Eu honestamente não acho que Coringa Delírio à Dois é um filme ruim, apesar de, bem, toda a opinião de público e crítica. A continuação do filme de 2019 (chamado apenas de Coringa e que garantiu um Oscar e uma ressurgência na carreira de Joaquin Phoenix - depois daquela fase bem esquisita entre 2009-2010, e que o colocou no mapa estrelando uns dez filmes ou mais nos últimos cinco anos) continua de onde o primeiro filme parou seguindo os passos de Arthur Fleck enquanto aguarda o julgamento (pelos muitos crimes cometidos ali) e onde acaba conhecendo a Arlequina vivida por Lady Gaga (e que leva a algumas sequências musicais).
A discussão é longa afinal revolve a uma série de fatores que vão bem além do filme em si (e talvez até por isso eu vá falar bem menos sobre ele e bem mais sobre a percepção e críticas ao filme e seu antecessor) e começa com a reação extremamente exagerada ao primeiro filme passando por um estúdio desesperado para ganhar dinheiro (e que passa por uma fuuuuusão com outro estúdio enquanto produz toda uma gama de projetos fadados ao fracasso) enquanto a recepção a filmes de super-heróis declinou substancialmente desde 2019... E eu nem sei se é honesto imaginar que isso cubra todos os tópicos ou problemas.
Particularmente, me parece em muitos aspectos que a ideia toda é de que temos essencialmente um único filme (com elementos que remontam que tudo é a preparação e estrutura para a audiência pública de Arthur Fleck/Coringa) enquanto ele detalha os eventos como um narrador pouco confiável e, mais importante, ao mesmo tempo aumentando sua participação em eventos e trabalhando para explorar a empatia do público a seu favor.
Deixando bem claro, eu não tenho grandes opiniões nem sobre o filme de 2019 nem sobre esse, talvez somente de que o primeiro é supervalorizado enquanto este vem recebendo críticas severas demais. Essencialmente são filmes medíocres, algo para você ver uma vez e seguir com a vida. Droga o primeiro filme é o diretor da trilogia Se Beber Não Case sugando tudo o que ele conseguisse da lixeira de Martin Scorcese dos anos 1970 enquanto nesse ele tenta fazer algo diferente (mas menos Martin Scorcese e mais colocar num liquidificador praticamente todos os clichês de filmes sobre julgamento, prisão - ou no caso sanatórios mais especificamente) agregando uma estrutura de musical.
Somando com algo que me incomoda bastante sobre o personagem (mas que eu vi piorar depois do primeiro filme) que tentava retratar a relação do Coringa com a Arlequina de, bem, maneiras que eu confesso que me preocupam bastante como se fosse um amor proibido, com psicopatas sexies num negócio bizarro para fazer um Crepúsculo com psicopatas no lugar de vampiros e lobisomens... E, honestamente, me parece que o público realmente gosta e até se identifica com essa percepção (que repito eu acho realmente preocupante) e em partes é um dos pontos que acaba incomodando o público conforme Phillips não leva tudo para um final feliz, pimpão e contente.
Quer dizer, o filme de 2024 incomoda o público em muitas coisas... E se são coisas justificadas ou não, realmente só o tempo dirá.
Dentre os elementos que eu vejo realmente incomodar o público está o fato de deixar bem mais claro que seu antecessor que esse não é um filme sobre o Batman, o universo DC e etcs e sim sobre uma exploração de personagem e até mesmo a contextualização do homem por trás da maquiagem e não apenas uma caricatura boba que pode fazer qualquer coisa (e meio que é o ponto pois o personagem faz qualquer função que um roteirista ruim o coloque para fazer - não, sério, vai por mim).
Ao aterrar o personagem num semblante de realidade - se não realismo (sabe, com uma origem, história, personalidade e motivações) ele deixa de ser o Coringa das outras adaptações que escapa do Arkham a cada duas semanas ou derrota um homem mais rápido que uma bala ao passo que muita gente tenta culpar Todd Phillips pelos problemas - ou ao meu ver, pelo que não gostaram - do filme (enquanto meu comentário sobre Mortal Kombat 1 e as interferências da fusão com a Discovery acho que fazem bastante sentido nas interferências nos filmes, seriados e demais projetos nesse período), ignorando elementos bem mais evidentes de interferências de executivos e mesmo pelos fatores externos no geral.
Só que concomitante é importante destacar que também padece do mesmo problema da segunda temporada de A Casa do Dragão. Depois da maratona de miséria que você precisa aguentar no primeiro filme até que Arthur Fleck 'se liberte' e o filme tome uma direção mais caótica (e francamente interessante que é o que o filme efetivamente tem de memorável) o segundo filme não parece interessado em continuar desse ponto mais interessante e seguir em frente, ao contrário parece mais disposto em voltar para a perspectiva da maratona de miséria de novo e de novo.
E enquanto isso cai na condição de que talvez alguns filmes não precisem de continuações mas será que nós vamos realmente aprender isso em algum momento com Gladiador 2, Velozes e Furiosos 11, Star Wars 10 e toda essa cascata sem fim de continuações? (Droga, eu ainda me surpreendo que não tivemos um Casablanca 2 em produção até agora...) Isso sem falar de universos compartilhados e toda uma estrutura de filmes que fazem parte da mesma estrutura de outros filmes e precisam partilhar de séries, livros, jogos de videogame e grafitis para que você consiga entender a continuidade toda (e sim, isso é parte do problema com o filme para o grande público num contexto em que quando saiu o primeiro filme havia o Batman de Ben Affleck do universo DC e essa história que se passava nos anos 1970, mas agora além disso e de toda uma gigantesca miríade de outros Batmen graças ao filme do Flash ainda temos uma outra estrutura do universo do Matt Reeves com o - ótimo - seriado do Pinguim construindo mais o terreno para uma continuação que provavelmente não terá nenhuma ligação com o universo de filmes que James Gunn prepara para a DC)
Quer dizer, mais que isso acaba entrando um pouco em território de spoilers ainda que não somente sobre o filme mas em uma escala maior sobre o quanto a DC quer dessa mística sobre o passado do Coringa e do quanto ele não tem uma identidade ou nome real.
Se te incomodam spoilers sobre o filme, bem, pare por aqui.
Ei, eu avisei que teríamos spoilers, se você ainda está aqui é porque você está ciente que eu vou falar sobre o fim do filme e o que acontece nele.
Basicamente Arthur Fleck nunca foi o Coringa (até há uma perspectiva de que o Coringa é uma personalidade da mente de Arthu Fleck) uma vez que o filme termina com o personagem assassinado na cadeia por um sujeito que, bem, exibe o emblemático sorriso do princípe palhaço do crime - e Arthur Fleck confessa durante seu julgamento que ele tem total controle sobre suas ações e não é um sujeito criminalmente insano como, bem, o personagem dos quadrinhos.
Se Fleck é assassinado pela persona do Coringa que assume de vez o controle das ações, se novamente temos que lembrar que Fleck é um narrador não confiável (sabe, como no primeiro filme) e a forma como ele conta a história pode muito bem servir para inspirar simpatia ao passo que se exume da culpa pelos seus atos.
Se isso é decisão do James Gunn para criar um universo DC cinematográfico integrado (e que não teria como funcionar no mesmo contexto destes filmes de Todd Phillips), de algum outro figurão da DC (afinal não se pode ter revelado o nome real ou o passado do Coringa) ou se é uma decisão do próprio Phillips, eu não sei exatamente se importa além de que o resultado final desagradou muito mais gente do que deveria... Mas ao mesmo tempo eu realmente acho que o público tem parcela de culpa nisso também.
Quer dizer, a recepção extremamente negativa (após uma recpeção extremamente positiva - de um primeiro filme bastante medíocre) é exagerada, mas em grande parte vem da recepção que o público que não quer ou aceita ver o personagem crescer e mudar. Fleck tem que morrer para que surja o Coringa que não tem uma identidade e enfrentará o Batman de novo e de novo, seja Nicholson, Ledger, Hammil, Leto ou Barry Keoghan. De novo, e de novo presos num oroboros perpétuo...
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