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12 de outubro de 2024

{Explicando o fim (ou Analisando o Arkham)} Coringa

Como eu disse na minha resenha do segundo filme do Coringa, eu vi que muita gente vem reclamando e criticando bastante severamente o filme (algumas pessoas de maneira mais razoável que outras), mas no geral me parece coisas que, bem, elas não entenderam sobre o filme ou o personagem.

Sobre o filme de maneira bem geral, você precisa entender dois pontos: Encare o filme menos como uma narrativa linear e mais como uma sessão de terapia do personagem título relatando os eventos (o que permitirá muito melhor compreensão entre os buracos e absurdos narrativos) e segundo, de maneira complementar a esse primeiro, lembre que o personagaem título é um narrador (extremamente) pouco confiável.

Para que isso faça mais sentido é importante falar mais sobre o personagem de maneira geral (não somente nos quadrinhos) e como ele funciona (essa é a parte do analisando Arkham).

No geral, o Coringa é um personagem extremamente inconsistente e que segue o que o roteirista da vez quer que ele faça ou como ele funcione (ou o que ele saiba ou o que ele é capaz de fazer), e francamente isso torna pra mim o personagem bastante estúpido e sem graça. Eu francamente não gosto dessas histórias em que ele sozinho consegue derrotar todo um super grupo (de novo e de novo) sem mover um dedo (que em se tratando da DC é mais uma coisa do Exterminador, Slade Wilson), ou mesmo quando ele tem planos altamente elaborados como o de Injustiça. Além disso o personagem é extremamente inconsistente em sua estrutura também e pode ser um serial killer, um terrorista, um mafioso, uma piada (que adora surfar) ou o que a história precisar.

Dito isso (além do fato do personagem ser usado demais), é possível apontar alguns pontos chave sobre o personagem e sua estrutura que são bastante importantes. Um, além de um psicopata (o que é óbvio mesmo nas versões mais cômicas) ele é um gigantesco ególatra (e/ou narcisista), do tipo que faria peixes se parecerem com ele ou que ao descobrir que está para morrer faz de tudo para que o mundo fique repleto de outras versões suas. E, vai por mim, os exemplos vão além - com a Piada Mortal ao tentar corromper o comissário de polícia para se tornar uma outra versão de si mesmo, ou com a origem da Arlequina (em que ele tenta fazer uma versão feminina de si mesmo), ou com várias outras histórias que bebem do mesmo tipo de material e eu passaria horas listando elas sem mudar o fato que ele acha que é perfeito e que o mundo deveria existir à sua imagem (e existe uma história exatamente nesses moldes chamada 'Imperador Coringa').

Isso inclusive explica bastante das estruturas contraditórias dos relatos do personagem sobre seu passado e origem, que, ele tende a ignorar (em partes porque o seu passado o envergonha por não ser seu eu idealizado de agora e em partes por não representar seu eu idealizado de agora) e mesmo porque no geral ele sequer tem um passado anterior a se tornar um sujeito com terno roxo e maquiagem de palhaço. No geral o passado não lhe importa porque o que vale é o ponto em que ele se tornou 'perfeito' e vê como sua missão fazer o mundo à sua semelhança (o que ao seu ver torna justificável matar qualquer quantia de pessoas em seu caminho para conseguir seus objetivos).

Mas o fato dele fugir ou tentar revisar seu passado também tem a ver com um complexo de inferioridade que podemos ver quando analisando outros dos detentos do Asilo Akrham. Ele está ao lado de professores, doutores, médicos e advogados notórios, e, quando olhamos para os relances de seu passado, estamos falando quase sempre de um gigantesco fracassado (um comediante fracassado, um mafioso fracassado, um homem de família fracassado).

O morcego entra nessa equação tanto pelo aspecto de que ele obviamente se compara com o Batman que é capaz de derrotar todos esses professores, doutores, médicos e advogados notórios e, mais importante, fazer com que mesmo nessa visão idealizada e narcisista, ele se sinta novamente um fracassado. Mais que isso se ele, Coringa, que é perfeito, é impedido e derrotado por um alguém, então essa pessoa é também perfeita e digna de sua admiração e respeito, correto? Ou seria mais adequado querer destruí-lo por ousar ser tão bom quanto ele?

Inclusive, criar essa aura de mistério sobre seu passado (como na história Estudo de Caso de Paul Dini) e faz parte da mitomania que o personagem usa para manipular as pessoas como bem entender. Se ele deixa de ser um mistério - se suas motivações e ações são claramente explicáveis, ele perde seu efeito. De um ponto de vista narrativo, é importante manter essa aura de mistério sobre o passado do personagem para fomentar a estrutura de bicho-papão aterrorizador (e que pode atacar de qualquer forma e a qualquer momento), mas do ponto do personagem é importante pelos mesmos motivos... Para a DC, a 'origem' do personagem efetivamente se dá quando ele cai num tanque de ácido (essa também é a origem da Arlequina que eu já comentei antes e do Rastejante na versão animada).

Por isso a gente volta ao ponto de que os filmes de Todd Phillips não retratam a origem do personagem mas o relato do mesmo sobre seu passado ANTES de sua origem - e justamente por isso eles seguem uma estrutura fluída que pode mudar de acordo com sua necessidade no momento, ao mesmo tempo que acaba revelando pontos importantes sobre si mesmo sem que ele perceba, e é justamente por isso que eles são bem mais um quebra-cabeças do que a narrativa linear do passado do personagem.

Quer dizer, nos filmes ele é retratado por Joaquin Phoenix que fez 50 anos agora em 2024, mas, pelos fatos que são demonstrados, não parece que o personagem tenha a mesma idade que o ator retratando ele. Na verdade, eu tenho uma larga impressão que no primeiro filme, "Arthur Fleck" (que, sim, pode ser só mais um dos muitos pseudônimos do personagem para mascarar seu real passado) está na faixa dos 15-20 anos, alguém que abandonou o colegial lidando com problemas mentais (o que até bem pouco tempo atrás o estigmatizaria pela dificuldade de aprendizado para dizer o mínimo), buscando um emprego fixo para arcar com despesas pessoais enquanto cuidando de algum parente ou guardião legal doente.

No entanto devido a seu narcisismo ele não consegue imaginar a si mesmo como diferente do que é hoje, portanto mesmo em seu passado com aproximadamente 15 anos ele se enxerga como é hoje (e por isso o papel é vivido por um ator com 50 anos e não com quinze). E por isso que ele se insere na narrativa de seu passado antes de existir o palhaço do crime e mesmo embeleza ou tenta tornar a narrativa mais interessante (sabe, com cortes musicais, com explosões do fórum e mesmo de matar um apresentador de talk-show).

Por isso ele se vê fantasiado de palhaço aqui e acolá (mesmo que isso não fizesse sentido para si mesmo naquele momento da vida), por isso que ele se vê com sua idade atual vivendo com os problemas que tinha com 15 ou 20 anos, e, como eu disse, são peças de um quebra-cabeças maior.

Então no primeiro filme o que estabelecemos é que ele fora diagnosticado como problemas mentais e tentava levar uma vida ordinária apesar de suas limitações (o que, com problemas mentais e sem uma formação acadêmica fica ainda mais difícil). Eu insisto na faixa de 15 a 20 anos que o coloca essencialmente como um menor porque o evento mais importante desse primeiro filme é a morte de sua mãe/responsável legal, o que o colocaria numa situação de ficar sob a tutela do estado, e, sofrendo de uma doença mental acabar em um sanatório (ou inclusive seja responsável por uma morte natural pelo simples estigma de sua doença).

O segundo filme faz parecer que ele está em julgamento pelo assassinato do apresentador de talk show enquanto eu efetivamente duvido que esse é o caso, e ele esteja lidando com um caso sobre sua interdição e custódia pelo estado, e, seja parte justificativa de sua vergonha (por isso até o filme seja tão deprimente e mostre um protagonista que não tem urgência ou age em seu favor).

Ele se vê desesperado e desprezado, inclusive vendo que mesmo a afeição que acaba recebendo tem segundas intenções e o deixa ainda mais isolado, com toda sucessão de eventos que coincide com a primeira paixão (ao meu ver não correspondida e mal interpretada - e, o que eu acho mais fascinante e que efetivamente reveladora, que ele identifica a Arlequina mesmo que a personagem só surgiria mais tarde) do personagem durante seu período num hospício e que acaba o levando para a cadeia onde esse lado de si próprio acaba 'morrendo' ou é assassinado se você preferir para ressurgir como o mafioso Jack Napier ou criminoso Capuz Vermelho que anos mais tarde cairia em um tanque de ácido e blá, blá, blá.

Existem inúmeros aspectos sobre o narcisismo (com o personagem querendo assumir indiretamente a responsabilidade pela morte dos pais de Bruce Wayne) e complexo de inferioridade (com o fato que ele se vê julgado por Harvey Dent - o Duas Caras - que provavelmente nem teria como nota de rodapé em seu currículo de ser o responsável por essa condenação), mas eu vejo que é a mitomania que toma o lugar constantemente, construindo um mundo que simplesmente não faria sentido e não teria como funcionar.

Mas no geral é um retrato sobre um homem que se envergonha de seu passado e não acha que os eventos estão à altura da pessoa que ele é (de novo, por isso explosões, por isso ele se vê responsável pelo mais importante assassinato da história de Gotham - inclusive sabendo o que esse assassinato signifique), e por isso existe toda uma gama de caos que, efetivamente não faz sentido com a estrutura que narrativa propõe.

Insisto que não acredito que isso faça dos filmes melhores do que são (ou que quem não gostou deles é idiota), mas eles são bastante coerentes com o personagem e sua estrutura e, sem querer cansar demais o leitor, eu acredito que facilmente existam bem mais exemplos a se destrinchar e correlacionar com os quadrinhos e filmes/animações (eu nem comentei sobre A Máscara do Fantasma, por exemplo), mas, honestamente, acredito que as bases estejam aqui e seja mais do que o suficiente para justificar o caso (fique a vontade para discordar nos comentários).

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