Nota: Café-com-leite |
Acho difícil começar a resenha além da forma como o filme deveria efetivamente começar, com um belo aviso dizendo "Crianças, não tentem fazer isso. Esse é um mundo idílico de fantasia que não existe (nem nunca existiu. Sério, não tentem dormir no meio de uma floresta sem avisar seus pais... Isso é MUITO estúpido".
Ou algo do tipo, mas é possível entender o que estou querendo implicar aqui.
Mas o que eu REALMENTE me perturba no filme (afinal sou um adulto criticando algo para crianças) está nos limites legais sobre plágio e inspiração. Sério, isso é "Conta Comigo" com a Turma da Mônica, né?
Sem os revólveres e violência é claro (afinal, de novo é voltado para crianças), mas a estrutura é tão parecida que é assustadoramente parecida. Do tipo que REALMENTE se assemelha a plágio, sabe?
Tem os valentões (na obra de Stephen King é meio que uma prática comum), tem o passeio idílico de um grupo de jovens que serve como uma metáfora sobre crescimento e amadurecimento (que é basicamente a premissa de ambos) em meio a um paraíso tipicamente interiorano enquanto enfrentam seus medos e frustrações desenvolvendo sua amizade de maneira (mais) significativa.
Ao ponto que muitos desses elementos não combinam com os quadrinhos da Turma da Mônica que me lembro. Valentões? Eu lembro de quadrinhos do Homem Aranha lidando com valentões mesmo quando ele era um professor no colégio, mas da Mônica? Mais para o Cebolinha ser um valentão da Mônica que qualquer outra coisa...
Crescimento? Amadurecimento? Droga eles tem 6 anos desde 1963!
Não é exatamente como se eles tivessem crescido muito nesses anos todos e estivessem lidando com problemas complexos e mais maduros... As mudanças graduais nos personagens desde 1963 não são exatamente muitas ou profundas...
Cascão vivia em lixões nos anos 80 e hoje é um ambientalista que defende reciclagem, mas fora isso eu não sei de muitas mudanças nos personagens. A Magali não vem combatendo sua anorexia ou algo do tipo, nem o Cebolinha faz aulas com uma fono.
Como disse antes, o mundo idílico de fantasia que Maurício criou para os quadrinhos pode até funcionar nos quadrinhos (ou desenhos animados da turminha), mas fica extremamente artificial quando estrelado por atores de carne e osso. Ficam artificiais as cercas baixas numa cidade com praça e coreto, numa cidadezinha pequena com um enorme parque nas proximidades que desemboca numa densa mata/floresta... Até porque estamos em 2019, mas nada no filme se faz parecer com 2019.
A mãe de Cebolinha lê jornal (é, de papel mesmo) em sua primeira cena no filme, mais adiante mostram-se vários telefones fixos (sem qualquer celular ou tablet em vista), os vendedores ambulantes e carrinhos de vendas (sim, carrinho, nada de food truck ou coisa do tipo) além dos carros enormes com modelos que lembram bastante os anos 70 (mesmo que a polícia alegue utilizar helicópteros)... Droga, os garotos abandonam suas bicicletas no meio de um parque num dia e elas estão ali no dia seguinte (inclusive parecendo mais limpas!).
Parece com os anos 80/70 e mesmo assim não se parece com nada que já existiu no Brasil (talvez alguma cidade bem de interior, mas que não teria sorvete de massa servido em carrinho na praça...)
E esses anacronismos só vão se somando, ainda mais com o roteiro fraco e porcamente elaborado que não gasta exatamente tempo para desenvolver personagens ou contar uma história emocional, bem construída e coerente...
Pra mim o filme tem um grande problema em falhar (e nem tentar) estabelecer os personagens de maneira isolada sem precisar de toda a bagagem necessária para entender QUEM são eles de fato. Porque Cebolinha QUER derrotar a Mônica ou porque diabos uma menina de seis anos é a 'dona' da Rua (o que quer que isso signifique)? São coisas que funcionam num quadrinho longevo e periódico, mas numa estrutura cinematográfica as premissas narrativas são diferentes!
De novo, funciona nos quadrinhos com premissas básicas e idiossincrasias básicas. Ninguém desconfia que Bruce Wayne é o Batman (sabe, o cara recluso que vive numa mega-mansão e é o único com recursos compatíveis para financiar uma operação desse nível - inclusive com a tecnologia das indústrias Wayne), nos filmes? Bem, se faz necessário explicar, justificar (o filmes de Christopher Nolan inclusive destaca que muita gente sabe da identidade secreta e auxilia na cruzada do morcego, que também mascara suas operações através de empresas de fachada).
Mesmo a relação central ao filme - a de Cebolinha e Floquinho - não é desenvolvida de maneira apropriada, relegada a meros quadros de fotos para mostrar que o cãozinho está na família há tempos. Isso funciona numa hq (por trazer imagens estáticas), num filme exige dinamismo para contar essa passagem de tempo.
Talvez algo como o que a Toei fez na animação Dragon Ball Super: Broly (2018) para justificar a existência dos personagens de sua infância até os dias atuais... Algo que toma meros segundos na tela!
Então, talvez você se pergunte: Porque a nota não está na escala de 0 a 10 para esse filme?
Bem, porque nenhuma nota nessa escala seria justa...
Uma nota ruim (que o filme merece) acabaria refletindo mais sobre os atores mirins que pela parca qualidade do roteiro, direção e de todos os envolvidos que acham mais importante investir em uma cena com Maurício de Sousa que efetivamente contratar bons atores para o elenco de apoio...
Uma nota boa não refletiria o que o filme efetivamente significa, inclusive porque fica difícil comparar com outras animações da Turma da Mônica ou mesmo com os quadrinhos, e ele acaba nesse meio de caminho.
É ruim, sem sombra de dúvidas, só que o que FAZ do filme ruim são suas péssimas decisões.
Um roteiro inconsistente que não faz sentido.
Um elenco de apoio fraco com nenhum ator que realmente demonstre o mínimo de esforço.
Uma direção inconsistente que falha em estabelecer uma progressão natural para sua estrutura narrativa ou mesmo para cobrar de seu elenco infantil um pouco mais do que atuação comparável com o elenco de Carrossel...
Só que isso cai também nos erros do cinema nacional, no geral, né?
No fim, se é por nostalgia pela Turma da Mônica, bem, tem um bocado de coisa mais interessante deles como A Princesa e o Robô (de 1984), disponível na íntegra no Youtube...
Sim, a animação envelheceu mal, o áudio é ruim (mesmo sendo em hd), mas ainda é melhor que um filme que mais parece plágio, com péssimos atores e terrível direção produzido em 2019.
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