Eu decidi que em 2025 eu não farei posts sobre quadrinhos de super-heróis (ou filmes, ou seriados - com a única exceção de Superman e da segunda temporada de Pacificador, e olhe lá), então voltei minha atenção para outros materiais que geralmente escapam minha atenção, e eu geralmente pouco (ou nada) falo sobre.
Em breve quero falar sobre Asterix e outros quadrinhos europeus, quero falar mais sobre mangás e voltar a falar sobre filmes e séries que saiam um pouco do horizonte desse mundo que eu não construi.
Dito isso, Moonshadow é uma hq de J M Dematteis com arte de Jon J Muth publicada entre 1985 e 1987 e eu passei muito tempo tentando ler esse quadrinho, sem muito sucesso. Ou o preço era proibitivo da versão da Globo ou o preço era proibitivo nos sebos, sites de quadrinhos e onde quer fosse ou na republicação da Pipoca e Nanquim ou eu simplesmente não achava alguma versão em inglês com uma oferta que justificasse a compra e, por uns bons quinze ou vinte anos eu tentei ler um quadrinho que eu não conseguia encontrar ou comprar.
Eu não sei direito como, mas lembro que na época da faculdade eu consegui ler o capítulo final (entitulado "Adeus, Moonshadow", e que é um epílogo da série e, na verdade, nem é parte da série como eu descobri agora terminado o material), e fiquei embasbacado com a qualidade, e passei os anos seguintes tentando ler mais e efetivamente ler o material todo.
Foi minha Moby Dick, por assim dizer, e eu meio que fui esquecendo da existência do material até que encontrei numa boa oferta para o kindle e, bem, a espera não fez nenhum favor ao material.
Talvez se eu tivesse lido nos meus vinte anos recém saído da faculdade e após chorar copiosamente com o final de Sandman, esse material teria funcionado de outra forma pra mim, e eu realmente acredito que bateria diferente em outro momento da minha vida.
Mas lendo hoje, bem, o material é verborrágico, alguns elementos se perdem pela falta de estrutura clara e mesmo erros na escolha dessa estrutura (por exemplo a morte de uma personagem importante já no segundo capítulo sem que ela tenha tempo para se desenvolver - e essa morte tenha algum impacto real para o leitor). Mesmo a arte de Jon J Muth que é excelente no geral tem seus pontos inconstantes e flutuantes em que parece mirar para qualquer lado e ver o que acaba colando (até porque parte da estrutura narrativa é de que os personagens pululam entre mundos alienígenas - que bem claramente são alucinações da mente de Moonshadow recordando sua juventude).
E eu acredito que em grande parte é na escrita onde reside o problema da série, e não apenas na verborragia, ainda que este seja um grande problema. Fica bem claro que é um quadrinho que quer mostrar que é um 'quadrinho para adultos' e em que Dematteis tenta ser ousado (seja na violência, palavreado ou sexo) mas que soa extremamente vazio e desprovido de qualquer significado, e, que eu facilmente posso citar em exemplos de quadrinhos (ou outras mídias) produzindo um material adulto que não recorreu ou recorre desse tipo de conteúdo para se destacar. O material não precisa de palavrões, violência ou sexo para ser adulto, e, ao contrário da forma como é feito fica bastante pueril.
Na verdade só preciso citar a obra de Bill Willingham (que traz de fato um conto de fadas para adultos - e lida com sexo, violência e palavrões) mas consegue conduzir o material de maneira mais inteligente e estruturada, em partes por eliminar a verborragia, mas principalmente por saber dosar quando e como usar estes elementos. Lendo o primeiro arco de Fábulas, por exemplo, existe muito pouca violência (quase nenhuma), e além de algumas insinuações de sexo, o material é bastante inofensivo.
No entanto, com um único diálogo entre Pinóquio comentando que quer reclamar com a Fada Azul por ser uma criança por vastos anos e que ele quer envelhecer para finalmente poder fazer sexo, Fábulas consegue fazer muito mais que Moonshadow com todos os peitinhos, insinuações e tentativas de parecer adulto.
Ainda no que tange a narrativa, honestamente eu seria remisso se ignorasse o que pra mim é o pior personagem não apenas deste material mas um forte candidato para pior personagem de toda a ficção (sim, pior que Jar Jar Binks, Scrappy Doo, o Grande Gazoo e Joffrey Baratheon), na forma do melhor amigo, figura paterna e cruzamento do primo Coisa dos Addams e Chewbacca de Star Wars, ninguém menos que o Chewbabaca Ira.
O personagem já apresentado de maneira extremamente escrota como um sujeito obcecado com pornografia (que se torna amigo de um adolescente quando ele oferece pornografia nova para ele), e durante toda a série não demonstra qualquer característica redimível. Ele é covarde, trapaceiro e em mais de uma ocasião trai a confiança do protagonista, Moonshadow. Não bastasse isso, quando você finalmente se vê contente porque esse personagem detestável desaparece da série e o protagonista Moonshadow tem mais tempo para introspecção e desenvolvimento (inclusive finalmente encontrando porto seguro com um grupo que o recebe como parte da família em um paraíso idílico), o personagem abandona tudo para partir em busca de Ira para o personagem voltar com seus maneirismos e personalidade escrotos.
Sinceramente a história se beneficiaria imensamente com a subtração deste personagem que não agrega nada, e eu confesso que não entendo qual o apelo ou a ideia por trás do mesmo. Ele não funciona como alívio cômico, ele não funciona para desenvolver a história e ele não é interessante.
Tudo bem que no geral os personagens não são muito interessantes - e em grande parte o protagonista é um personagem passivo que tromba de uma história à outra sem agir ou tomar qualquer decisão que mude os rumos da narrativa (no máximo com algo que o leva a trombar de um episódio para o próximo), mas Ira consegue somar uma personalidade escrota e detestável que clama constantemente por atenção quando ele está na página - o que é diferente dos outros personagens que ou não são interessantes ou simplesente blasé.
Vamos deixar isso bem claro: A arte é espetacular e mesmo com os problemas da narrativa, o material é bem mais agradável que muita coisa que eu li (ou assisti) nos últimos 10 a 20 anos. Não é muito acima da média, mas um sólido 6,5 que chega a um 7,5 pela arte espetacular (e o final/epílogo que são muito melhores que todo o restante da série - o epílogo em si é um sólido 11/10).
Francamente é uma recomendação apenas se estiver em (boa) promoção e ciente de todas as ressalvas.