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3 de julho de 2019

{Resenhatorial} Harry Potter e a Sinergia Corporativa

Eu resenhei nos anos anteriores (1, 2 e 3 aqui) conforme os volumes ilustrados por Jim Kay foram saindo anualmente e esperei um novo volume esse ano, que, pode não sair esse ano... Depois de terminar a saga do bruxo Geralt e de ler todos os livros da Saga de Gelo e Fogo ficou meio que um vazio de literatura infanto-juvenil para se preencher (e, confesso que agora estou já preocupado com o que ler a seguir) ao que resolvi pegar emprestados os volumes seguintes da série e ler.

E me desapontei.

Ainda que eu vá escrever mais detalhadamente sobre cada um dos livros seguintes, me pareceu pertinente fazer um parênteses mais geral sobre a enorme diferença tonal que se vê neste quarto volume com relação aos anteriores e ainda mais no volume seguinte (o quinto, e na minha opinião pior livro da série).

Não quero criticar a autora especificamente, até porque sei que soaria pedante e ridículo de minha parte em muitos pontos, e, é verdade que soaria. Se fosse eu a conseguir um sucesso tão retumbante com um livro, duvido muito que faria diferente dela, e, como é visível com outros autores que tentaram, esse sucesso retumbante não vem fácil nem se repete (George R R Martin tenta emplacar outras séries que não envolvam jogos ou tronos faz tempo, e Conan O'Doyle tentou escrever livros que não tivessem sequer menção a detetives mas não foi muito longe nisso).

Acredito que o espaço para a arrogância e ego se suplantam (e até mesmo se justificam) quando você consegue tanto sucesso repentino após tanta rejeição (que a autora colocou em redes sociais para inspirar autores mais jovens) e podem facilmente blindar as críticas com argumentos falhos e estúpidos sobre vendas e sucesso (como se qualquer um dos dois fosse imperativo para qualidade, e o fato dos livros dos 'Neto' liderarem listas de mais vendidos da Veja já mostram bem isso).

Então entendo que a autora não ouviu exatamente seus editores e saiu naquela aspiração de autores de fantasia que querem se mostrar mais sérios e complexos ao escrever livros mais longos (o primeiro livro tem 208 páginas, o segundo 224, o terceiro 288 saltando para 480 no quarto - que é mais que o primeiro e segundo combinados - e SEISCENTAS E QUARENTA páginas no quinto livro - que são apenas 80 páginas a mais que os primeiros três livros juntos, mas ainda é mais que o triplo de páginas do primeiro), que é uma estigmatização até bastante comum.
Nos quadrinhos vários autores quiseram se mostrar mais 'sérios' ao expor toda uma verborragia estúpida que não cabia nas páginas (com exemplo notável de Chris Claremont), só esquecem, vale lembrar, que estão escrevendo sobre assuntos que nem de longe se supõem permitir espaço para essa reflexão e seriedade.

Esse é um mundo de meninos mágicos frequentando uma escola com dragões, trolls e outras criaturas fantásticas, não é exatamente um veículo para se mostrar mais talentoso que Jorge Luis Borges...
Ainda mais com uma subtrama esquisita (e bem bizarra na minha opinião) sobre os elfos domésticos que são escravizados pelos feiticeiros em pleno século XX (quando a história começou) e XXI (quando terminou) e que parece cada vez mais bizarro conforme os livros avançam... E que, ao meu ver, mostra bem que a falta de noção da autora, que recentemente gasta seus dias no twitter para justificar que Hermione é negra ou que feiticeiros não usavam encanamento até recentemente (só pra citar alguns dos 'fatos' que a autora discute hoje em dia).

Tudo isso é muito parvo quando levamos em conta o universo mágico de escapismo infantil que o livro, ao menos, deveria evocar. Não é sobre direitos civis de elfos domésticos (que não me importa quanto eu leia parece incrivelmente racista), jogos olímpicos que colocam adolescentes (e pré adolescentes) em constante risco de morte numa versão mágica de Rollerball, é sobre um garoto que teve um vida escrota e descobre que ainda existe magia no mundo e ele não deve perder a esperança.
Não que Harry Potter devesse ser a Poliana Moço, mais para um Timothy Hunter sem John Constantine (ou seja, sem o cinismo e sarcasmo natos do mago britânico).

Pra mim, o quinto livro é o pior da série (já comentei alguns parágrafos antes) com uma série de erros crassos numa história longa, convoluta e sem o mínimo de foco (vão quase duzentas páginas para Harry Potter voltar para a escola de magia, e depois existem várias subtramas que vão do nada a lugar algum como as alianças com os Gigantes ou mesmo os exames 'N.O.M.s' que permeiam o livro inteiro mas são somente concluídos no livro seguinte, assim como a própria 'Ordem da Fênix' que pouco ou nada contribui/significa para o andamento da história)... E o pior é que eu vejo nesse livro a vilã mais interessante da série toda.

Sim, mais até que Voldemort (que é vazio e sem propósito), a burocrata Umbridge me parece a vilã perfeita para dar um gás nas histórias com seu ego inflado e fazendo de tudo para manter a escola sob as rédeas curtas, mesmo que para todos os efeitos ela em si não seja alguém ruim/má (sendo esse o fator que faz dela uma personagem mais interessante), inclusive trazendo esse ar de trevas e fim da esperança com o retorno do perigoso mago das trevas e blá-blá-blá, mas a vilã é enganada facilmente e derrotada de maneira ridícula mas mais sobre isso na resenha do próprio livro.

Claro que é fácil julgar o material já publicado, encerrado e com a vantagem de perspectiva, ainda que eu duvide que algum revisor, editor ou qualquer pessoa (competente) que analisasse o material á época diria com convicção "Sabe o que falta nessa história? Mais exames que não significam nada e racismo sistêmico!".
Faltou revisão, e isso fica claro. O quarto livro tenta encapsular de uma vez só a Copa do Mundo de Futebol (digo, quadribol) e as Olimpíadas (sim) com o retorno de Voldemort em um único livro que ainda traz enorme drama estudantil... E duas das três coisas anteriores poderiam ser eliminadas sem prejuízo para a série como um todo.

Parece que com os fracassos destes livros (que dificilmente são os favoritos de qualquer leitor da série), as coisas finalmente voltam aos eixos, com livros mais curtos e focados na trama principal, ainda que padeçam de um final que desapontou muitos fãs (ainda que eu veja mais falta de critério destes fãs que especificamente da narrativa).

No fim, se existe REALMENTE um problema com a série do bruxinho britânico reside na insistente e persistente tentativa de lucrar (e continuar a lucrar) sobre a imagem e a franquia expandindo e revisando fatos com histórias e pontos que não são do mínimo interesse do mais devotado fã.
Só que óbvio, eles continuarão a ordenhar essa vaca enquanto ela ainda der leite, já que é o grande mantra da sinergia corporativa.

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