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24 de junho de 2025

{A vida depois da Netflix} O que aconteceu com Rick e Morty?

Eu não vou fingir que Rick e Morty ficaram 'piores' nas últimas temporadas porque, honestamente, isso é uma análise rasa e boba que, francamente, ignora que a oitava temporada é melhor que a terceira, para se ter um exemplo.

Mas o que acontece, indiferente de análises rasas ou não, é que a série não é, nem de longe o gigante que já fora em seu começo e o grande motivo que fez o material minguar até quase desaparecer se dá em grande parte pelo fato que nada do que se sucedeu conseguiu manter o mesmo nível brilhante da primeira temporada, porque, e isso é importante, nada poderia jamais na história da humanidade conseguir manter o mesmo nível brilhante daquela primeira temporada.

Eu desafio qualquer pessoa a encontrar um episódio ruim da primeira temporada - ainda que, potencialmente, alguns pontos o sejam, como algumas das histórias secundárias de Jerry e Beth, e no final da temporada mesmo aquela boba trama envolvendo o Titanic, mas, honestamente, mesmo isso funciona no contexto da história maior para oferecer um contraste para a história A (com ficção científica absurda de Rick e Morty) com a história secundária B (dos dramas cotidianos de Jerry, Beth ou Summer).

Rick e Morty funciona na primeira temporada ao construir algo que é ao mesmo tempo uma brilhante paródia de ficção científica e terror enquanto brincando com clichês e noções de estruturas serializadas como narrativas. Tudo funciona perfeitamente bem, porque, verdade seja dita, não existia muita chance disso vingar ou mesmo que seria qualquer tipo de sucesso que eles investiram tudo na primeira temporada, e todos os episódios são estelares.

A segunda temporada começa muito bem, e tem vários episódios brilhantes, talvez quase na mesma qualidade da primeira temporada (talvez até melhores), mas aí termina de maneira bastante terrível estabelecendo o que viria a ser o grande problema da série nos anos seguintes em estabelecer mais e mais uma narrativa focada no universo da série e menos nas paródias de ficção científica e terror e mais no relacionamento de Rick com os personagens ao seu redor e que fazem parte de seu pequeno grupo de amigos (além de sua longa e complexa história envolvendo o multiverso e um conflito gigantesco com o governo).

O final da segunda temporada, ao meu ver, é ruim por um único aspecto (e nem é pelo final anticlimatico em que Rick perde) mas pelo fato que se revela que o chavão que o personagem usa constantemente e repete várias vezes por episódio tem conotações bem mais sombrias e sinistras (Wubba Lubba Dub Dub usado à exaustão em tom eufórico por Rick e que quer dizer "Estou com muita dor, por favor me ajude").

Eu até vi gente tentando defender que isso acrescenta alguma camada de complexidade ao personagem e à série (justamente tentando explicar que Rick estava mascarando a sua dor), mas honestamente é só ver qualquer uma das cenas em que ele diz seu chavão para identificar que não existe algo mais complexo, e, bem, nem na série... Ela faz ótimas paródias e trabalha bem com os conceitos extrapolando para conclusões hilárias, mas não é o desenvolvimento de personagens que funciona ou fez a série se destacar...

No entanto foi no desenvolvimento de personagens que a série seguiu e insistiu - porque é mais difícil construir boas paródias e buscar material mais e mais obscuro para produzir uma história interessante, coerente e relevante 10 vezes por temporada, sem se repetir, reutilizar conceitos ou mesmo personagens...

Droga, é lógico que abordar Rick fazendo terapia é mais fácil (já fizeram uns três ou quatro desses) que criar o novo Mr Meeseeks ou Poopybutthole ou alguma paródia inteligente e interessante que subverta espectativas (sabe, como aquela em que Morty escolhe a aventura se vê diante do Rei Gominha? Ou quando uma "poção" mágica destroi o mundo?). O mesmo para o conselho dos Ricks e o Morty du mal ou qualquer outra estrutura narrativa que permita continuidade e o retorno de conceitos e personagens de maneira serializada (algo que, a primeira temporada não faz em momento algum - ainda que a segunda faça com a repetição da tv a cabo intergalática).

E, não vou fingir que a série piora drasticamente em qualquer ponto nos anos seguintes, com a lógica e clara exceção da sétima temporada (que honestamente tem a saída do co-criador da série após várias denúncias sobre seu comportamento, digamos no mínimo inapropriado), ainda que a sexta temporada seja não apenas fraca, mas ruim mesmo com um ou outro episódio mais interessante.

O problema, no geral, é o excesso de exposição da franquia e o quanto a Warner/Discovery tenta espremer do material - com um Animê horroroso, a série do clone dos Vingadores, e vários curtas e aparições especiais quanto possível - e a tendência mais normal disso é, bem, não tem como manter a qualidade dessa forma, não é mesmo? Nem só isso, é verdade, uma vez que Roiland que fazia as principais vozes na série e era um ponta importante do processo criativo, e seu talento também se diluía para outros projetos (como Solar Opposites ou High on Life), enquanto, bem, Dan Harmon não fica muito atrás com Krapopolis, Planeta Estranho e o remake (ruim) de Mystery Science Theater 3000...

Nem isso, verdade seja dita pois mesmo atores como Sarah Chake e Chris Parnell da série também estão mais requisitados - e aparecendo menos

E, honestamente, com tanto material se expandindo, parece que os principais nomes envolvidos no material foram perdendo o interesse - e até por isso desde 2013 quando começou a primeira temporada, ou seja, doze anos atrás, só tivemos 8 temporadas do material.

{Editado 28/06) E existe o fato, como acontece com o outras tantas séries, que existem fatores além de sua própria capacidade e que acontecem completamente alheios e aleatoriamente independentes de qualquer coisa que poderiam antecipar.

Como o surgimento de uma série como BoJack Horseman que faz o exato oposto com enorme desenvolvimento de personagens em um mundo análogo (ainda que mais colorido) ao nosso. Ou a pandemia de Covid que é um evento bastante particular e traumático na história recente e, bem, os criadores não foram capazes de abordar até agora de maneira interessante.

Não que tivessem que fazer isso para começo de conversa, é verdade, mas as omissões acabam sendo destacadas bastante nesses casos[/fim da edição] 

Curiosamente é um caso em que o sucesso prejudicou o material mais que qualquer outra coisa, abrindo portas para que seus criadores e atores almejassem outros ares (e, inevitavelmente, novos contratos), conforme uma das principais mentes criativas do processo se afasta justamente por sua personalidade e comportamento tóxicos, e, 8 temporadas em 12 anos resultam num material que foi definhando e sumindo da popsfera conforme outros projetos foram surgindo (mesmo que eu não veja nada - nem mesmo Smiling Friends que tanta gente baba ovo - como um quilômetro perto da criatividade da primeira temporada). 

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