europeia pouco conhecida, um tal de The Office) e de fato encontra seu próprio ritmo, e, o mesmo pode acontecer aqui com toda a certeza.

Acrescentar mais personalidade ao detetive Karadec (que é só um personagem genérico e desinteressante nessa primeira temporada) ou mesmo substituí-lo completamente por algum personagem novo ou mesmo um dos outros detetives já apresentados (eu acho que a detetive Forrester funcionaria bem), enquanto apresentando casos mais desafiadores e que de fato exijam os conhecimentos e a mente brilhante de Morgan para resolvê-los (com conhecimentos específicos que passariam claramente batido pelas autoridades) seria um bom começo.

Verdade seja dita, falta bastante personalidade à série como um todo para deixar de ser mera cópia carbono do original além de oferecer algo particularmente interessante além de seu conceito. Recomendo o piloto - que até agora foi o melhor episódio que eu vi - esperançoso para que encontre sua própria voz e traga algo mais interessante.

20 de março de 2025

{Resenhas de Quinta} Blueberry (Pipoca & Nanquim)

Para quem não conhece, Blueberry é um personagem de histórias de Western publicadas em quadrinhos franco-belgas entre 1963 e 1973 além de republicações, compilações e continuações até os anos 2000, escrita por Jean Michael Charlier e Jean Giraud (também conhecido como Moebius).

E enquanto a série tenha uma arte belíssima que vale a pena se perder por horas nos cenários detalhadamente criados e ilustrados por Moebius, o roteiro, bem, deixa um pouco a desejar. Primeiro pela verborragia que torna a leitura tediosa e cansativa.

Toda página tem um volume enlouquecedor de texto que pouco ou nada agrega para a história, e, ao contrário, só trava o desenvolvimento narrativo. Por outro lado, o desenvolvimento narrativo é, por boa parte, repleto de clichês de westerns com histórias que colocam o tenente Mike Blueberry seguindo qualquer narrativa que John Wayne se encaixaria - ora como tenente do exército enfrentando os povos originários, ora como xerife de alguma cidade sem lei ou ora como um trapaceiro sem sorte em busca de qualquer esquema...

No geral as histórias são boas, com personagens complexos e interessantes, e desde a primeira vez que eu li quando a Abril publicou em 1990 (e o material não vingou, ao que saiu mais um ou dois volumes somente), eu realmente simpatizei bastante com o que li.

Recomendo, com ressalvas.

17 de março de 2025

{Resenhas lixo} Demolidor: Mas que desgraça

Sim, eu disse que não faria resenhas de quadrinhos ou filmes de super-heróis esse ano, mas eu quero fazer um aparte para, o que eu considero uma das piores histórias não só do Demolidor mas no geral que eu já li (e isso só convenientemente agora que a Disney vem relançando a série no streaming): Caindo em Desgraça, rescentemente republicada pela Panini.

Eu sei que o que vem depois não é nada melhor, e, é fácil parecer uma hipérbole de que o material é uma das piores histórias, mas deixe eu fazer um breve resumo da trama (nem vou entrar no mérito do monte de personagens e eventos) e você tire suas próprias conclusões se eu estou exagerando.

Em 1963, um experimento do exército desenvolve um vírus misterioso (que é basicamente mágico mas vamos ignorar isso por enquanto) que, agora (em 1993) é o alvo das buscas da organização criminosa Ordem Serpentária (no original Snakeroot, que é uma facção do Tentáculo - com conexões ao vilão da saga Elektra Assassina, a "Besta") com o propósito de ressuscitar Elektra. 

Até aqui tudo bem, certo?

No entanto, um número considerável de pessoas também busca esse vírus misterioso por motivos particulares e essas pessoas vão aparecendo a cada capítulo com explicações de como o vírus resolveria seus problemas. Temos uma versão demoníaca vudu do Demolidor (não estou brincando) chamado  Hellspawn - que espera virar um menino de verdade com a ajuda do vírus - ou Venom e Morbius - que esperam que o vírus resolva a limitação de seus poderes - além de Silver Sable (essa só é uma mercenária que foi paga para caçar o vírus, ainda que nunca se explique diretamente por ou para que). Além deles temos a Ordem Serpentária que quer ressuscitar Elektra (mencionado no parágrafo anterior), e que conta com a ajuda de John Gareth (que ajuda a personagem em Elektra Assassina - e termina como o presidente dos Estados Unidos), trazendo uma história avulsa da cronologia regular (e que estava perfeitamente bem lá) para a continuidade regular Marvel com explicações bobas e convolutas (sim, o final - ou talvez todos os eventos - de Elektra Assassina se deu na cabeça de Gareth preso em um tanque de animação suspensa na S.H.I.E.L.D.). Curiosamente, tanto a S.H.I.E.L.D. quanto o exército dos Estados Unidos parecem pouco interessadas nessa busca, e, se você está se perguntando porque então o Demolidor está preocupado (quando os antagonistas são personagens do Homem Aranha e a trama envolve elementos que deveriam interessar o Capitão América), bem, eu não sei, porque concomitante a tudo isso uma estagiária do Clarim Diário descobriu os diários do Ben Urich e viu que o Matt Murdock é o Demolidor, é por isso.

Respira, respira...

Vamos lá, eu li não muito tempo atrás o segundo volume de Blueberry, e ele trás um longo arco chamado o 'O Homem que Valia 500.000 dólares' que é uma história envolvendo vários personagens (e grupos) com suas agendas pessoais e propósitos específicos em busca de um mesmo obejtivo (os tais 500.000 dólares). Ainda que alguns grupos e personagens tenham mais destaque que outros, a motivação de cada personagem é clara e evidente - para a maioria é somente ganância enquanto para alguns existem propósitos específicos para o que querem fazer com tanto dinheiro.

O ponto para as motivações destes personagens é claro, específico e definido.

Venom, Silver Sable e a Ordem Serpentária todos querem coisas completamente diferentes com o tal víruso mágico e nenhum destes objetivos é claro, específico ou definido. Cada personagem aparece (e desaparece) da história sem uma lógica inerente de sua participação ou mesmo de suas motivações. Quer dizer, como o mesmo vírus perdido desde 1963 seria capaz de ressuscitar uma pessoa morta, curar um vampiro e aumentar as tolerâncias de um simbionte alienígena?

E eu nem vou entrar no mérito que esse é um universo com jóias do infinito ou cubos cósmicos que podem atender as motivações destes personagens com a mesma facilidade (e talvez maior eficiência) e igualmente um criador poderia facilmente adicionar outro qualquer artefato místico equivalente.

O problema aqui, além de uma história mal escrita, ilógica e sem propósito, é que a narrativa não se constrói de forma natural, orgância e funcional, no que as conclusões não funcionam (e já abordarei esse aspecto nos próximos parágrafos).

Quer dizer, porque a Ordem Serpentária resolve que precisa da Elektra nesse ponto específico? Como apontado, o vírus foi desenvolvido em 1963, Elektra morreu na edição 181 de Demolidor de 1982 (a edição inicial de Caindo em Desgraça é a de número 319 - quase 140 edições e mais de 10 anos depois após as passagens de Frank Miller, Denny O'Neil, o retorno de Frank Miller e Ann Nocenti), então porque esse é o ponto específico em que faz mais sentido que a tal Ordem busque ressuscitar Elektra, e não, sabe, logo após a morte da personagem...?

E porque eles precisam de Elektra especificamente e não qualquer um dos milhares de ninja e assassinos que o universo Marvel produz semana após semana (como a Mary Tifóide da fase de Ann Nocenti ou mesmo o Mercenário que Frank Miller tanto trabalhou?).

Tudo isso faz com que sejam escolhas editoriais conduzindo a história, e não escolhas narrativas.

O mesmo acontece com Matt que muda de uniforme (porque não) e simula a própria morte - algo que pelo menos é familiar com o que acontece durante A Queda de Murdock e  mais tarde durante o arco dos X-men Inferno quando se presume que o personagem morre.

E, mesmo presumindo que você ignore tudo que aconteceu até aqui (que o Rei do Crime derrotou o Demolidor duas vezes consecutivas fazendo com que ele perdesse o rumo e vagasse por meses pelos Estados Unidos até finalmente se reencontrar e fazer o necessário para conseguir derrubar tanto o Rei do Crime quanto seus asseclas criando assim um vácuo de poder que todo tipo fantasiado de Nova Iorque tentou aproveitar) ou que você leve isso tudo em consideração, a questão toda é que o Demolidor estava finalmente dando passos para reassumir sua vida (recentemente reatou com a namorada Karen, reiniciou a firma de direito com seu amigo Foggy), porque entrar de cabeça nessa busca obsessiva por uma ex-namorada...?

Mais até que isso, fingir que ele forja a própria morte para sumir com a reportagem sobre sua identidade quando, 1 ele mal dava qualquer tempo do dia para sua identidade civil e 2 a própria história trabalha para desmentir a notícia - e 3 anos mais tarde Brian Bendis fez a mesma história da revelação da identidade, só que, sabe, bem melhor - não faz o menor sentido e interrompe qualquer progresso e lógico até o momento. A situação com Karen e Foggy vão para os ares porque Matt resolve forjar a própria morte, e, nem ao menos tenta reatar com a ex-namorada morta Elektra.

Falando da Elektra, apesar das várias vezes que eu falei que o propósito do arco é ressuscitar a personagem (4 vezes nos parágrafos anteriores - mas quem está contando...?) revelação de spoiler: Ela nem estava morta no fim das contas.

Esse é facilmente o mais confuso aspecto da história, afinal, ela tenta amarrar todos os elementos de histórias anteriores (que são claramente antagônicos - e inclusive não fazem parte da cronologia comum da Marvel naquele ponto, como a série Elektra Assassina) e interpreta completamente errado o final da fase de Frank Miller quando a ordem de ninjas da qual o mestre do Demolidor Stick fazia parte (os Castos, um enclave de ninjas místicos que combate o Tentáculo desde tempos imemoriais) faz um velório da Elektra, e, Matt acredita que vê o semblante da garota como se ela tivesse renascido.

A história deixa a ideia no ar, ainda que fique bastante claro (já na edição seguinte quando o Demolidor joga roleta russa com o Mercenário) que na realidade Elektra continuava tão morta quanto meses atrás, mas Caindo em Desgraça interpreta isso como literal e a ninja estava escondida nas montanhas do Himalia por todo esse tempo em conjunto com os ninjas milenares dos Castos... Então porque ela ficou todos esses anos sem se manifestar simplesmente para voltar agora para impedir a ressurreição de alguém que não era ela (afinal ela não morreu)?

Na verdade, o que eles estão tentando ressuscitar se ela está viva? Ah, jovem padawan, é a essência má de Elektra que ela descartou ao se juntar com os Castos, e agora ela precisa se livrar de seu lado mal (ou ao menos impedir que os vilões fiquem com ela).

(De novo volta às questões de 'porque especificamente agora e não em qualquer momento dos dez anos e quase 140 edições nesse intervalo, mas vamos deixar isso pra lá)

Elektra volta, se une ao Demolidor para enfrentar as hordas de vilões que querem o vírus mágico no último capítulo, para que fiquem os dois sozinhos contra uma gigantesca oposição, e tudo se conclui de maneira pouco satisfatória ou relevante. Matt forja a própria morte mas nem ao menos tenta reatar o relacionamento com Elektra ao mesmo tempo que Elektra sequer tenta partir para cima da Ordem Serpentária (que agora estava bastante exposta) e terminar a luta de uma vez por todas (E, inclusive mal aparece nas edições seguintes pouco ou nada justificando seu retorno no fim das contas).

As coisas não melhoram e a série acaba sendo cancelada, ainda que leve uns bons quatro anos para isso, mas o que vemos claramente é  que a interferência editorial forçando não para um desenvolvimento natural da história mas para soluções que ninguém estava pedindo, acabam por afastar o público. Algo que por acaso se parece muito diferente do que a Disney vem fazendo com o MCU hoje...?

Deixando bem claro, D G Chichester é um autor bastante competente (e ele produziu uma que talvez seja minha história favorita com o personagem na edição 304, 34 horas em que acompanhamos pouco mais de um dia na vida do personagem enquanto tenta ajudar o máximo de pessoas possível - além de produzir o arco Ritos Finais que é bem sólido), e Scott McDaniel é um dos meus artistas favoritos (com seu trabalho no Batman e Asa Noturna principalmente, é verdade), ainda que a série já apontasse para um navio com crossovers e mais crossovers e cada vez menos desenvolvimento para os personagens e as histórias eclodindo nessa bagunça sem fim e sem sentido.

E que no final ninguém aprende nada com os erros do passado...

13 de março de 2025

{Resenhas Picaretas} Hacks

Eu não sei porque eu não assisti ou comentei antes, mas, Hacks é facilmente uma das melhores comédias dos últimos vinte anos (o que não é à toa que tenha vencido tantos prêmios no período de suas três temporadas).

Sagaz, bem escrito e com personagens extremamente bem construídos (tanto nos personagens que aparecem todo episódio e tem maior desenvolvimento como personagens que mal aparecem em dez minutos durante todos os episódios). Ainda que, e eu acho relevante frisar, que apesar de humorístico e acompanhando as trajetórias de comediantes, o material seja bastante leve em piadas no geral.

E enquanto eu não quero usar qualquer spoiler para explicar a série e seus pontos - até porque eu acho que o desenvolvimento gradual das tramas e personagens funciona muito melhor com o mínimo que você saiba - as linhas gerais são sobre uma comediante jovem que perde o emprego e que vê como única oportunidade de redenção trabalhar com uma outra comediante, essa mais velha e calejada (ainda que longe dos holofotes e mesmo de grande sucesso), com ambas se aprimorando no processo.

Existe muito mais no processo, afinal os principais personagens da série são cheios de manias e idiossincrasias - inclusive algumas coisas que beiram o comportamento sociopático ou pelo menos distúrbio borderline - e eu genuinamente estou ansioso pela quarta temporada, que, ao que tudo indica será a última (o que é uma pena).

Recomendadíssimo.

10 de março de 2025

{Resenha lixo} Bookie

Eu confesso que não sei o que faz Bookie ser medíocre. A ideia é sólida, o material é bom, e o elenco tem seus problemas (principalmente no papel principal), mas não é como se isso tivesse atrapalhado comédias antes (com Seinfeld ou Segura a Onda com exemplos bem fáceis de comédias com protagonistas péssimos e Sebastian Maniscalco é melhor que os dois - ao menos como protagonista, enquanto como comediante, bem...).

Então se eu tivesse que apostar, eu direcionaria os problemas da série no produtor executivo, Chuck Lorre, o criador de Two and a Half Man, Big Bang Theory e uma lista considerável de comédias ruins e medíocres, e nisso parece haver algum padrão bem mais claro.

Bookie poderia ser um material extraordinário em qualquer momento da história da televisão ou com outro produtor executivo? Eu pessoalmente acho bem dificil, no entanto,existe algo ali que, com algumas mudanças (ou sendo franco, mais para ajustes) fariam o material brilhar e não apenas para premiações como para o público geral mesmo. Quer dizer, em uma temporada de oito episódios, existem duas "piadas" envolvendo suicídio e tem mais ao menos umas duas outras cenas que envolvem assassinatos (além de agressão física) em uma comédia, porque, sabe, o material é "ousado".

O roteiro tem outros problemas que sob uma luz diferente, funcionariam melhor, mas com o tom escolhido pela direção do material (de ser mais ousado porque agora é HBO), acabamos com, bem, algo que falha na aterrissagem, e aqui é onde eu enxergo o maior elemento em que Chuck Lorre exerce a maior influência (e onde o show fracassa).

Veja, a série é uma comédia sobre um agente de apostas na California lidando com, o que a série diz muitas vezes, 'o fim dos tempos das apostas tradicionais' que serão tomadas por plataformas de bets. No entanto, nada parece demonstrar essa ameaça latente das plataformas de apostas (quase todo episódio parece mostrar os protagonistas lucrando valores assombrosos - e exceto na segunda temporada em que brevemente uma plataforma de apostas digital entra em contato com os protagonistas para propor comprar seu negócio, nada de efetivo existe nesse sentido).

Não é acidental que eu tenha falado de Seinfeld ou Segura a onda em um parágrafo anterior... esses dois shows tem comediantes que não sabem atuar nem que suas vidas dependessem disso, no entanto eles geralmente estão acompanhados de um roteiro e um elenco coadjuvante igualmente sólidos. 

Com exceção de Jorge Garcia (ou Hurley de Lost), o elenco principal da série é bem esquecível, enquanto o roteiro, bem, não é exatamente muito melhor. Algumas boas cenas aqui e acolá (geralmente para as ótimas participações especiais, incluindo mas não se limitando a Charlie Sheen, Ray Romano e Zach Braff) o material tende a piadas forçadas, repetitivas e cansativas depois de uma temporada com 8 episódios (de 20 minutos cada um em média).

E quando o maior elogio a um material é que ele é curto e passa rápido... Eu não consigo acreditar que isso seja remotamente um elogio.

6 de março de 2025

{Resenhas de Quest} Os irmãos Aventura

Começando em 2003 como uma das primeiras animações do bloco Adult Swim, os Irmãos Aventura produziu 86 episódios (e um filme) em sete temporadas com loooongos intervalos já desde o começo (a segunda temporada saiu só em 2006, pra você ter uma ideia).

A série tem uma vibe da animação da Hanna Barbera Jonny Quest, com a ideia de uma família de um super cientista viaja o mundo em busca de aventura e artefatos (quase) mágicos, mas, expandindo a partir dessa noção a série extrapola para absurdos lógicos acerca disso. E enquanto essa era a ideia que o Adult Swim trabalhava no momento com reimaginações de clássicos da Hanna Barbera com uma ousadia trangressora - como com Harvey Birdman, Advogado ou Space Ghost de Costa a Costa - o ângulo vai mudando com um desenvolvimento maior do mundo onde estes personagens existem não apenas como substitutos para uma paródia da Hanna Barbera.

Por exemplo, o pai, Dr. Thaddeus Rusty Venture já percorria o mundo em busca de aventuras com seu pai (Jonas), o que inspirou um desenho animado, quadrinhos e que é a base de toda a notoriedade do personagem, e além da ameaça de locais supersticiosos, Rusty e família se deparam com terríveis vilões fantasiados com sonhos de dominação global, o que leva a toda uma estrutura da sociedade ao redor destes eventos (da superciência e vilões fantasiados), e, conforme a série avança mais e mais detalhes sobre esses pontos são desenvolvidos e apresentados, onde nos deparamos com toda uma série de tratados e acordos decorridos para uma coexistência entre vilões fantasiados, grupos de contrainteligência (claramente inspirados em Comandos em Ação/G.I. Joe), heróis, robôs e monstros alienígenas.

O foco nas primeiras três temporadas é na família Aventura, com foco principal nos irmãos Hank (traduzido como Marcelo) e Dean (traduzido como Maurício), e as trapalhadas em que eles se metem constantemente. Isso acaba se desnevolvendo com uma reviravolta do final da primeira temporada (sem spoilers) e passa a ter mais significado nas temporadas e episódios seguintes, e, é algo muito bem trabalhado.

E, honestamente eu acho que você tem aqui alguns dos melhores episódios da série como um de meus favoritos "Fuga para a Casa das Múmias Parte 2" da segunda temporada, e "Você está aí Deus, sou eu, Maurício"... Ainda que os sinais problemáticos já estivessem ali com o Barão Underbheit (que gosta de se casar com garotos pré-púberes).

Aí a gente chega na quarta temorada com uma paródia gay do Superman que também é pedófila (claro) e fica difícil justificar a qualidade do roteiro com a quantidade não minúscula de piadas homofóbicas (que obviamente estes personagens gays são pedófilos) e capacitistas (sim, tem um personagem análogo ao Coisa do Quarteto Fantástico que é chamado de retardado, e nem é o único exemplo - ou vez que a palavra é usada na série). As duas últimas temporadas (seis e sete que são as únicas em fullscreen) parecem um soft reboot deixando o material mais problemático para trás...

O que é uma pena porque quando a série se empenha, existe um material realmente interessante e bem trabalhado.

A jornada do Gary/Capanga 21 de mero figurante sem nome do começo da série para alguém em busca de si próprio quando perde seu melhor amigo e todo o mais que se segue, mostra bastante da nuance que a série consegue estabelecer nos roteiros e desenvolvimento mesmo de personagens insignificantes (ainda que eu positivamente não veja graça em boa parte dos arcos envolvendo o Monarca depois da terceira temporada - e a história toda do Morfo Azul não agrega nada interessante).

Resumindo: O material tem um bocado de coisas que não só envelheceram mal como já eram problemáticas (para dizer o mínimo) há quase vinte anos quando isso começou a sair. Só que existe muito mais imaginação e boas ideias além de um roteiro consistente e bem trabalhado (com segredos e mistérios apresentados na primeira temporada em 2003 que seriam melhor contextualizados na última temporada quinze anos depois).

Vale a pena conferir - ainda que já ciente do material problmático - nem que ao menos um ou dois episódíos para ver se funciona para você.

28 de fevereiro de 2025

{Especial Oscar} O que ficou de fora

Eu sei, eu sei, eu não consegui ver todos os filmes do Oscar e, por motivos óbvios, me pareceria desonesto opinar sobre alguns pontos, então tentarei compilar no geral o que faltou.

Muita coisa entra no território de especulações e análise tanto de apostas como de outros críticos (afinal eu não assiti vários desses filmes), mas ainda tem minhas apostas para os principais prêmios:

Eu não cobri as animações (ainda que tenha resenhado Divertida Mente 2 - que eu não gostei - e o livro no qual Robô Selvagem é baseado - que eu não gostei), mas honestamente eu fiquei dividido entre um filme que eu não assisti (mas parece bastante impressionante) e um que eu assisti e achei divertido (mas reconheço que não é nada impressionante).

E por último um filme que eu só ouvi falar porque está na lista.

Apostaria em Flow, me parece o mais impressionante do grupo, mas o prêmio de animação consegue ser bastante frustante e apresenta várias vezes filmes de estúdios mais populares/famosos ganhando (o que justifica a mera indicação de Divertida Mente 2) pura e simplesmente porque jurados não se importam e votam na animação que os filhos ou netos foram assistir.

Não ficaria surpreso se Divertida Mente ou Robô Selvagem ganhassem, mas categoricamente não seria merecido pra nenhum dos dois.

Na categoria principal, eu realmente queria assistir Anora e não vi em nenhum cinema na minha região ou nos streamings (oficiais ou piratas), e o mesmo vale para A Verdadeira Dor (ainda que por ser dirigido por Jesse Eisenberg eu preferiria as versões piratas mesmo), e, por mais que goste de Bob Dylan, não consigo entender o que essa biografia possa oferecer que No Direction Home (de 2005) ou o simplesmente impecável Não estou lá (de 2007), e genuinamente duvido que eu acabe assistindo esse filme como não fiz com várias das outras biografias lançadas nos últimos anos...

Kieran Culkin deve levar o Oscar de ator coadjuvante - e parece um dos poucos pontos em que não parece haver qualquer dúvida ou mesmo opção. Até o momento eu não ouvi uma única pessoa sugerindo outro nome como possível vencedor nessa categoria, completamente ignorando os demais atores (e como eles estão exatamente nos filmes que eu acabei de comentar que não assisti, bem...). Minto, Eu assisti a "O Aprendiz", e Jeremy Strong não merecia essa indicação nem ferrando... Atuação medíocre num filme bosta que só ganhou tração pelo Caveira Laranja se elegendo presidente... Mas, honestamente, não tive nem paciência para fazer uma resenha lixo porque não me pareceu que o filme vale o esforço.

Conclave eu também não quis fazer uma resenha, em partes porque eu dormi durante o filme e em partes porque eu confesso que achei meio sem graça, mas o elenco é inegavelmente o ponto mais forte do filme e é justamente por isso que o filme tem grandes chances de conseguir uma dobradinha com Atriz coadjuvante que deve ficar com Isabella Rossellini, e continuo achando que melhor ator fique com Ralph Fiennes (ainda que muita gente me chame de maluco porque Adrian Brody já abriu até espaço na estante dele para mais uma estatueta)...

Nickel Boys (ou O Reformatório Nickel) é um filme bem experimental e tem seus momentos, e ainda que seja um baita filme, eu realmente acho que tem tanta chance de ganhar o Oscar de melhor filme como eu tenho de ganhar um pulitzer por esse blog. Está disponível no Amazon Prime, e, com certeza vale a pena conferir.

O Brutalista é sinceramente o filme que eu mais quero assistir, mas não tenho paciência de ficar 4 horas numa sala de cinema (e sei que eu provavelmente demore uns 3 dias para assistir isso com intervalos e pausas para o café), e acredito piamente que é o melhor filme do ano, mas, de novo, tudo isso só pelo que eu vi de trailers ou ouvi do filme... 

Me parece que o melhor filme está entre O Brutalista e Anora, e eu acho que é um 55/45 para o primeiro, e, honestamente parece que os dois filmes ficarão com os dois principais troféus (de melhor filme e direção), sendo que quem levar melhor filme não levará melhor direção.

Nisso, acho que melhor direção fica com Sean Baker de Anora (nos mesmos 55/45).

Provavelmente errarei um bocado de coisas e esqueci mais algumas outras tantas das categorias que não cobri, mas foi um mês bem corrido e puxado com muitas resenhas.

Um abraço a todos, um ótimo Carnaval e daqui uns dias estarei de volta!

27 de fevereiro de 2025

{Resenhas de Gil Gomes} Ainda estou aqui, agora.

Eu acredito que já disse mais de uma vez que eu não sou muito fã de cinema brasileiro.

Tem aquela questão de como os filmes seguem duas estruturas básicas ou de operar com o mínimo esforço - como todos os filmes dos Trapalhões, do Sérgio Malandro ou, bem, os mais recentes com Rodrigo Faro como Silvio Santos - ou de buscarem os recônditos mais sombrios da alma humana e criar uma experiência subversiva que vai te fazer querer tomar um banho com esponja de aço depois de assistir - como Pixote a lei do mais fraco ou Ilha das Flores. A terceira opção eram basicamente as pornochanchadas que, bem, combinavam ambos com as tentativas de expor os recônditos mais sombrios da alma humana com o mínimo de esforço possível.

Com os anos 1990, o Brasil passou a produzir filmes com um pouco mais de competência - saindo dessas duas opções - com filmes como O que é isso companheiro e Central do Brasil, mas a verdade é que o grosso da produção brasileira continua sendo filmes ruins com o mínimo esforço e atores ruins.

E eu nem sei por onde começar a falar dos atores ruins que o Brasil insiste em passar como comediantes (como o Hassum se fazendo como anão ou agora o Marcos Mion sendo o Marcos Mion...?) ou como atores e filmes 'sérios' (sabe como biografia do Silvio Santos ou do Edir Macedo).

Talvez em partes por culpa da vitória de Gwyneth Paltrow (uma das piores atrizes de Hollywood a vencer o prêmio) sobre a Fernanda Montenegro em uma de suas melhores atuações foi a grande pá de cal sobre a noção que valia a pena investir a sério no cinema no Brasil. Ainda mais quando os filmes do Leandro Hassum continuam a render muito mais lucro.

E, é, o Brasil ficou anos patinando sem encontrar o tom certo no cinema porque, bem, ou era algo bobo e sem graça ou pretensioso e sem graça, e quando raramente alguma coisa ótima como Cidade de Deus saia, bem... Mais uma pá de cal e mais filmes do Leandro Hassum dominando as salas de cinema.

O que deve acontecer agora? Sinceramente, tenho medo de imaginar o próximo filme de Leandro Hassum com Rodrigo Faro e Sérgio Mallandro... Brrrr...

Ainda estou aqui é um filme muito bom (ainda que talvez não tanto quanto Cidade de Deus) e é a atuação da Fernanda Torres que torna isso espetacular, e se existir alguma justiça no mundo ela leva o Oscar de melhor atriz (ainda que seja vista como uma azarona pelos agenciadores de apostas lá fora), e o filme consegue acertar muito mais do que errar, produzindo um material consistente.

Inclusive porque o filme bate fundo numa série de espantalhos que uma galerinha sempre gosta de contar e construir sobre a 'ditabranda' brasileira e todos os méritos do 'regime militar', mostrando exatamente uma família tradicional que é pura e simplesmente destruída por nenhum motivo além de ser uma terça-feira e um milico estava com vontande de torturar alguém (sabendo que não teria qualquer consequência).

E eu acho que essa mensagem do filme, essa ideia de explorar as consequências terríveis e devastadoras para a família, expor claramente a dor e o sofrimento, colocando os pingos nos is e cortando os ts (sabe, com nome e CPF, não apenas um personagem fictício contando uma história possível) do que ditadura no Brasil causou nas vidas de pessoas reais, eu acho isso incrivelmente poderoso e reascendeu um debate muito importante que foi sendo apagado e diminuído nos últimos anos (com o fim da Comissão da Verdade - enquanto aquela turba nojenta fazendo alusão a torturador como se fosse a coisa mais bonita do mundo).

Muito da moçada mais nova que cresceu assistindo plantão da Globo fingindo que a Lava Jato desencavou o maior escândalo de corrupção da história do país (enquanto os gráficos mostravam um esgoto jorrando dinheiro), sem entender o que a Ditadura fez de tão mais devastador - tanto no aspecto econômico, que inclui uma gigantesca corrupção de obras faraônicas que não serviram para nada como a transamazônica, e foram obviamente superfaturadas... E isso tudo sem falar das empresas cúmplices da Ditadura como a reportagem fantástica do Bob Fernandes denota.

E é muito interessante ver os jovens empolgados e clamando justiça mesmo que isso se apague nos próximos meses e dali a pouco estejam pedindo intervenção militar dos EUA e rezando para pneu tudo de novo.

Se eu falei pouco do filme, bem, honestamente não parece ter muito o que falar. Atuação excelente, direção impecável, talvez pecando um pouco no roteiro em um momento ou outro, produz um filme que facilmente é um dos melhores da nova leva do cinema brasileiro (um 9,0 com sobras).


 

Chances no Oscar? Filme internacional me parece bastante provável (eu nem vejo outra alternativa com qualquer grau de destaque) enquanto melhor filme me parece que só está lá pra ter o número mínimo de indicados ao ponto que Duna deve ter mais chances (lá pra 0,0001)...

Melhor Atriz, eu acho que Mikey Madison continua a favorita da crítica (ainda que eu não tenha assistido Anora), mas eu genuinamente acho que a performance de Fernanda Torres é inigualável. Aqui provavelmente dependa mais da pulverização dos votos (que iriam para Sofia Gascon que era a franca favorita pouco mais de um mês atrás), e, nisso Fernanda tenha um pouco mais de chance.

Pode até ser que a Fernanda ganhe o Oscar por ser mais velha que a Mikey Madison (e terá muito pouca chance de ser indicada de novo - a menos que entre de cabeça no mercado de Hollywood, e, como Demi Moore viu, nem isso é muita garantia) ao mesmo tempo que a mãe dela perdeu para uma fraquíssima Gwyneth Paltrow e isso monta uma história mais interessante para o prêmio que simplesmente a atriz de Anora ganhando, e, eu aposto inclusive que esse ano não teremos os prêmios de melhor filme/ator/atriz/diretor para o mesmo filme, sendo mais distribuído.