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19 de junho de 2025

{Resenhas Contagiantes} Yu Yu Hakusho - Yoshihiro Togashi

Depois de ler tanto Yu Yu Hakusho quanto Dragon Ball (e no caso dos dois eu li os finais somente depois de assistir às animações integralmente), eu confesso que tenho maior carinho pela primeira.

Dragon Ball é um material fascinante e algo que todo mundo que gosta de narrativa deveria ler, com sua estrutura que progride gradualmente ainda que de maneira lógica, agregando novos e maiores desafios a cada capítulo, ao mesmo passo que apresenta novos personagens (e, em alguns casos, todo um elenco novo para a condução do novo arco), sem perder foco, sempre mantendo um tom leve e descontraído.

No entanto, os personagens de Dragon Ball são em sua maioria vazios ou unidimensionais, sem muito espaço para uma caracterização maior e mais detalhada (inclusive com alguns personagens que simplesmente somente no cenário como covardes ou patéticos - como Chaos ou Yamcha).

E esse é o aspecto que diferencia as duas séries, principalmente. Yu Yu Hakusho desenvolve seus personagens com maior destaque, e lhes dá mais espaço para crescer, inclusive vilões e personagens secundários. Na verdade, os vilões são muito melhor desenvolvidos e trabalhados (ainda que existam aqui e ali os vilões genéricos que tem motivações bobas como dinheiro, mulheres, iates, mulheres...), enquanto os protagonistas tem toda uma vida além das lutas.

A mãe de Kurama se casa em um dos volumes mais tardios, enquanto Kuwabara que era o valentão desmiolado termina a série fazendo faculdade e, droga, quase um adulto responsável. 

Mais até que isso, a série começa num ritmo bem diferente - mais parecida com o caso da semana de algum material detetivesco em que Yusuke enfrenta alguma ameaça sobrenatural qualquer - até que torneios e antagonistas em lutas que definem todo o futuro da humanidade (sabe, como Dragon Ball).

Curiosamente, o começo da série me fez lembrar mais de Dan Da Dan com ameaças que tem um tom bem mais coerente e humana, afinal os fantasmas são em sua maioria humanos que não fizeram a transição para outro plano de existência.

E, ainda que seja uma extrapolação de minha parte, eu acho que esse é o rumo que o criador queria para a série, e é inclusive um dos motivos pelos quais o final abandona um novo torneio gigantesco que mudaria tudo para que o protagonista Yusuke cresça e deixe de lado a vida de lutador (montando uma barraquinha de miojo enquanto soluciona casos sobrenaturais esporadicamente).

Formando um final melancólico em partes pelo potencial que se perde, mas em grande parte pelo que representa numa mudança rumo a vida adulta, abandonando fantasias e aspirações infantis e tolas para seguir com a vida com um sorriso contagiante, e talvez nada mais.

16 de junho de 2025

{Resenha lixo} Predador Assassino de Assassinos

A franquia Predador sofre de uma crise de identidade, que, honestamente não faz muito sentido pra mim, e, sofre disso justamente porque não sabe ou consegue definir se quer ser uma franquia de terror ou de ação.

Isso funciona para o primeiro filme que joga o monstro alienigena para enfrentar o ex-governador da Califórnia (que era um grande astro de filmes da ação naquele ponto da história), mas a continuação joga um monstro alienígena dessa mesma espécie para enfrentar a ameaça conjunta de Danny Glover e Gary Busey, e as coisas não melhoram conforme a franquia chega no século XXI com uma criança autista sendo a maior ameaça que os monstros alienigenas já enfrentaram. E não ajuda muito que tanto Batman, Superman e agora Wolverine e Homem Aranha já tenham enfrentado as criaturas...

E, obviamente, em todos estes exemplos, os monstros espaciais com tecnologia vastamente superior são superados de novo e de novo pela engenhosidade humana... O que não me convence muito e francamente me mostra que a franquia só não sabe muito bem o que está fazendo ou porque.

A melhor sacada para os personagens veio através de novelizações e quadrinhos onde os monstros espaciais se tornaram inimigos ferrenhos dos xenomorfos de Alien em uma guerra interplanetária que transcorre por séculos, mas quando eles se demonstram como antagonistas de personagens humanos, bem, eles são bastante patéticos e não parece haver qualquer interesse em mudar isso oferecendo uma perspectiva mais ameaçadora e interessante para a mitologia do Predador (efetivamente como uma terrível ameaça imparável).

E a antalogia de 2025 Predador: Assassino de Assassinos não ajuda nem um minúsculo milimetro para avançar isso.

Os predadores são derrotados em quatro ocasiões diferentes (em três eras diferentes na Terra e uma quarta vez no planeta deles - e em superioridade numérica). 

E, olha, a animação é fantástica, os personagens interessantes (com exceção do último - um norte-americano da segunda guerra mundial que, além de irritante, colocá-lo em pé de igualdade com os outros dois, ou mesmo capaz de vencer uma nave espacial de altíssima tecnologia com um teco-teco que mal se aguentava no ar, é no mínimo ridículo), e um roteiro coerente e consistente com essa visão do Predador, que eu honestamente não acho nem que funcione e nem que seja interessante...

Quer dizer, na primeira história, nos é apresentada uma guerreira Viking fodona numa jornada de vingança, e, somente após concluir sua jornada somos apresentados ao primeiro Predador (que usa uma máscara que evoca a figura de Grendel, e, inclusive é chamado por esse nome pelos seus adversários), mas se, ao contrário a guerreira viking se deparasse com um rastro de sangue e destruição e nisso seu caminho se cruzasse com o do Predador coincidentemente, além do impacto maior do personagem para a história, isso funcionaria muito mais para mostrar a ameaça e o poderio vastamente superior do monstro espacial.

Ao contrário vemos uma viking que luta como uma super-heroína (com golpes que parecem bem mais aqueles que vemos do Capitão América em jogos da Capcom), e somente depois de sua jornada vemos alguma mínima ameaça do Predador em uma longa e impossível luta que não funciona em condições normais de temperatura e pressão (droga, a Viking luta por minutos embaixo da água congelante com um alienígena melhor equipado) e só reforça que a personagem é bem mais super-humana que qualquer outra coisa...

E francamente não melhora com as outras histórias (ainda que aquela no Japão feudal seja a melhor das três, a história na segunda guerra é horrível e existe uma conclusão após para arrematar a coisa toda e, pra mim não funcionou). 

Se você quer alguma bobagem para desligar o cérebro por pouco mais de uma hora, existem coisas piores, mas, honestamente, não precisa procurar muito também para achar coisas beeeeem melhores, inclusive nessa franquia.

15 de junho de 2025

{Editorial} Sobre o caso Leo Lins (e não, ele não tem nada de defesa de liberdade de expressão - é só hipocrisia mesmo)

Enquanto, honestamente, eu tenho que admitir que não sei quem é Leo Lins além de que é uma versão piorada de Danilo Gentile, e isso já me é suficiente para não querer saber um atmo a mais, o caso de sua condenação ganhou bastante repercussão e discussão ultimamente, e, bem, se é discussão porque não opinar também?

No entanto o caso tem uma série de problemas e hipocrisias e eu tentarei na medida do possível cobrir o assunto da maneira mais abrangente possível. Não assisti ao conteúdo (e nem me interesso) e não vejo o menor motivo para discutir sobre o teor do que ele tenha ou não dito (a juíza do caso já fez isso), então vamos aos pontos:

A condenação é justa?

Bem, sim, afinal segue o que está previsto pela lei. Foi analisada por uma juíza, Lins teve pleno tempo de preparar uma defesa e argumentar (o Pirula fez um video sobre o assunto há um ano e meio sobre o caso, o que aponta que não tem nada de novo sob o sol).

{Editado 17/06} Não é função do judiciário analisar se a piada é boa ou não (e se você quiser alguém analisando se a piada é boa ou não, o Tiago Santineli - com divido além das iniciais, também uma série de opiniões - já fez a análise do "material"), mas sim se existe alguma violação dos termos da lei em qualquer sentido, até porque se fosse analisar por piada ruim, o Leandro Hassum já tava com prisão perpétua.

Foram analisados os crimes de discurso de ódio perpretados pelo cidadão, e, o judiciário analisou e julgou que, sim, foram cometidos crimes nesse sentido.

Agora começa o mimimi dessa corja mesmo. {/fim da edição

O que acontece é que, como Carla Zambelli e boa parte dessa canalhada de direita, sabe essa galera adora criticar que a justiça é muito branda e ineficaz (e solta rojão quando um jovem negro é espancado, torturado e mesmo assassinado pela polícia), mas quando sai a primeira busca e apreensão corre para a UTI para dizer que sua saúde é pior que da Tia May (ou no caso da Zambelli é tão burro a ponto de fugir do país e fazer uma coletiva de imprensa para dizer que está fugindo do país).

E enquanto eu não sou formado em direito ou tenha vasto conhecimento na área, bem, não é exatamente como se um advogado precisasse de muito para conseguir um acordo de leniência. Droga, 300 horas de serviço comunitário, tornozeleira eletrônica por um ano e meio e suspensão das redes sociais... Você acha mesmo que qualquer juiz rejeitaria um acordo desse em qualquer destes dois casos...?

A Mônica Iozzi foi condenada em um caso com o Gilmar Mendes, e podia brigar ad infinitum na justiça e optou por pagar multa e seguir com a vida... 

Mas aí os idiotas (Zambelli ou Lins - mas vale pra muito mais gente) resolvem demonstrar suas bravatas nas redes sociais e desafiar publicamente juízes e suas decisões porque são vítimas injustiçadas, apesar de amplo direito de defesa e tempo para preparação, ainda que seus argumentos sejam pífios e patéticos, porque, afinal de contas, são burros para caralho.

E a liberdade de expressão, onde fica?

No mesmo lugar que estava antes desse caso. Curiosamente, gente como Hassum, a galera do MBL ou mesmo Nikolas Ferreira que sairam todos criticando essa terrível decisão da justiça figindo que o """humorista""" é praticamente o Lenny Bruce do século XXI, não se manifestaram no caso da PhD Ana Bonassa que foi condenada por dizer que um picareta tava vendendo produtos que claramente não funcionam como medicamento...

Porque não é uma luta por 'liberdade de expressão' propriamente dita (não mais que algumas semanas atrás essa mesma galera queria linchamento público de um cantor carioca - que curiosamente não tem olhos azuis ou tom de pele mais clarinho na escala pantene, mas isso com certeza é mera coincidência), né? É mais para garantir o direito de expressar preconceitos e discurso de ódio (ou vender produtos que comprovadamente não funcionam - e podem levar a óbito), né?

Mas, voltando ao Lenny Bruce que eu citei agora a pouco, para quem não conhece, o humorista norte-americano que é considerado o pai do stand-up moderno justamente por mudar a forma de como contava suas piadas ao inserir histórias pessoais em sua rotina (deixando de lado números bobos e piadas de sogra - sabe, o que o Faustão faz ainda hoje) costumeiramente era preso, muitas vezes antes de subir no palco (e só recentemente perdoado, o que é um escândalo em si próprio). Bruce foi preso várias vezes por violar a lei de obcenidade, ao dizer palavras terríveis, que, bem, eu já devo ter usado uma ou dez nesse texto mesmo que feririam as sensibilidades carolas destas leis.

No entanto, o ponto e argumento que Lenny Bruce criticava com seu material era justamente seu direito de poder dizer as 'obcenidades', e, justamente por isso ele continuava desafiante e fazendo seu material. Ele poderia clara e facilmente mudar seu texto e aplacar a ira conservadora que achava ofensivo dizer 'puta' ou 'foda' ou fazer algum movimento imitando o ato masturbatório num clube de comédia no sábado à noite mas acharia perfeitamente normal sair da missa no domingo para colocar uma cruz invertida pegando fogo no quintal de uma "pessoa de cor" (e depois assistir a um show do Leo Lins).

Lenny Bruce lutava pelo direito de desafiar convenções estúpidas e carolas, e por isso continuou anos e anos sendo preso e desafiante. Leo Lins quer se dizer um bastião da liberdade de expressão mas vem com alguma conversinha de que no palco é "um personagem" (o que viola toda a lógica do stand-up, mas mais sobre isso a seguir), fazendo algo muito parecido com o outro rapaz citado alguns parágrafos atrás que também foi condenado, por colocar uma peruca em tribuna e fazer discurso transfóbico, porque a questão é diametralmente oposta.

Bruce queria mudar as coisas e oferecer um prisma para que a sociedade pudesse aceitar o que é visto como diferente, e, refletisse no processo enquanto Lins quer manter o direito de regurgitar o status quo e se aplaudido como um bravo e corajoso papagaio do Danilo Gentile nessa centopeia desumana em que o próximo elo digere e passa adiante a mesma merda que consumiu como se fosse um grande poço de inspiração.

Mas uma pessoa pode ser condenada pelo que o personagem diz... Não é tudo ficção?

Depois do 'foi mal, tava doidão' agora temos 'é só um personagem'.

Curiosamente, o foi mal, tava doidão pelo menos tem alguma base jurídica, afinal uma pessoa sob efeito medicamentoso pode ter seu julgamento afetado, mas, "não fui em quem disse foi um personagem" realmente merece um prêmio pela canalhice e burrice do argumento. 

Vamos lá, tentando resumir para demonstrar o quão estúpido esse argumento de fato é.

Um personagem existe como parte de uma obra de ficção, e, por conseguinte, não é real.

É, eu acho que é isso.



Tá, tá, a situação é um pouco mais complexa que isso (afinal, nos ataques de Nikolas Ferreira e do próprio Lins, curiosamente usando os mesmos termos, persegue-se dessa forma o autor do texto caso o personagem diga algo ofensivo - o que, curiosamente a turma deles faz ao querer banir livros a torto e direito), mas em linhas gerais, um personagem pode simular eventos do mundo real, e inclusive representar inúmeras similaridades com o próprio autor, sem tentar enveredar por um caminho meta demais, e talvez não exista um exemplo mais fácil que de Larry David com seu Segura a Onda.

No seriado, David, co-criador de Seinfeld e figurão em Hollywood com vários amigos atores vive Larry David, co-criador de Seinfeld e figurão em Hollywood com vários amigos atores (como Ted Danson, Richard Lewis e mais uma dezena de outros tantos). No entanto, David do seriado é um personagem, uma representação exagerada e potencializada de David na vida real.

David do seriado se mete em confusões e absurdos, que, se acontecessem com o David da vida real ele dificilmente seria um figurão em Hollywood (como com uma briga boba com Ben Stiler por uma festa de aniversário semanas depois do fato ou uma rivalidade com Michael J Fox que escalona em níveis estratosféricos). Sabemos que os eventos do seriado são ficcionais e representação das pessoas reais em cenários absurdos.

No entanto, num programa de entrevistas ou num palco fazendo um stand-up, é a pessoa física Larry David, e não mais o personagem de Segura a Onda. Seus comentários pessoais são suas opiniões e não mais o que o personagem numa obra de ficção pensa ou diz.

Se as opiniões do personagem ou da pessoa coincidem, são irrelevantes quando ditos pelo personagem - pois são uma obra de ficção, por mais que se assemelhem ou existam no mesmo contexto do mundo real - mas preocupantes quando ditos pela pessoa - pois EXISTEM no mundo real e por isso tem consequências e ramificações.

Nada disso é importante para o stand-up, principalmente na estrutura após Lenny Bruce (do ponto anterior), considerando que esse número de comédia reside no fato do humorista subir ao palco de cara-limpa (ou seja, sem personagens) para expor seus comentários, falar suas opiniões, sentimentos e pontos de vista. Ele nem precisa fazer uma piada tradicional como Bill Hicks falando por quarenta minutos sobre o assassinato de JFK...

Claro que existem outros comediantes que usam personagens em seus trabalhos (como Tom Cavalcante e antes dele Chico Anísio), mas evidentemente esse trabalho segue num rumo diferente em que os personagens vivenciam situações e cenários previamente planejados e estabelecidos (sabe, como numa peça), enquanto, o stand-up falando de cara limpa, existe maior liberdade para improvisação e, de novo, para opiniões que não compõem necessariamente uma piada no sentido tradicional (Bill Hicks de novo).

Agora, e talvez essa seja a questão mais importante, se você enquanto comediante e autor do texto que será executado, não concorda com ele, porque o diria?

Provavelmente porque foi pego e processado (e condenado) por isso e precisa de alguma desculpa (mesmo que estúpida) para ver se cola, né? "Esse batom na cueca é culpa do multiverso!"

 

{Edição bônus em 17/06} Bônus: Mas ele não confundiu só 'personagem com persona'?

Se fosse o caso, claro que seria muita burrice.

Personagem é uma representação ficcional, persona é um bocado mais complicado que isso, mas em linhas gerais é uma parcela de sua personalidade que se adequa em cenários situacionais - como quando você está em um churrasco com seus amigos ou quando está num churrasco da empresa no que você se comporta de maneira diferente. Mas nas duas situações, continua sendo você.

Persona pode mudar de acordo com contexto social, mas continua sendo a própria pessoa... Qual o argumento de defesa de que sob um aspecto social você fez um comentário racista ou homofóbico... (que é um crime)? 

{/fim da edição}

12 de junho de 2025

{Explicando o Fim...} Anora (com spoilers)

Enquanto eu sei que eu poderia facilmente fazer uma resenha e comentar o filme (e seu final) eu genuinamente não acredito que eu conseguiria fazer isso direito sem spoilers.

Então eu vou falar brevemente sobre o filme e quando chegar na parte dos spoilers eu te avisarei - mas essa parte será importante para explicar o filme como um todo e o que faz dele realmente brilhante.

Sem spoilers, o filme tem um roteiro e direção arrebatadoras, e, ainda que alguns momentos sejam mais explícitos o que pode ser desconfortável para certos públicos, eu acho que o vocabulário explícito é mais desconfortável que qualquer cena de teor ou conotação sexual, mas, claro, sua milhagem pode variar.

O filme começa num caminho (com luzes brilhantes e filtros de instagram) e cria algo que parece que vai seguir um rumo até mudar drasticamente (mudando também o tom das luzes e câmeras para algo bem mais sombrio e realista) e continuar mudando e apresentando cenários e rumos bem diferentes do que você imaginaria.

Começa parecendo um conto de fadas moderno e termina, bem, como um conto de fadas moderno terminaria se deparando com a realidade. Você pode imaginar que vai assistir Uma Linda Mulher nos anos 2020 mas você acaba como A Primeira Noite de um Homem - com os personagens tendo seu grande momento épico e catártico para depois contemplar as consequências (e perceber que não fazem a menor ideia de como seguir a partir dali).

No entanto com Anora, isso é um ponto bem antes da metade do filme e passamos todo o restante do tempo vendo as consequências se desfraldando.

Última coisa antes dos spoilers, se eu acho que o filme mereceu os Oscar, inclusive de melhor atriz?

Sean Baker, sem sombra de dúvidas mereceu o prêmio (acho que o único filme que chega perto do que Anora faz com as escolhas de cinematografia é Pecadores, mas esse só saiu agora em 2025), e o filme realmente é surpreendente, ainda que acabe mais na subjetividade se é o melhor ou não do ano, e, na mesma subjetividade, cai a questão da melhor atriz.

Não querendo puxar a sardinha pra Fernanda Torres, mas eu acho que entre ela e Mikey Madison, a brasileira tem uma pequena vantagem (que de novo, é bem subjetiva), e ao meu ver reside no fato que eu tenho bem maior simpatia pela personagem vivida por Fernanda que pela desbocada Anora. Mas, a atuação de Madison consegue produzir um impacto maior, talvez inclusive, pelo fato de sua personagem ser muito mais antipática e ainda assim ela conseguir expor nuances da personalidade dela (inclusive com o final que diz muito sobre essa personalidade).

Então sim, o filme mereceu os prêmios que recebeu mesmo que talvez ele não vá agradar a todos, principalmente porque ele é um filme bem mais adulto que, bem, todos os filmes que eu citei até agora e que são utilizados como comparação. Não é uma princesinha Disney, não é a Cinderella para o século XXI, é uma prostituta, digo, uma "dançarina exótica norte-americana" (que é sinônimo para prostituta, mas num país onde prostituição é ilegal) que se envolve com um cliente bilionário, e as coisas desandam.

Ok? Então agora vamos para a área de spoilers, e se você não quiser ler sobre eles, por favor assista ao filme e volte aqui depois.

Sério, eu não vou oferecer mais cinco avisos consecutivos, esse é o ponto dos spoilers sobre o filme e eu não quero ver alguém comentando que eu não avisei o suficiente.

 

 

 

 

Passado mais ou menos a marca dos 40 minutos, depois de todo o deslumbramento e do fascínio de uma aventura longa e exótica cheia de excessos (sim, pleonasmo), com toda o ostentação, luxo e a vida boa que o dinheiro pode comprar, a família bilionária descobre o que o herdeiro morando nos EUA aprontou dessa vez e resolve mandar algumas pessoas para resolver a situação.

O filme abandona os tons de instagram para oferecer algo mais sujo, mais realista conforme a ficha começa a cair. Anora vê que sua vida não virou um conto de fadas enquanto seu "marido" parece uma criança que enxerga nela apenas um brinquedo (para sexo, claro, mas um brinquedo não obstante) e, um inconveniente.

Quando funcionários de seus pais aparecem para confrontá-lo, ele foge para continuar numa aventura longa de excessos, enquanto os funcionários dos pais e Anora precisam enfrentar os fatos, ainda que, por uma boa parte do tempo remanescente do filme a protagonista tentará juntar as peças para visualizar melhor a figura, e entender a imagem maior (e inclusive para entender que ela é apenas um brinquedinho e inconveniente na briga de um garoto mimado com os pais).

Entender qual é o seu papel, e, mais importante, o quanto ela se deixou levar pela fantasia e pelo delírio dos excessos até que de fato a realidade venha mostrar sua face cruel e as consequências surjam, leva a toda uma compreensão difícil sobre o escapismo (que os clientes de Anora também buscavam em suas visitas ao clube de "dança exótica", vale destacar) coincide com os filtros de instragram de uma realidade simulada para parecer mais interessante e fascinante que de fato é.

O final não oferece nenhuma grande revelação diferente do que o filme já tinha mostrado, mas serve para cimentar além de qualquer dúvida e reforçar o argumento do filme - Anora tem problemas de intimidade, e, de forma paradoxal, usa do sexo para evitar contato humano, algo que fica evidente na cena final enquanto ela tenta evitar beijar uma pessoa (que demonstra respeitá-la e com quem ela denota algum interesse genuíno) durante o ato sexual.

Sem entrar em argumentos vazios sobre como esse é um comentário sobre a estrutura artifical da vida moderna diante dos telefones e com mera percepção de realidade atráves de filtros de redes sociais que nos afastam do contato com o humano e real, e, mais que isso, com nossos próprios sentimentos e emoções. Isso é palavrório vazio.

O filme não me parece tentar nenhuma tese extremamente complicada além de oferecer um estudo sobre personagens, e, através destes personagens oferecer um reflexo maior de nossa realidade.

Até por isso ele oferece uma jornada com uma estrutura diferente e com uma perspectiva diferente do que comumente se vê, e por conseguinte, espera desse tipo de filme: Garota conhece garoto, se apaixona e enfrenta uma série de desafios para se adaptar com a família (que a odeia pura e simplesmente ou odeia as origens - humildes ou não - dela), o amor conquista tudo e triunfa ao final.

Você já assistiu a uma dezena de filmes (exatamente) assim, e, honestamente mesmo nessa década você sabe que um ou outro cabe exatamente nesse molde.

E esse é um molde estúpido. O amor não conquista tudo nem triunfa no final.

Diversos fatores interferem para que um relacionamento fracasse, muitos dos quais antecedem a primeira troca de olhares, e, esse é um ponto crucial que o filme aponta com seu final. Anora precisa corrigir muita coisa em si própria para que consiga desenvolver uma relação sadia e funcional, e, tudo isso exige tempo e esforço (e não apenas uma crença vazia que o amor conquista tudo e triunfa ao final).

Ok, o filme não reinventa a roda, mas quebra o molde e oferece uma visão mais completa e por tabela mais complexa do exato tipo de situação e cenário que tantos e tantos filmes similares fazem questão de ignorar ou fingir que, bem, está tudo bem e Julia Roberts, ex-prostituta se casa com um empresário Richard Gere e tem uma vida feliz e contente sem nenhum problema que essa bagagem e passado pode trazer - porque afinal de contas casais nunca brigam ou discutem, e discussões nunca ficam feias para usar elementos do passado do outro. 

9 de junho de 2025

{Resenha Lixo} Afundação parte 2

Tá, quem já tinha lido os restantes capítulos da Fundação talvez soubesse que eu queimaria a língua quando todo animado com o primeiro volume lancei uma resenha elogiosa como se tivesse descoberto a melhor série de todos os tempos.

Mas, honestamente o segundo livro (Fundação e Império) não é ruim sob nenhuma métrica.

A história funciona e oferece uma boa continuação para o material contado no primeiro livro, agora sob a condição de que, passadas algumas gerações a grande experiência está em um eixo de estagnação, e, pendendo para um perigoso eixo descendente, incapaz de se sustentar e enfrentar as ameaças externas ou mesmo internas (devido a sua considerável expansão e integração de novos povos e culturas).

Certo... Então porque isso é uma resenha lixo?

Porque o segundo livro tem um problema muito sério na sua estrutura, e, oferece o pior Tom Bombadil deste lado do Senhor Neutron de todos os tempos.

Vamos lá: O segundo livro se divide em duas histórias principais (enquanto o primeiro é composto por cinco em momentos distintos, só para recapitular), e essas duas histórias são a de um general do antigo Império travando guerra contra a Fundação e a história de um sujeito chamado 'O Mulo' travando guerra contra a Fundação.

Ou seja, as duas tem um monte comum, porém, enquanto uma oferece um general com um vasto exército (e que é considerado o maior da galáxia até aquele ponto), o outro é um sujeito com um apelido ridículo e que o autor deve adorar porque ele é o Tom Bombadil desse livro.

Não existem dois parágrafos sem citar seu maldito nome. Se ele não está na cena alguém precisa lembrar que ele é o cara mais legal da história da galáxia e que todos os cachorrinhos do mundo choram quando alguém não lembra que ele existe. E seus adversários se borram de medo com a menção de seu nome porque ele é a mente tática mais brilhante e incrível de todos os tempos, capaz de vencer qualquer conflito com pouco mais que um peido...

E só uma ou duas dessas talvez seja um exagero com relação ao personagem, porque o grande problema real dele é que ele é um Senhor Neutron, sabe? Que o tempo todo o livro fala de como ele faz coisas incríveis e consegue todos esses feitos incríveis, mas, sob a perspectiva dos personagens dos capítulos, não acompanhamos estes feitos... Só ouvimos da última vitória sem disparar um único tiro todos os contínuos e inequívocos esforços de suas forças.

Se essa história terminasse com o toderoso Mulo escorregando numa casca de banana e assim a Fundação aprendesse uma lição de humildade de que é vastamente inferior a táticas militares avançadas (afinal eles são na maioria comerciantes descendentes de cientistas - sem qualquer exército organizado e funcional, ainda que armados de equipamento mais avançado que em boa parte do universo), para que a segunda história trouxesse o Império com um general ambicioso derrotando a complacente Fundação...

Mas não é o que temos, e o livro faz exatamente o contrário - o general ambicioso é derrotado de maneira boba e isso elimina completamente a ameaça taticamente superior do Império enquanto o outro vence por ser o Tom Bombadil do livro e capaz de vencer todo mundo pura e simplesmente por existir (e o fato que o terceiro livro continua exatamente a história do Mulo, eu folgo em dizer que não estou nem um pouco empolgado em continuar).

Só que, como eu disse no começo, nada disso é particularmente ruim. O livro é bem escrito e produz uma narrativa coerente ainda que, ao meu ver, não particularmente interessante, e, conforme descobrimos mais sobre a identidade e escopo do Tom Bombadil, aprendemos mais que Asimov se distancia da ficção CIENTÍFICA (que eu elogiei no primeiro livro) para a ficção new age mística, que vemos com um ser mutante com poderes que fazem os X-men parecerem a Patrulha do Destino...

Droga, o cara controla uma frota de assalto remotamente com seus poderes mentais enquanto faz uma dezena de outras coisas! Simplesmente o livro oferece todo tipo de reforço aos poderes mentais do personagem sem nenhum contraponto... PIOR! No livro seguinte, logo no primeiro capítulo temos um vislumbre da Segunda Fundação (que é onde Seldon enviou os psico-historiadores que não acompanharam a Fundação em Terminus) e toda essa galera evoluiu em condições pós-humanas se tornando vastamente superiores ao próprio Tom Bombadil (todos se comunicando com telepatia e camuflando um planeta inteiro de sensores e radares apenas com o poder da mente), e está difícil passar desse ponto na leitura.

Uma pena, porque a quantidade de ideias fascinantes ali são incríveis, inclusive com a noção de Seldon errando ou mentindo (propositadamente) em uma previsão para testar a dependência da população de Terminus mais na crença da infalibilidade de suas previsões que na perpretação de trabalho (científico) árduo e pesado para garantir os passos necessários desse contínuo avanço, mas o resultado não reverbera esse potencial...

E imaginar que existem mais três ou quatro livros que fazem parte dessa mesma série... Brrr... 

5 de junho de 2025

{Resenhas de Quinta} Lilo entre duas samambaias

Olha, eu sei que eu deveria falar de Sinners que é provavelmente o melhor filme do ano e eu estou louco para assistir (mas eu me recuso para ir a um cinema assistir a um filme de terror dublado), ou o último Missão Impossível - que enquanto eu igualmente me recuso a assistir dublado, eu tenho que admitir que não lembro, e acho que nem me importo o suficiente com a história da parte 1 para ver essa parte 2 que é a final, então esse eu genuinamente espero para ver no streaming e preferencialmente com a condição de assistir aos dois últimos no mesmo dia.

E talvez eu devesse até falar de Thunderbolts ou droga, Capitão América que chegou ao streaming, não?

Não é como se eu não tivesse outras opções de filmes novos para falar nesse exato momento (lembrando que eu ainda não fiz uma resenha sobre Anora ou o Brutalista, e temos um novo filme brasileiro ganhando tração na crítica internacional).

Mas eu acredito piamente que eu deva falar de Lilo & Stitch por dois motivos.

Um: Porque esse filme é inócuo, inofensivo e honestamente bobo demais para incomodar qualquer pessoa com meio neurônio funcional... E mesmo assim a maior parte da reação que eu vi ao filme foi negativa, porque excluiram algumas cenas do original ou por algum outro motivo idiota.

Droga, ele é a melhor versão dos live-action da Disney (não segue o roteiro original, inclusive tentando criar algo novo que recontextualiza a história numa ótica de mundo real - que é o ponto de usar atores e não animação - enquanto oferece algo novo que justifica a existência do filme original e dessa nova versão num cenário em que ambos estão facil e amplamente acessíveis), inclusive com a estética do personagem central se mantendo similar o suficiente para fomentar novas inúmeras continuações ad infinitum para manter a máquina de gerar dinheiro para a Disney como eles fizeram com a animação original (e sua série derivada e continuações).

É para crianças e funciona, ao contrário de boa parte de tudo que a Disney fez nesse mesmo sentido com essas inúmeras e incontáveis versões, e, enquanto obviamente não é perfeito (porque é mais uma versão com atores para um filme que não precisa disso - e honestamente inclui uma longa trama sobre a assistente social, que não agregam muito num filme sobre uma garota que faz amizade com um alienígena azul que só causa confusão).

E é curioso nesse aspecto porque eu vejo uma constante corrente de ódio relacionado a filmes ultimamente - como aconteceu com a Branca de Neve, com os vindouros Quarteto Fantástico e com o Superman e mesmo já há um bom tempo inclusive quando o filme se torna um sucesso (e fingem que não era bem assim) como ocorreu com a Barbie.

Tudo isso faz parte de uma estrutura tóxica que não consegue aceitar que, bem, existe um contexto maior e mais abrangente para o entrentenimento e que, bem, às vezes as histórias mudam e evoluem além de sua estrutura original e criação... Mas não vamos fingir que minimamente seja isso, ou apenas isso. É uma questão pateticamente política.

Lilo e Stitch traz uma garota havaiana cujo tom de pele é menos caucasiano que a maioria, então como o filme pode ser bom, não é mesmo? O mesmo para a Branca de Neve que não é albina ou para a inclusão de uma Surfista Prateada... Droga, não muito tempo atrás tinha toda uma galerinha idiota reclamando porque um jogo da franquia Assassin's Creed traria como protagonista um samurai negro, sabe, como faz parte da história do Japão.

E honestamente isso cansa. Ficar discutindo com gente que vê o fim do mundo cada vez que um ator negro ou uma mulher (ou uma mulher negra) são protagonistas... Corra para as montanhas!

Mas é curioso como mesmo o argumento dessa galera se perde e só se intensifica quando o material é um fracasso, e pensando que o filme novo da Disney depois de Branca de Neve e do novo Capitaão América seria o pior filme desde o início dos tempos - e o material segue quebrando recordes de bilheteria.

Sim, o filme faz um bocado de coisas diferentes (de novo, se é pra fazer um remake cena por cena - como fizeram com o Rei Leão) porque você não assistiria ao original? "Ai, mas o ponto do filme é que Ohana diz família e a irmã resolve seguir seus sonhos e ir para a faculdade ao invés de ser a Fiona Gallagher pelo resto da vida...". Ela é uma adolescente sem dinheiro e que precisa cuidar da própria vida e de uma criança (com um alienígena) sozinha... Sim, isso funciona como uma trama para uma animação (eu posso citar tramas bem mais idiotas e absurdas para animações, fique tranquilo), mas não faz sentido quando estamos falando de pessoas reais, e esse é o ponto de usar atores para uma adaptação.

Por isso faz sentido a inclusão da vizinha/tia que ajuda durante o filme todo para que ela seja a adulta responsável ao final e deixe que a irmã possa cuidar da própria vida no lugar de ser um acessório lógico para uma animação.

Não digo que isso seja particularmente bom ou narrativamente melhor (pra mim funciona em ambos cenários da forma como está inserido em suas mídias - eu aceito numa animação que não se preocupe com o cuidado de uma criança com a mesma preocupação que uma pessoa real precisa), mas não apenas é um baita exagero da galera que quer perseguir o filme como é um troço tão abissal e estúpido de uma galera que quer criticar um filme para crianças que pelo menos está tentando (ao contrário de qualquer um dos Minions e dos muitos filmes da Ilumination ou essas bobageiras religiosas que surgem continuamente).

Se isso faz do material uma 'abominação' porque ele leva o material em contexto e analisa sob a lógica de mundo real para produzir uma história coerente dentro do cenário apresentado, bem, você provavelmente pensou por mais que dois segundos sobre o quão absurda e ridícula a premissa dessa história de fato é, porque estamos falando de uma criança de seis anos que adota um animal alienígena - que é considerado uma arma de destruição em massa.

De novo, ela é uma jovem adulta sem dinheiro cuidando de uma criança de seis anos (que por anos a internet acredita que seja autista - e nem vou entrar nesse mérito pra, um não me estender e dois não desmascarar ainda mais o quanto essa galerinha estaria chorando que a Disney destruiu a infância deles ao transformar a Lilo em autista) que tem um animal de estimação alienígena (com imenso poder destrutivo)... 

Dois: Esse filme se tornou um fenômeno de bilheteria e isso me assusta (passando de 600 milhões de dólares em duas semanas) reforçando ainda mais a tendência de continuações, remakes e reboots que já vimos nos últimos anos, e fazendo com que filmes como Sinners (que eu ainda não vi), Anora e O Agente Secreto sejam cada vez mais raridades ou se muito filmes somente disponíveis para streamings escondidos e esquecidos enquanto os cinemas receberão os sessenta e tantos episódios da série animada agora em live-action...

Ainda mais quando as outras grandes bilheterias do ano até o momento são Minecraft e Ne Zha 2 (ambos para crianças), enquanto a Disney resolveu jogar diretamente para o streaming o próximo projeto com a franquia Alien, e, bem, o que eu já falei da controvérsia com Superman e o Quarteto Fantástico (que seriam as maiores apostas para bilheteria do ano)... Enquanto Missão Impossível se torna Sessão Impossível - que ninguém tá indo ver nos cinemas.

Eu nem acho que o filme seja ruim, é um sólido 7/10 e está muitas vezes melhor que a maioria dos filmes do mesmo gênero produzidos nos últimos vinte ou mais anos (quilômetros à frente da grande maioria que a Disney mesmo produziu, inclusive muitos originais para a Pixar nos últimos anos), mas com todo o cenário e panorama pós-Covid, é assustador imaginar o quanto estúdios vão olhar para esses números e vão injetar cada vez mais dinheiro nesse tipo de filme e para produzir filmes dessa forma.

Pra que Tom Cruise fazendo cenas malucas e bizarras num avião (ou onde mais for - e sem dublê) quando um monstrinho esverdeado em cima de uma galinha produziu a cena mais vista do ano? Droga, mais fácil chamar o Tom Cruise para coordenar cenas que serão produzidas por computador para o Jason Mamoa atuar na frente de uma tela verde... 

Mas o que mais me assusta mesmo é o fato que continuo a ver gente aplaudindo ao final de sessões de cinema. Eu não entendo essa tendência (além de achar incrivelmente idiota), e me assusta genuinamente que isso continue a acontecer.

2 de junho de 2025

{Resenha Lixo} Megalópolis

Megalópolis é um filme ruim, mas, honestamente você não precisaria que eu diga isso nessa altura do campeonato, né? Todo mundo e suas mães já disseram que o filme é ruim e absolutamente nada de novo (se é que existe alguma forma diferente) para dizer que o filme é ruim.

Atuação patética, roteiro sem pé-nem-cabeça, direação confusa...

Mas existe um motivo pelo qual isso tudo aconteceu, não é mesmo?

Francis Ford Coppola foi um baita sucesso na década de 1970 beirando a unanimidade (com 5 Oscars, e 3 dos filmes mais relevantes da história com O Poderoso Chefão I e II e Apocalipse Now), e aí vieram os anos 1980 e, bem, ainda que sem tentar recriar o sucesso e talvez até buscando mais sua própria voz e contar histórias que o interessavam - e não que renderiam gigantescas bilheterias ou premiações - não é como se qualquer um destes tenham vingado. Não que os filmes sejam particularmente ruins nesse período, mas eles pendem bem mais para o experimental e para um tom bem diferente do que a obra de Coppola na década anterior, como com filmes mais joviais e alegres como Peggy Sue - Seu passado à espera ou O Fundo do Coração e mesmo filmes dramáticos com bem mais ação como O Selvagem da Motocicleta (que inspirou uma franquia de jogo de luta com o mesmo título original "Rumble Fish") ou Vidas Sem Rumo.

Até os anos 1990, quando ele volta para filmes bem mais comerciais com a terceira parte do Poderoso Chefão e, talvez sua maior produção na década, a adaptação de Drácula mais próxima da obra literária que das produções clássicas da Universal dos anos 1930, além de uma comédia com Robin Willians (que é considerado o pior filme do diretor até Megalópolis) e, enquanto eu acredite que Coppola continuava a produzir bons filmes (se não ótimos) a crítica não era tão generosa com sua opinião, e, a bilheteria menos ainda. A visão geral era que o diretor tinha perdido o tino da arte, e, ficado para trás com um estilo que não combinava mais com a expectativa do público e crítica.

Enquanto diretores como Spielberg, Cronenberg ou Cameron quebravam os moldes revolucionando os limites técnicos e tecnológicos com efeitos práticos e computadorizados cada vez mais avançados e intrincados, ao passo que diretores com menores orçamentos como Smith, Tarantino e Rodriguez apresentavam projetos que mesclavam o estilo artístico com o cinema comercial, produzindo resultados inovadores.

Coppola estava no meio de tudo isso, como um diretor tradicional que queria mesclar e utilizar um estilo mais artístico ao cinema comercial mas sem buscar avançar qualquer limite tecnológico com os efeitos especiais, e, de novo, para o crítico e público em geral ele era um dinossauro incapaz de se adaptar com o sinal dos tempos, e, isso foi afastando o diretor dos grandes estúdios e da cadeira diretorial (investindo em sua vinícola particular ao mesmo tempo que nos projetos da filha, Sofia - que talvez você tenha ouvido falar), e nos anos 2000 o diretor foi produzindo cada vez menos e menos, além de ter seu nome cada vez mais distante das marquises.

Isso explica que ele perdeu o dom e deixou de fazer filmes bons ou competentes e por isso Megalópolis é um projeto egocêntrico de alguém que perdeu seus tempos áureos e quer viver de nostalgia...?

Não, até porque ele produziu alguns filmes menores e, verdade seja dita, bem interessantes como Tetro ou Velha Juventude.

Só que enquanto ele produziu filmes menores (e mais para independentes) que são bons/muito bons, ele quase não produziu filmes para uma escala maior, para larga distribuição e lançamento nos cinemas há quase trinta anos, e, o constante de seus sucessos tem dois elementos em comum: São adaptações e possuem elencos não apenas talentosos mas que facilmente definem os melhores atores de suas gerações.

Com Megalópolis o primeiro ponto já falha pois é uma produção original escrita por Coppola, e, se ele é bom ou capaz para adaptar um roteiro ou mesmo um livro para formar um roteiro coerente, lhe falta a síntese e capacidade para bolar uma história e organizá-la de começo a fim de maneira lógica.

E o segundo também não ajuda muito com Shia LaBeouf e Adam Driver encabeçando um elenco pouco ou nada promissor (com talvez único destaque para Aubrey Plaza, que parece a única pessoa que sabe o que está fazendo no filme), mesmo que estes fossem de fato, bem, atores realmente competentes e o juri ainda está debatendo nesse assunto, talvez somente em favor de Driver, que o trem já passou para LaBeouf uns três Transformers atrás...

Diz a lenda, inclusive, que Coppola tentou produzir o material às vésperas dos atentados contra o World Trade Center em 2001 com nomes bem mais incontestes como Paul Newman, James Gandolfini e Robert De Niro, mas, sabe, pelo fato que a cidade acaba destruída em dado momento acabou atrasando produção até abandonar o projeto quase uma década depois... Mas se isso faria do filme melhor ou só com melhores atores, bem, não muda muito não é mesmo? O roteiro original Coppola continua sendo ruim e atores bons ou péssimos, pouco mudariam alguma coisa nisso.

Mas, com mais de vinte anos tentando produzir o material e caindo num abismo de autoindulgência pelo financiamento com recursos próprios e sem alguém para controlar os impulsos e excessos, e, bem, nós temos todos os ingredientes de um desastre.


28 de maio de 2025

{Resenhas de Quarta...?} The Inbetweeners

Uma coisa que eu ouço muito quando alguém quer elogiar uma série antiga (e criticar nossos tempos modernos) é para apontar que "Não seria possível fazer mais isso hoje em dia".

Sabe, como com os Simpsons (que continuam a produzir episódios, mas não é possível fazer as piadas que eles faziam trinta anos atrás - mesmo que tenham feito por 25 anos, e muita gente parou de rir já faz um bom tempo), ou, e eu não estou brincando, com o Chaves (eu juro que já ouvi gente comentando isso - apesar do fato que essa merda continua passando na tv).

Só que, e isso é importante, o humor mudou e muda com o tempo, porque, e isso é importante, a sociedade muda, e, não apenas a sociedade como a tecnologia.

Quando Chaplin produzia seus filmes, a necessidade de maior expressividade facial e física era necessidade quando todas as ações e emoções precisavam ser compelidas sem palavras. Isso produz uma comunicação mais dinâmica universal, é claro (e é possível se comunicar de maneira não verbal com um público maior uma vez que barreiras linguísticas se extinguem), mas não muda o fato que os temas e argumentos são datados.

O vagabundo num mundo pós-depressão e pré (e durante) a Segunda Guerra, vivia num contexto muito diferente do mundo a caminho de uma cataclísmica depressão econômica promovida por um estadista incompetente ultranacionalista que potencialmente jogue o mundo em guerra de hoje... Ok, enquanto elementos podem funcionar e colocar sob a mesma luz ou perspectiva (e nisso, mesmo Dom Quixote de quase quinhentos anos atrás também continua contemporâneo), ainda existem elementos e estruturas que o tornam completamente alienígena e não relacionával ao público moderno.

Chaplin em seu Tempos Modernos de 1940 criticava como a industrialização tornava pessoas em meras engrenagens e peças de processos industriais mais complexos, quando hoje quase um século depois a situação se tornou tão mais terrível que ensinamos às máquinas como fazer os trabalhos que nos colocaram como meras engrenagens e peças dos processos industriais mais complexos anos atrás.

O mundo mudou e as estruturas mudaram, e a tecnologia evoluiu não obstante.

Não é mais possível produzir um filme como Chaplin da mesma forma que não é possível produzir uma série como Seinfeld, e, de maneira até bastante simplista, porque isso já foi feito e se faz necessário oferecer algo único e com sua própria voz para retratar as lutas e desafios de seus autores.

Quando The Inbetweeners foi ao ar originalmente entre 2008 e 2010, a realidade retratada na série era bem diferente da realidade de hoje, por uma série de motivos - e nem apenas pela pandemia que mudou muitos hábitos e comportamentos. A série mostrava uma realidade de jovens adolescentes tentando se enturmar, serem descolados enquanto apredendo realidades difíceis sobre a vida e o amadurecimento.

Isso obviamente continua a funcionar mesmo que jovens de hoje não precisem aprender a dirigir (pois podem facilmente acionar um uber) ou não se sentem mais pressionados a beberem ou fumar (afinal não são mais bombardeados com propaganda destes produtos diariamente - e, pelo contrário, aprenderam desde cedo o quanto esses itens fazem mal para a saúde).

A série é um retratato de seu tempo e oferece piadas que obviamente não funcionariam hoje em dia (ou causariam maior desconforto do que o pretendido pelos autores e atores), ou, e aqui é onde eu acho mais relevante, não seriam um comportamento normalizado e aceitável hoje em dia... Só que esse era um comportamento normalizado e aceitável menos de duas décadas atrás - e que é algo engessado por décadas na sociedade - foi mudando para que isso não seja mais normalizado e aceitável.

Sei que os personagens usam termos que hoje em dia não seriam tão bem aceitos (ainda que muita gente ainda os use de maneira particular e privada), mas, seria no mínimo relapso ignorar. É pior do que, bem, qualquer coisa de Seinfeld, Friends ou mesmo Chaves (que continua passando na tv aberta todos esses anos)? Talvez um pouco pela repetição, afinal a série tem apenas 18 episódios e mesmo assim eles usam muitos termos que não seriam aceitos hoje, mas, considerando o contexto do período em que eram termos bem mais aceitos e normalizados (e que, repito, muita gente ainda usa sem o menor medo de represálias hoje em dia), acredito piamente que seja possível ignorar e relevar em virtude de todo o restante que é muito bem feito, escrito e atuado.

Era perfeitamente normal a ideia de se beber para se divertir e curtir, ou toda uma série de comportamentos "românticos" (que hoje se carecterizariam como perseguição, stalking ou de forma geral tóxica), e, verdade seja dita, talvez seja necessário o choque de realidade do comportamento escroto e patético de alguns dos personagens na série para revelar muito sobre o mundo real.

Talvez eu seja o único (mas dúvido muito) a me identificar com vários dos comportamentos e atitudes dos personagens e vê-los potencializados pelo exagero de seu ridículo, é muito fácil perceber nas atitudes deles um paralelo com nossas próprias atitudes exageradas e ridículas.

O conflito dos personagens em lidar com o amadurecimento, de abrir mão de fantasias tolas, como Simon que vive obcecado com sua vizinha e colega de classe Carli - que mal sabe de sua existência - ou Jay que tenta em toda ocasião parecer um especialista em sexo (ainda que seja mais inexperiente e virgem que seus colegas), permite experiências genuínas entre os personagens, e o diálogo muito bem escrito combinado com a ótima química entre o grupo, forma um retrato brilhante desse período na vida das pessoas.

Se ele fica datado após a popularização de telefones celulares, aplicativos e, principalmente da mudança de nossos comportamentos após a pandemia, bem, porque diabos isso deveria impactar sua forma de observar e analisar a obra?

22 de maio de 2025

{Resenhas de Quinta} Afundação - Isaac Asimov

Vamos começar do começo: Não eu não li todos os livros (mesmo desta primeira trilogia na ordem cronológica e compilados no volume que comprei e serviu de base desta resenha) e não posso comentar sobre o que acontece onde eu não li (ou se faz mais sentido num volume posterior) e antes mesmo de comentar o livro eu acho que é importante contextualizá-lo.

O livro foi escrito entre 1942 e 1950 sob a forma de contos que depois foram compilados em livros entre 1951 e 1953, e, bem, isso é um momento bem mais analógico na história do tempo que hoje para dizer o mínimo, ainda que, se publicado em qualquer momento entre 1600 e 1950 ele continuaria tão relevante e pertinente quanto em qualquer outro período pois sua visão da compilação de uma enciclopedia (sem spoilers, por mais que seja um livro de 1950) de todo o saber faz sentido em um mundo analógico.

Em um mundo digital é só pesquisar em alguma aba qualquer e em questão de segundos um número gigantesco de informações está disponível para você... Mas criticar um escritor que não previu a invenção e popularização da internet nos anos 1940 é bastante desonesto, para dizer o mínimo, ainda mais quando o livro oferece algumas reviravoltas aqui e acolá e a história vai se transformando em algo completamente diferente.

No entanto, esse é o começo do livro (de que um cientista prevê o fim das estruturas governamentais como conhecemos em um período distante e é necessário reunir um gigantesco grupo de cientistas num planeta remoto para escrever uma enciclopedia - para auxiliar a reconstrução do mundo após o colapso), e essa ideia da enciclopedia galática, talvez eu esteja errado, é justamente o mote de algumas das piadas de Douglas Adams no Guia do Mochileiro das Galáxias (inclusive ao comentar que o Guia é ligeiramente mais barato que a Enciclopédia, no primeiro livro).

Só que, e isso é importante também, A Fundação não é um livro, ou se preferir, apenas um livro. Cada sessão do primeiro livro conta a história sob a perspectiva de um personagem ou grupo e, ao final dessa sessão há um salto de uma quantidade indistinta de tempo (30, 50 ou bem mais anos), inclusive com um salto te tempo entre os capítulos (mais curtos, mas dificilmente os eventos de um capítulo dão imediata sequência no capítulo seguinte - geralmente se passaram dias ou semanas, ou, em alguns casos, muda-se a perspectiva para outro personagem em outro lugar).

Isso inclusive oferece um contexto e perspectiva muito maior no que essa instituição é e representa num contexto maior do universo - ou em sua pequena porção do universo - com um grupo de pouco mais de 150 mil no começo e que se tornam toda uma sociedade independente e força a ser reconhecida, permitindo com cada capítulo oferecer maior perspectiva neste universo (ainda que pouco ou quase nada sobre os personagens).

Verdade seja dita, Asimov trata o livro quase como História (com H maíusculo, da matéria que analisa o passado, mas dessa vez verificando o futuro), retratando apenas pontos de interesse e os momentos cruciais destes personagens no que definiria os rumos do futuro, e isso é claramente o que o separa e diferencia de outras obras do gênero.

Não apenas isso, Asimov sempre trata a ciência como fato essencial para a ficção científica (e não como se fosse quase magia por se tratar milhares de anos num futuro e basicamente qualquer coisa é possível), e o processo científico que é dificil e exige trabalho duro para se conseguir avançar minimamente (se é que qualquer avanço possível).

Vale muito a pena, principalmente se você gostar de ficção científica, mas para quem não gosta muito do gênero, é uma sugestão interessante para começar a desbravar.

18 de maio de 2025

{Explicando o fim} Peep Show e sua antítese em Friends

Friends foi a maior sensação dos anos 1990 e, ainda hoje, continua a ser uma das séries mais assistidas de todos os tempos, e, os motivos são muitos mas que se resumem ao fato que a série consegue abordar uma série de dilemas bastante universais (do múltiplos desafios do início da vida adulta - lidando com pouco dinheiro, dificuldades amorosas e todo um turbilhão constante que surge em nosso caminho).

Não apenas isso - na verdade esse é o gancho para o público geral - mas com uma perspectiva que foge do senso comum de sitcoms tradicionais da época (em que todo o propósito narrativo existe por 22 minutos até os créditos e nenhum senso de continuidade será respeitado para o próximo episódio, retornando ao status quo), ainda que, bem, uma sitcom tradicional da época para uma grande corporação multibilionária preocupada com indíces de audiência e os retornos com publicidade... Existe uma fina linha em que o material poderia ser "subversivo" e galgar além do esperado para séries desse tipo, e, é justamente nesse minúsculo espaço que a série opera e, honestamente, prospera consideravelmente.

Com o foco em um grupo maior de protagonistas, o seriado consegue abranger um número bem maior de personalidades, tornando a identificação mais fácil para o público maior, ainda que a trama principal corra sempre ao redor mais de alguns personagens (Ross e Rachel são as forças motrizes desde o início da série quando seus casamentos colapsam, e, começam a lidar com os sentimentos que um nutre pelo outro).

E, enquanto o final da série é um ponto simples em que o grupo se separa cada qual seguindo seus caminhos na vida (alguns recém-casados e com filhos, outros seguindo novos desafios nas carreiras enquanto alguns continuam tão perdidos quanto a série começou - e partem para séries derivadas do outro lado do país), devemos lembrar que não ocorre de forma orgânica e natural conforme essas histórias caminhavam para isso.

Phoebe serve de barriga de aluguel para o meio-irmão durante a quarta temporada, e, bem, durante os anos seguintes após o nascimento das crianças o fato praticamente é ignorado como um sonho febril - quando obviamente faria sentido para a personagem construída até aquele ponto que desejava mais que qualquer coisa estabelecer contato com uma família que perdeu/nunca teve (ao ponto de aceitar servir de barriga de aluguel para o meio-irmão). E o motivo pelo qual não vemos a personagem servindo de babá ou visitando frequentemente o meio-irmão e seus sobrinhos nos anos seguintes, que a afastaria do grupo (e dos múltiplos desafios do início da vida adulta), que é algo coerente e lógico para a personagem ocorre muito mais por questões de bastidores que pela lógica interna da série e de sua narrativa.

O meio-irmão de Phoebe é vivido por Giovanni Ribisi, que além de ser escalado para muitos projetos, estava migrando para Hollywood e trabalhando em diversos projetos grandes (como um filme de Kevin Costner ou o clássico cult As Virgens Suicidas - além de filmes com Nicholas Cage e, anos mais tarde, um filmezinho com personagens azuis num planeta distante que talvez você tenha ouvido falar), enquanto a esposa dele na série, Debra Jo Rupp embarcava para um de seus papéis mais memoráveis em That 70's show (quase no mesmo ano da quarta temporada de Friends).

Com isso a série finge que está tudo certo e mantém Phoebe nas maluquices habituais com a irmã gêmea, com relacionamentos ou passando a dividir o apartamento com Rachel (até rumar para um relacionamento mais consistente com o personagem - sem muita personalidade - vivido por Paul Rudd), e, isso ocorre de mesma maneira em proporções diferentes com os outros dos personagens.

Acontece que, com o casal principal (e talvez o maior gancho dos primeiros anos) da série, o maior problema, é que Ross precisa crescer (porra!).

Ao começo da série ele é um homem divorciado cuja esposa o traiu (com outra mulher, em 1994, vale destacar) e ao final da primeira temporada ele é pai pela primeira vez, partindo para a China para investir em sua carreira. Nas nove temporadas seguintes ele é um homem divorciado e com um filho (e que precisa crescer - porra!), com a situação apenas escalonando conforme ele se torna um homem que tem mais uma criança e mais dois divórcios (e continua precisando crescer - porra!).

Boa parte do dilema do personagem é que ele sofreu com uma traição e se vê bastante abalado com isso, tendo problemas em seus relacionamentos posteriores e lidando muito porcamente com sua paranóia e ... E nada disso é incoerente ou horrível, só indica que ele precisa aprender a lidar melhor com essas situações e crescer (porra!).

Do lado oposto de seu relacionamento, Rachel, é uma mulher que passa por um considerável crescimento conforme ela corta laços com seu passado de patricinha mimada. No entanto ela continua com uma irritante tendência constante de querer apenas o que ela não pode ter, e perder completamente o interesse assim que consegue.

Droga, após seus segundo divórcio ele, já professor em uma universidade, se envolve com uma aluna (e isso se torna ainda pior quando Rachel passa a se envolver com o pai dessa aluna), que reforça exatamente estes dois pontos (que Ross precisa crescer - porra! - e que Rachel quer o que não pode ter).

Ross e Rachel tem um relacionamento turbulento - e honestamente são completamente incompatíveis um com o outro, por mais que a série (e o público) insista e tente justificar que são um casal perfeito - e terminam após uma série de bobagens que começam com 'um tempo' (coisa de colegial) leva a uma traição (de novo, coisa de colegial que terminou e já sai procurando outra parceira e não de um adulto divorciado com um filho) e que seguem pelas demais temporadas como um argumento vazio para o casal não voltar. Eles não discutem seus sentimentos, não resolvem sua situação e mais importante, não amadurecem como pessoas após essa situação e continuam trombando com o mesmo problema de novo e de novo e a mesma discussão de novo e de novo.

Esse ciclo não chega a uma conclusão coerente ou satisfatória por anos (Rachel e Ross tem uma filha juntos, e enquanto tentam criá-la na mesma casa suas diferenças irreconciliáveis vem à tona rapidamente) até que nos capítulos finais eles voltam finalmente (sem nenhum dos aspectos do parágrafo anterior - amadurecimento, discussão honesta sobre seus sentimentos ou a resolução do cerne da questão que levou ao rompimento anos antes - que é a falta de confiança do lado de Rachel e o ciúmes doentio do lado de Ross). Tudo está resolvido, eles estão felizes e cada qual segue com suas vidas, um final perfeitamente meloso que cerra em 22 minutos uma longa série de uma década em que um paleontólogo aceita que a evolução é apenas uma teoria para agradar a 'murica rural.

Mas nada disso é genuíno... É apenas um enrome laço para forçar uma conclusão em algum ponto arbitrário e estabelecer que de agora em diante tudo será diferente (porque os contratos estavam caros demais e os atores não tinham mais qualquer interesse em continuar fazendo isso por mais duas, três ou vinte e cinco temporadas), mas, deixando claro que haveria espaço para uma continuação, spin-off ou o que mais eles pudessem conseguir encaixar, mas, com o fracasso abjeto de Joey, bem, ficou claro que era a melhor condição concluir dessa forma e seguir em frente - por mais artificial, forçado e arbitrário que acabe aparecendo no final das contas. Quer dizer, talvez você não veja Friends há um bom tempo, mas você se lembra de algum episódio em que Ben (o primeiro filho de Ross) é apresentado à sua irmãzinha Emma? Ou qual a explicação minimamente lógica para como Phoebe banca um apartamento em Nova Iorque com seu dinheiro como massagista...?

Esse é, talvez, o maior aspecto de como Friends existe como uma anomalia estranha aparte da realidade que ele tenha imitar. Quanto mais você presta atenção, mais ridículas parecem as tramas (como Jenifer Anniston tendo dificuldades para encontrar um encontro ou Joey conseguindo um bom salário como ator), mas ainda assim existe um aspecto a série usa constantemente para manipular suas emoções e te fazer se sentir bem. Friends é um ventríloquo que manipula brilhantemente nossas cordinhas sentimentais em busca do maior apelo.

Tudo isso é resultado de uma estrutura em que os personagens estão presos no formato (de um universo que não criaram): Cenários repetitivos, mesmas piadas e situações semana sim e semana também e tudo em função da audiência (e contratos que exigem 25 episódios - quando 10 ou menos seriam suficientes) e não da trama.

Claro que é um formato que pode ser explorado e obter resultados diferentes (com vários graus de sucesso), mas mantém a necessidade de criar algo que não é genuíno e não explora minimamente os aspectos mais profundos da personalidade e características dos personagens.

Entra Peep Show.

De 2003 a 2015 a série britânica explorou a dinâmica de dois homens dividindo um apartamento com personalidades completamente diferentes: um sujeito descolado que vive para relacionamentos casuais e um neurótico obsessivo, com uma série de traumas formativos, que vive pelo seu trabalho (que não é muito diferente do que vemos na dinâmica com Joey e Chandler em Friends).

No entanto, Mark e Jeremy (vividos pelos excelentes David Mitchell e Robert Webb) funcionam de uma maneira diferente, e não apenas pelo fato que as tramas os colocam em cenários nos quais eles constantemente perdem - já no primeiro episódio Mark é perturbado por um grupo de adolescentes até surtar - mas principalmente pela forma como o roteiro intercala na perspectiva individual de cada um deles e a narração nos oferece uma perspectiva sobre seus pensamentos.

É extremamente comum perceber dessa forma a dúvida real dos personagens assim como o desprezo e toda uma série de emoções bastante humanas que acabam escapando de uma sitcom tradicional para agradar um público mais abrangente (e para construir algum conflito artificial de fácil resolução).

Mark e Jeremy dividem o apartamento por necessidade e se mantém juntos após tantos anos com um desprezo mútuo que é lógico diante de todas as situações de sitcom em que ambos experimentam e colocam um ao outro, no entanto existe uma amizade genuína entre esses dois na parceria em apoio da bizarrice um do outro.

Por mais que Mark considere os planos de carreira de Jeremy insanos (seja como músico ou como coach), ele constantemente o apoia e ajuda, e o mesmo vale na situação inversa. Jeremy está sempre ajudando as fixações malucas de Mark por alguma garota que nessa semana ele acredita ser "a escolhida".

Vale destacar que Peep Show segue Mark e Jeremy em jornadas que, muitas vezes se assemelham ao que vemos em Friends (além das dificuldades de relacionamentos e profissionais de jovens adultos, temos algums batidas recorrrentes como a contínua tentativa de relacionamento entre Mark com Sophie - que tem muitos paralelos com Ross e Rachel, inclusive com um filho após a tentativa fracassada do relacionamento), mas com conclusões completamente diferentes, e, muitas vezes até opostas.

Sophie tem de lidar com um problema sério de alcoolismo após o fim traumático da relação com Mark, mas, acaba prosperando e se resolvendo como pessoa, e, bem, não apenas ela como várias pessoas que saem do eixo caótico de Mark e Jeremy ao longo dos anos (e finalmente conseguem prosperar), enquanto a dupla se afunda cada vez mais e mais até a inevitável conclusão de que eles estão presos um ao outro sem qualquer perspectiva de quebrar o ciclo (depois de tanto tempo).

E isso muda muito a perspectiva de como a série funciona todos esses anos mais tarde enquanto, bem, Friends envelhece cada vez pior (e olha que eu nem mencionei qualquer questão sobre a homofobia latente na série até agora, e vou deixar por isso para não alongar demais).

Com isso, temos dois finais diametralmente opostos nas duas séries.

Em Friends todos seguem em frente com suas vidas (em um ponto arbitrário perfeitamente aceitável) e entregam a chave do apartamento de Mônica (onde passavam a maior parte do tempo) enquanto uma versão melosa da música tema da série toca e tudo se resolve, finalmente a estrutura de sitcom se volta contra o seu propósito e o ciclo constante de retorno ao status quo se rompe.

Com Peep Show, Mark é demitido de seu trabalho e tenta desesperadamente se reconciliar com uma antiga namorada (que estava com problemas com relacionamento com o marido), e, quando tudo parece que dará certo nesse relacionamento partindo para o pôr do sol num cruzeiro, Jeremy (com a ajuda de Super Hans) complica as coisas, e acaba estragando tudo para Mark que se vê de volta ao partamento com seu permanente companheiro de quarto sem qualquer perspectiva de mudança, preso para sempre num ciclo vicioso.