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30 de março de 2025

{A vida após Netflix} A morte da Sitcom

Existe uma diferença fundamental entre comédia e sitcom, e essa é uma diferença fundamental, que é em grande parte o motivo que explica a facilidade com que o segundo tenha se mantido vivo por tantos anos na televisão, e que resultaram em sua agonizante e eventual morte.

A sitcom é uma abreviação para comédia de situação do original inglês, e, comumente, apresenta mais cenários e situações do que se preocupa com narrativa e construção de personagens, e, de maneira geral igualmente, o final de um episódio marca não apenas o final da situação mas de toda e qualquer repercussão e consequência.

Geralmente sitcoms se formam com conceitos que permitem a geração contínua de histórias com um elenco fixo apoiado constantemente por participações especiais e um elenco rotativo (como um bar, um escritório ou um hospital) mas não é incomum abordar uma estrutura familiar geralmente disfuncional (seja um irmão parasita que se muda com o outro bem mais sucedido ou uma família suburbana típica com todos os problemas da subúrbia), onde trapalhadas se seguem, afinal, se trata de uma comédia. Não obstante, os personagens do núcleo central dessas tramas vivem em um constante estado de torpor com mínimo desenvolvimento se algum.

Se um personagem faz algo horroroso e asqueroso (por motivos cômicos, claro, afinal a 'comédia' faz parte da situação), é bem pouco provável que haverá qualquer mudança significativa que vá além do episódio seguinte, e, é extremamente fácil demonstrar exemplos disso, como em Friends quando Ross (que começa a série se divorciando, tem um filho e um relacionamento fracassado com a paixonite do colegial) encontra uma nova namorada e está prestes a se casar, estragando tudo no último minuto (no episódio que é o final da quarta temporada). Na temporada seguinte (e nas demais) o que acontece com esse sujeito na casa dos trinta com um filho e dois divórcios?

Bem, ele começa a namorar uma colegial enquanto inicia uma carreira de professor (e o pai dela faz parte do comitê da universidade que poderia facilmente demiti-lo), e depois se casa novamente enquanto bêbado com a paixonite do colegial e tem um filho com ela (que mais tarde ela tenta um relacionamento com o melhor amigo de Ross enquanto ele tenta namorar uma professora da faculdade - que estava com esse amigo). O que ele aprende nesse processo...? Absolutamente nada pois a existência dos dois filhos são apenas relevantes quando a série apresenta algum cenário em que eles apareçam, os divórcios não interferem em nada ou mudam os hábitos do personagem e em nenhuma das seis temporadas seguintes Ross tenta qualquer jornada de crescimento e desenvolvimento pessoal. Ele não faz terapia ou tenta aprender a lidar melhor com seus próprios sentimentos e frustrações.

Ok, isso é um pouco um exagero, eu sei, afinal personagens fazendo terapia para melhor lidar com seus sentimentos e frustrações não é algo que mesmo o material de maior prestígio e drama sequer finge que tenta lidar.

No entanto, olhando do outro lado do Atlântico para a série Peep Show, vemos algo categoricamente oposto. Mark passa anos tentando se acertar com a colega de trabalho Sophie (sim, vivida por Olivia Colman antes da Rainha e do Oscar), e enquanto o relacionamento tem vários altos e muitos mais baixos, na quarta temporada os dois estão juntos e no rumo para o casamento.

O casamento é um fiasco, e isso leva diretamente a repercussões para Mark (já no episódio seguinte), passando por enorme ostracismo no trabalho além de dificuldades para conseguir se acertar e estabelecer um novo relacionamento. A situação com Sophie igualmente deteriora conforme a moça se afunda no alcoolismo e depressão (sim, lembremos que isso ainda é uma comédia), e acaba grávida de Mark, levando a mais uma série de altos e baixos até que ela sai definitivamente da vida dele enquanto se firma com um novo namorado e não enxerga qualquer perspectiva que o fã de Napoleão vá crescer e se tornar uma pessoa melhor.

Ainda que Peep Show seja dos anos 2000 enquanto Friends dos anos 1990, e existam óbvias diferenças entre o humor britânico e estadunidense (e os resumos dos parágrafos anteriores apontam que mesmo com tramas parecidas, os rumos são bem diferentes), existe uma diferença essencial que está atrelada a forma de produção de conteúdo que tornava a sitcom não apenas uma realidade como uma necessidade, e é algo que se dá no cenário de transmissão televisiva de acordo com planejamento e programações.

Mesmo que nos anos 1990 muitas pessoas tivessem videos cassetes, e a estrutura de exibição de programas seguissem a um horário específico (todos os domingos às 20:30 ou sextas às 19:30 com reprises e etc), por uma infinidade de motivos seria fácil para um espectar perder um episódio ou de maneira similar, para uma rede não exibir o programa.

Sejam motivos pessoais que te impeçam de estar diante da televisão no horário determinado ou o fato que um furacão devastador destruiu o gerador ou está solicitando maior cobertura midiática, as emissoras tinham de se planejar para cenários adversos, e, nisso era extremamente comum que programas fossem produzidos de forma a representar minúsculas mudanças (se alguma) ou desenvolvimento narrativo, afinal se você perder um episódio (ou mesmo uma temporada inteira), seria perfeitamente fácil entender a situação e cenário e acompanhar a partir de qualquer ponto da história.

Com isso, mantendo condições simples e repetitivas permitia para que o público pudesse acompanhar com maior facilidade, mas, de maneira similar, que as retransmissoras pudessem exibir sejam episódios novos ou reprises com igual facilidade. Porém, com o avanço dos serviços de streaming, essa ideia perde tração uma vez que a perspectiva que a audiência se mantenha engajada com uma série por múltiplos episódios - seja numa estrutura de maratona ou acompanhando esporadicamente - garantindo que os assinantes vejam todo o conteúdo, depende muito menos da conveniência de horário (uma vez que é possível assistir a qualquer momento).

Plataformas de streaming passaram a investir muito mais no modelo britânico de produção de comédias (estruturadas e com menos episódios enquanto focando no desenvolvimento de personagens e histórias) e que demanda do público o retorno para novos episódios, e, o que vemos cada vez menos são produtos bobos e de péssima qualidade lançados por tipos como Chuck Lorre (mas que vão continuar a surgir aqui e acolá enquanto esses tipos estiverem vivos e trabalhando), mas que não são mais a força motriz do gênero cômico.

Séries menores (quatro-seis temporadas como Atlanta, Barry ou O que fazemos nas sombras - mas facilmente podemos apontar bem mais exemplos como Sex Education ou The Good Place) com menos episódios e maior enfoque em personagens e desenvolvimento gradual de suas tramas vem ganhando cada vez maior tração e possibilitando melhores experiências que, bem, tentativas de ressuscitar um gênero falido que, honestamente, talvez só funcione para animações ainda (e somente por contar com orçamentos muito menores - mas mesmo essas vem encolhendo e enxugando seus números de episódios, quando não tem hiatos gigantescos entre temporadas como Rick e Morty).

16 de fevereiro de 2025

{A vida depois do Netflix} Afinal de contas para que servem os Oscar?

Cidadão Kane foi considerado em diversas ocasiões o melhor filme já produzido, inclusive figurando em primeiro lugar numa listagem do Instituto de Filme dos Estados Unidos (AFI) no aniversário de 100 anos da instituição. No entanto, na premiação do Oscar de 1942, Orson Welles não ganhou como melhor diretor, ator ou mesmo com melhor filme, perdendo para Gary Cooper em Sargento York (esse obviamente clássico atemporal que você ouvir falar muitas vezes, não?) e John Ford na direção e melhor filme com Quão verde era meu vale (eu não vou repetir a piadinha cretina anterior, você já pegou o tom, né?). Isso foi na 14ª cerimônia do Oscar, em um momento histórico com a segunda guerra mundial e bem, é um dos primeiros e talvez maiores exemplos de escolhas ruins da premiação...

Como em 1974 com o prêmio de melhor ator com Marlon Brando, Jack Nicholson, Robert Redford e Al Pacino... Todos superados por Jack Lemmon com Sonhos do Passado...? Ou que tal o ano seguinte de O Poderoso Chefão Parte 2 e Chinatown que trouxe novamente Nicholson e Pacino concorrendo com o prêmio de melhor ator (que talvez são os papéis mais icônicos de ambos) e perdendo novamente, mas dessa vez para ART CARNEY (é eu também não sei quem é mesmo olhando a página do imdb dele) por um filme em que ele cruza os Estados Unidos com seu gato.

Podemos facilmente falar dos anos 1990 com a Miramax ou mais recente, o filme que é considerado o maior fiasco da cerimônia, Crash de 2004... Ou ainda outros tantos exemplos sobre o esnobismo da cerimônia (e nem precisa ir mais longe que o ano atual em que Denzel Washington rouba a cena facilmente em Gladiador 2 - que é um filme bosta, sejamos honestos - e sequer recebeu o mínimo que é uma indicação) mas nada disso explicaria a grande pergunta: Afinal de contas para que servem os Oscar?

Bem, essencialmente é uma questão de poder, dinheiro e influência (ou se preferir, 'pretígio'), que reside nos estúdios usando sua reputação para garantir mais prêmios que os concorrentes para melhorar seu crédito, facilitando novas produções.

Enquanto grandes bilheterias oferecem esse exato mesmo cenário (poder, dinheiro e influência), muitas vezes isso é uma mera questão de sorte ou coincidência que resulta no sucesso quando em outras é o mais completo azar que colocar um filme que tinha tudo para dar certo com um resultado meh. (e nada disso garante qualquer poder de barganha aos envolvidos que são substituídos com enorme facilidade das continuações)... Além disso, o estúdio tende a imaginar quais filmes serão sucessos e tem potencial para franquias (inclusive pelos contratos de merchandising) e  aposta de maneira apropriada, forçando mais um produto entregue no prazo que um bom filme.

Com prêmios, no entanto, a qualidade do diretor, ator, atriz ou qualquer elemento no geral pode suplantar as limitações técnicas, de orçamento, de distribuição ou qualquer outro fator. Na verdade, é bastante comum que filmes com orçamentos minúsculos apresentem vencedores para premiações.

Por exemplo, com o orçamento de Duna Parte 2 (de 190 milhões de dólares - que nem é o filme mais caro lançado em 2024) seria possível fazer 31 vezes (com seus 6 milhões de dólares), e eu nem vou falar de Centenas de Castores (que custou somente 150 mil). Outros concorrentes mais caros como O Brutalista (10 milhões), Nickel Boys (23 milhões) ou Conclave (20 milhões) ainda que somados mal chegam aos pés do orçamento de efeitos especiais de Duna ou Wicked (e eu sei que você provavelmente se perguntou porque eu não citei Ainda estou aqui que custou 1,5 milhões, mas não faz sentido apontar cada filme).

Tudo isso ajuda e muito a atores, diretores e, bem, mais um monte de gente a conseguir destaque e maior percepção para outros mercados. Selton Mello que o diga gravando um remake de Anaconda...

Ainda assim, existem elementos que convergem para buscar não apenas nomes associados com filmes de maior prestígio como copiar ideias que deram certo para maior prestígio. Uma biografia de Freddie Mercury conseguiu um Oscar...? Ei, que tal Elton John, Bob Marley ou Bob Dylan?

Ou musicais se um deles deu certo e conseguiu prêmios ou maior destaque... 

Mais até que isso, o destaque a determinados filmes alimenta o ciclo de atenção, discussão e debate sobre esse material. Enquanto Emilia Pérez com suas 13 indicações recebe críticas e comentários sobre se são merecidas ou não, se é o novo Crash ou não ou o que mais for, filmes ou performances que escaparam do radar da academia (como Daniel Craig com Queer ou o filme Sing Sing). Mais destaque, mais discussão, mais engajamento (e mais receita)... Enxague e repita.

E, diga-se de passagem que isso nem é uma situação exclusiva do cinema, né? Vide o quanto de séries deram espaço para reboots e remakes ou novos projetos pura e simplesmente pelo sucesso com prêmios (sabe, como Chuck Lorre emplacando vários prêmios com Dois Homens e Meio para depois emplacar vários prêmios com The Big Bang Theory), e, facilmente podemos achar exemplos similares em outras áreas.

26 de janeiro de 2025

{A vida após Netflix - 2.6} Uma breve demonstração de boa escrita e escrita ruim

Um diálogo bem escrito diz muito sobre a qualidade do roteiro (e claro, do escritor por trás do mesmo), ao mesmo tempo que nos apresenta melhor o mundo e os personagens nele contidos, e, honestamente seria muito fácil encontrar dezenas e mais dezenas de exemplos para demonstrar exatamente isso.

No entanto, eu acredito que mais que citar exemplos e detalhá-los em diversas mídias, eu posso demonstrá-lo através de um exemplo prático de uma breve troca entre dois personagens em duas séries distintas de quadrinhos, um exemplo negativo (vindo de Daredevil 193 de 1983 escrita por Larry Hama) e um exemplo positivo (da primeira edição da mini-série G.O.D.S. de 2023 escrita por Jonathan Hickman).

Eu não pretendo considerar o restante das respectivas histórias, apenas esse breve diálogo nessas páginas em particular e o que eles dizem e transparecem entre os personagens, e, porque eles funcionam ou não.

Em Demolidor 193, vemos uma no primeiro quadro, mais alongado para demonstrar a mulher em pé de corpo inteiro em relação a Matt que está sentado, temos uma interação entre uma mulher loira com um rosto carrancudo que se aproxima de Matt Murdock e lhe diz "O que você está encarando?", ao que Matt responde "Nada, eu sou cego".

Essa já é uma interação bastante desconfortável entre os personagens, mas logo no quadro seguinte vemos a mulher loira reagindo de maneira exagerada (com o quadro enfocando numa situação dramática em que ela está com o olhar para cima enquanto a boca escancarada diz) "Meu Deeeeeus! Isso é tão embaraçoso! Você deve imaginar que eu sou uma idiota insensível, e você está certo, eu poderia...", no que Matt, conciliador, tenta responder "Não, não, não. Imagine. Na verdade minha resposta foi um tanto ríspida. Eu recentemente me adaptei à minha cegueira que muitas pessoas mal percebem. Amigos?"

O próximo quadro traz os dois continuando a interagir (e agora a se apresentar), mas fica claro que o tom da conversa mudou consideravelmente. Da primeira interação fechada para um seguinte momento de constrangimento, ambos já estão de mãos dadas e conversando de maneira mais aberta.

A loira então se apresenta: "Claro! Meu nome é Willow. De fato Willow, a Fantasmagórica: Mágica Extraordinária! Ato principal do lounge do navio. Que tal ser meu convidado para meu show de hoje?". Matt então responde, deixando claro que ele estava atendo ao que ocorria com a garota e pergunta "Isso não causaria mais problemas com seu namorado?" para a tréplica "Carmine? Eu o conheci hoje. Imaginei que nos entenderíamos por ele ser um magricela alto como eu..." e eu acredito que esse seja especificamente a parte mais rídicula dessa conversa toda.

Willow se apresenta como uma mágica que convida Matt para assistir seu show e ele imagina imediatamente que ela está dando em cima dele ou que isso causaria algum desconforto dela com o namorado (considerando que ela é uma artista que se apresenta em público - e, nesse caso específico, em público em um navio), e tudo isso depois de meras duas interações que denotam claramente que esses dois não começaram em bons termos. Curiosamente, a moça que chega emburrada por um sujeito que a encarava momentos atrás parece ignorar completamente que ele estava de fato prestando atenção na interação dela com o namorado...

O quadro final nos mostra uma visão mais geral (do barco à distância) para concluir as apresentações entre os dois, começando com Willow concluindo seu diálogo do quadro anterior "...Mas ele se demonstrou um verdadeiro estranho! Ei, eu disse o meu nome, qual é o seu?" ao que o protagonista da revista responde "Matt. Matt Murdock, um advogado extraordinário e um ótimo jogador de poker", ao que eu não sei dizer o motivo para o comentário sobre poker (que inclusive eu não me lembro se tem qualquer relevância mais tarde na história) e a moça responde "Ha! Prazer em conhecê-lo, senhor Murdock".

A interação é mal trabalhada de começo ao final, truncada e forçada. Willow que obviamente estava incomodada no começo, não apenas se vê constrangida ao ser corrigida como muda completamente de humor com isso, ao mesmo passo que Matt inicia a interação de maneira grosseira (quando podia facilmente ficar calado e deixar os ânimos se acalmarem) e tudo caminha num ritmo acelerado que claramente aponta que essa personagem será importante mais tarde, não?

Você pode não saber o que vai acontecer a seguir (e honestamente não faz tanta diferença para o experimento aqui demonstrado) mas fica claro por essa interação truncada e forçada, que esse diálogo entre os dois era necessário para mover a história adiante. Matt precisava conhecer Willow (e saber que ela trabalha com mágica além de saber dos problemas dela com seu namorado), ou mais importante, nós leitores precisamos conhecer Willow para que a revelação adiante (de que ela é uma criminosa) tenha algum significado.

Isso obviamente transcorreria bem melhor de outra forma (ou para ser honesto outras dezenas de formas), e principalmente sem essa interação nada natural destes personagens. Esse é um dos grandes problemas da má escrita: A situação não faz sentido contextual.

Focando apenas na interação, Willow que está constrangida com o que disse a um homem cego revela que trabalha com mágica e convida esse homem para o show... Quer dizer, ela espera que ele vá se divertir em um show de mágica sem ver os truques e efeitos? Por outro lado, pouco depois Matt, que a pouco dissera que é cego, se declara um excelente jogador de poker, e, a moça que fizera caras e bocas pelo seu constrangimento não se vê minimamente intrigada com a ideia de um homem cego jogando poker a ponto de perguntar sobre isso? É o ponto desse comentário uma mera piada boba para quebrar o gelo (sabe, ha, ha, um jogador de poker cego)?

Quer dizer, não que seja impossível dele fazer isso (e existam jogadores cegos) eu confesso que isso imediatamente chama atenção. Eu quando li o comentário já parti para pesquisas no google sobre o assunto. Essa garota que estava furiosa e desconfiada, deixa passar como se fosse nada?

Considerando o que aprendemos depois nessa edição - que ela é uma criminosa e, não apenas isso, a criminosa que o Demolidor está procurando naquele momento específico - faz sentido que Willow interaja com pessoas desconhecidas em um barco e não que ao contrário se mantenha o mais discreta possível?

Ao mesmo tempo, da perspectiva de Matt Murdock/Demolidor que na época tinha sua identidade secreta, faz sentido que ele, o advogado da Cozinha do Inferno de Nova Iorque esteja naquele barco sozinho em busca de um criminoso - onde por coincidência o Demolidor da Cozinha do Inferno de Nova Iorque - que está em busca de um criminoso - apareça?

Não seria mais lógico que o Demolidor estivesse nas sombras usando suas técnicas ninjas observando as pistas para capturar o criminoso, ou, ao contrário, fizesse tudo isso como Matt Murdock para preservar sua identidade secreta...?

Isoladamente o diálogo não funciona enquanto no contexto maior do que ele está inserido, é ainda pior.

Por outro lado, em G.O.D.S. 1, Hickman aparesenta um breve diálogo entre Dmitri e Wyn, mas mesmo sem ler ou analisar o conteúdo, é possível entender pela expressão facial, pelo silêncio no terceiro quadro e pela linguagem corporal dos personagens o que está acontecendo e entender o tom da conversa (e mesmo de como os dois se relacionam).

Dmitri comenta casualmente no primeiro quadro "Ei, olhe, ali está a sua ex." no que Wyn responde "Ela não é minha ex".

O segundo quadro trás Dmitri retificando seu primeiro comentário (nos apresentando mais de sua personalidade com sua necessidade por contextualizar seu comentário anterior) "Ei, ali está a mulher que você ama mais que qualquer coisa e que no lugar de corresponder esse amor, decidiu atirar na sua cara", ao que vemos claramente a reação furiosa de Wyn que se alastra para o próximo quadro (em que permanece em silêncio, esperando que Dmitri se toque, e, após o silêncio constrangedor o quarto quadro concluí: "Oh, agora eu vejo. Você sabia disso o tempo todo, e tentava fingir que tudo estava bem quando na verdade definitivamente não está. Desculpe"

Essa breve interação nos diz volumes sobre os personagens. Sobre o quanto eles já se conhecem (e de que apesar de se conhecerem, não são exatamente amigos, mais para conhecidos e mais especificamente, fica claro que Wyn é alguém hierarquicamente acima de Dmitri, como um professor/mentor, e alguém que ele quer impressionar).

Conciso, direto e ainda assim diz volumes sobre os personagens.

E eu sei que pode parecer uma interação forçosa para gerar o 'humor MCU', demonstrando os personagens fazendo piadas em situações tensas, mas a diferença aqui é que isso mostra a personalidade de ambos os atores na situação e nos apresenta aspectos maiores sobre o todo - elementos que voltam a representar algo no esquema final das coisas, conforme a ingenuidade de Dmitri tem papel crucial para a solução da trama ou o cansaço e frustração de Wyn, por exemplo).

As duas situações aqui apresentadas trazem um dos personagens metendo os pés pelas mãos com uma interação inicial constrangedora, mas a diferença no roteiro faz com que as duas sigam por rumos bastante diferentes e terminem de forma oposta, em uma em que aprendemos mais sobre os personagens enquanto na outra parece contradizer tudo o que faria sentido para eles nesta mesma situação.

 

Mas, o que tudo isso significa afinal de contas?

No entanto existe um elemento que não é diretamente relacionado ao produto final, e, por tabela, com o que está aqui apresentado, mas que diretamente influencia o resultado - e isso se aplica em outras escalas com outros produtos de entretenimento na mesma proporção.

Eu poderia falar por horas sobre talento e competência ou sobre como um roteiro preguiçoso pode usar um chavão ou bordão (mas aí eu não precisaria de um texto desse tamanho, só dizer 'Bazinga' e todo o público já entenderia o argumento de falta de talento e roteiro preguiçocos usando um chavão-bordão), mas esse não é o ponto.

Daredevil 193 é uma edição tampão marcando a transição entre a fase de enorme sucesso de Frank Miller (que terminara na edição 191, ou seja, meses antes) e com toda a certeza é um material produzido a toque de caixa para que tenha uma edição da série nas bancas e livrarias especializadas dentro dos prazos e tudo mais, e, para isso os editores e executivos encontram o sujeito mais barato e que produza o material mais rápido para entregar, bem, alguma coisa dentro do prazo.

Essa é uma situação bem diferente do que Jonathan Hickman com seu contrato de exclusividade com a Marvel pode produzir e, bem, lançando uma mini-série escolhendo a dedo os colaboradores que vão trabalhar com ele.

Mas você consegue entender porque esse elemento de entregar o produto mais rápido possível pelo menor custo (para cumprir algum prazo ou quadrante fiscal) impacta o resultado final, e, bem, como isso é facilmente verificável de novo e de novo (como quando produziram uma sequência para Cassino Royale a toque de caixa durante a greve dos roteiristas de Hollywood). Ou porque os roteiristas enxergam com enorme termor a ascensão das inteligências artificiais generativas, certo?

Isso piora quando executivos visam apenas potencializar lucros com esse tipo de material tampão (que serve apenas para ganhar tempo e não para produzir a melhor história possível - sabe, como a segunda temporada de A Casa do Dragão).

Mais dinheiro para efeitos especiais, menos dinheiro para os roteiros (direção, atores e demais elementos) e a coisa toda fica uma bagunça desconjuntada, não é mesmo? E às vezes nem tem dinheiro para efeitos especiais como Cats ou Quantumania nos demonstram...

19 de janeiro de 2025

{A vida após Netflix - parte 2.5} Erros de personagens

Personagens em livros, filmes, séries ou o que for, não agem de maneira realista e esse é o um elemento bastante comum e efetivo que aprendemos a aceitar na narrativa uma vez que, bem, se eles fizessem o lógico e sensível, não teríamos histórias.

Se Bruce Wayne procurasse terapia e doasse seu dinheiro para a polícia, não vejo como isso produziria um personagem com mais de oitenta anos e uma gigantesca franquia, não é mesmo? E claro, você pode citar basicamente todo episódio do Pernalonga ou Pica-pau em que, bem, se o vilão se desculpasse por suas ações, bem, se livraria de toda uma gama de problemas, ou as óbvias e repetidas situações em filmes de horror em que os protagonistas se separam enquanto o monstro espera para matá-los um a um...

Só que elas estão ali nos filmes bons também frequentemente e em boa parte dos momentos. Em Jackie Brown, o grupo confia em Melanie (mesmo que saibam que não deveriam confiar em Melanie em nada além de estragar o plano todo), o que resulta em todos os problemas com o roubo, enquanto em 2001: Uma odisséia no Espaço, toda uma missão tripulada depende de uma inteligência artificial (que não pode ser desligada ou suspensa facilmente).

A grande questão ou o ponto mais importante (afinal, de novo, os erros dos personagens movem a história) é que os roteiristas precisam entender isso e trabalhar com esses elementos. Os personagens precisam cometer erros, enquanto os roteiristas não podem.

É esse trabalho (hercúleo) de fazer com que os erros dos personagens façam sentido (mesmo se apenas dentro do contexto) que dá o tom de boa imersão, boa qualidade de roteiro e no geral de uma ótima obra, inclusive ao normalizar e estabelecer parâmetros e repetições que devemos esperar (sabe, o Pernalonga que eu citei antes).

Quando os erros de roteiro são percebidos, aí as coisas se perdem e muitas vezes com velocidade - como a segunda temporada de Round 6 que facilmente poderiam condesnar cinco episódios em um único para produzir uma temporada mais interessante - e o público percebe.

Coisas como um casal que termina porque sem isso a trama não se enrolaria por mais duas ou três temporadas em um interminável "será que...?", ou o herói escolhe salvar um vilão maníaco homicida (para que ele viva mais um dia para cometer mais atrocidades) enquanto inocentes sofrem e a lista não para aí obviamente...

Só que, e aí é onde temos que sempre lembrar, o roteiro precisa dos erros e do contexto para funcionar.

Dentro do contexto de O Extermindor do Futuro, faz sentido que as máquinas voltem no tempo para matar Sarah Connor ao invés de voltar no tempo e, sabe, eliminar toda a humanidade e iniciar seu império das máquinas no Egito Antigo em 3000 Antes da Era Comum, né? E mais importante, produz algo muito mais interessante para o público de ver um filme em que Sarah Connor enfrenta um assassino terrível e imparável do futuro nos anos 1980 (que eram o presente quando o filme foi lançado) do que vermos uma garota egipícia do anos 3000 AEC enfrentando uma máquina imparável...

Dito isso, temos que lembrar que uma história raramente acontecerá se um personagem tomar apenas atitudes coerentes e lógicas... Algo como a história de horror coerente de Abed em Community.

O que tudo isso quer dizer? Bem, que, esse monte de críticos de internet que gostam de estabelecer teorias sobre como uma história não aconteceria se determinado fato fosse mudado, estão não apenas repetindo o óbvio, mas ignorando completamente o propósito do conteúdo do qual estamos discutindo. De novo, histórias dependem de erros e decisões estúpidas dos personagens para acontecerem.

O problema se dá com roteiros ruins e decisões ruins dos redatores e isso é o que temos que destacar e apontar quando distraem os pontos de uma história.

22 de dezembro de 2024

{A vida após Netflix - parte 2} Hannibal vs Hannibal (filme vs série)

Com três temporadas entre 2013 e 2015 Hannibal foi lançada com a ideia de adaptar os livros de Thomas Harris, mas, a verdade é que os nomes na série (inclusive do próprio autor) não são desconhecidos.

Antes de Mads Mikkelsen, Hannibal já foi vivido por Anthony Hopkins em 1991 (e 2001 e 2002) e mesmo Brian Cox (sim, Logan Roy) no filme de 1986 de Michael Mann Caçador de Assassinos, e, ainda que algumas das histórias compartilhem elementos das histórias dos livros, existem diferenças consideráveis entre as adaptações.

Os filmes tentam manter o foco para que a narrativa conte em um intervalo de pouco mais de 2 horas todos os elementos da história (qual é a ameaça, porque o protagonista está envolvido na investigação e como pode resolver o caso em questão), enquanto a série cadencia estes elementos para que sejam apresentados aos poucos (como qual é a ameaça, que vai se desenvolvendo aos poucos, enquanto oferece dúvida e questionamento ao protagonista sobre sua própria motivação).

Por exemplo, na série não existe um único vilão como no(s) filme(s). Will Graham e essencialmente sua divisão do FBI passa episódio após episódio caçando um psicopata diferente, enquanto aprende mais e mais sobre a mente dos assassinos em série, ao passo em que aprende mais sobre as motivações sinistras de seu psiquiatra Hannibal Lecter.

Mesmo em temporadas subsequentes em que exista um vilão maior (seja o Dragão Vermelho ou o próprio Hannibal), isso faz parte da estrutura narrativa para desenvolver esse conflito de maneira cadenciada episódio após episódio, e, para isso precisa de uma estrutura narrativa para que cada episódio construa de maneira sólida os degraus para ascender até a conclusão, ainda que funcione individualmente.

Funciona porque tem um excelente roteiro, uma direção brilhante e um elenco extraordinário - afinal, se você tenta a mesma coisa sem nada disso, você acaba com 'Clarice' - e, de maneira geral é o mesmo que acontece com os filmes (com um excelente roteiro, uma direção brilhante e um elenco extraordinário O Silêncio dos Inocentes é fantástico enquanto O Caçador de Assassinos mal passe pelo radar de qualquer pessoa).

Mas é uma visão bastante simplista de que as coisas só funcionam quando tudo é brilhante, excelente e fantástico, com um time incrível trabalhando para produzir e construir o produto final, e, considerando que a série mal chegou ao final na terceira temporada (enquanto coisas vastamente inferiores passaram da décima temporada - e com muito mais episódios por temporada), é fácil dizer que ela não foi um sucesso - nem mesmo de crítica, com uma lista bem modesta de prêmios ou indicações - enquanto tanto Anthony Hopkins quanto Jodie Forster levaram indicações por suas performances no filme de 1991, né?

Então, o material ser excelente mas não encontrar o público faz dele um fracasso ou, bem, qual seria a definição para ele? É um problema de marketing, de timing ou, pura e simplesmente azar?

Para um estúdio - que no fim do dia é quem toma as decisões e assina os cheques - compensa bem mais uma produção medíocre com muita audiência que uma grande produção que não consegue nem público nem crítica.

No fim do dia, no entanto, a questão primordial é sobre o público, ou se você quiser ser mais literal, o público esperado para o material. Veja, o cinema sempre foi extremamente conservador, por mais que algumas raras exceções de brilhantismo e genialidade surjam aqui e acolá.

É sempre custoso produzir um filme e justamente por isso adaptações de materiais que já funcionaram em outros meios são uma forma de mitigar o risco de apresentar uma ideia que aliene o público, e, além disso os filmes tendem a seguir estruturas mais familiares e que já funcionaram antes. Fórmulas de sucesso, repetindo não só o que funcionou ou funciona mas mudando pouco (ou muito pouco) para que o público sinta que é uma experiência nova e diferente (como podemos facilmente ver com todos os filmes policiais de duplas inusitadas... Ei, mas esse tem Whoppi Goldberg e um T-Rex!)

Com a televisão as coisas são diferentes - com sets, estrelas e orçamentos menores - e até não muito tempo atrás também com um formato diferente de filmagem, e, equipamento mais pobre também para produzir em quantidade maior e mais rápido. Dito tudo isso, a tv permite maior liberdade que as demandas e exigências de um mercado por retornos, e, boas equipes podem usar isso a seu favor.

De novo, não significa que não existam projetos ousados e com maior liberdade no cinema, mas enquanto vemos o Patolino enfrentando seu criador em um desenho animado para crianças, bem, é muito fácil encontrar filmes para o público adulto (e não filmes adultos, deixemos isso claro) que tem dificuldade em contemplar qualquer assunto com qualquer nuance ou complexidade (como a Paixão de Cristo de Mel Gibson). E nem é difícil encontrar exemplos e mais exemplos (desde a menção a Jorge Luis Borges na animação da Liga da Justiça como Floyd, o barbeiro - que é um título de uma música bem sombria do Nirvana - cortar o cabelo de Freakazoid), enquanto, bem, seriados para um público mais velho trazem cenas infames como a do cachorro comendo um coração (eu não estou inventando isso), mesmo material para um público adulto tem problemas com dilemas morais e complexidade (sabe, como Dexter).

Então, o que Hannibal Lecter dos filmes e Hannibal Lecter das séries nos ensinam e mudam um para o outro? Bem, de forma narrativa, não muita coisa, afinal são essencialmente o mesmo personagem com histórias desenvolvidas de maneiras diferentes, mas o que vemos mudar realmente é o público esperado para essas obras.

Em O Silêncio dos Inocentes ou Dragão Vermelho os detetives protagonistas são chavões de filmes policiais (determinados, firmes e com claras convicções do certo e errado), sem uma personalidade ou um passado marcantes. Sabemos quem é Will Graham por ser Edward Norton no filme, mas não temos nenhum relance sobre a pessoa por trás dos chavões. No seriado Will Graham é um personagem completamente desenvolvido, com suas fixações, neuras e traumas que são dissecados nos episódios nas sessões de terapia que vão se apresentando episódio após episódio. 

O mesmo vale para o assassino serial canibal Hannibal Lecter.

No seriado contemplamos mais de perto como funciona sua mente, aprendemos mais sobre seu passado, traumas e compulsões. Ele não é apenas um clichê de assassino serial (tão competente que deve ter super-poderes), mas um homem altamente inteligente e complexado, e, é claro que a série tem bem mais tempo para trabalhar todos esses elementos (e muitos mais) que um filme, e, que o filme justamente por isso acaba trabalhando com definições mais amplas (e clichês) que são facilmente identificáveis ao público sem maior desenvolvimento para não interromper ou complicar demais a narrativa.

Essencialmente, um filme (por mais que use de 3 horas e meia ou mais), precisa limitar o desenvolvimento de personagens e traços de suas características mais intrínsecas uma vez que precisa lidar com constrições de tempo (3 horas são o equivalente de 3 a 6 episódios da maioria das séries), e por isso precisa sacrificar estes elementos, com caracterizações mais clichê e lugar-comum em detrimento da história. Com a estrutura episódica, os capítulos permitem maior fôlego nesse desenvolvimento com o intervalo entre episódios (mesmo que você os assista em sequência, é bastante comum que exista um intervalo narrativo, com os episódios se passando em dias diferentes o que reforça traços, características e as personalidades dos personagens).

Os mesmos personagens nos são apresentados de maneiras diferentes dessa forma. Num filme é uma realização impressionante enquanto num seriado é uma estrutura da rotina deste personagem que tem estes momentos marcacntes esporádicos.

E como você pode imaginar, o problema nessa situação de um mundo de streaming onde todos os episódios são disponibilizados imediatamente a maratona se tornou algo bem diferente do que originalmente, acabamos com séries que são produzidos muito mais como filmes longos divididos em partes que como efetivamente séries (episódicas com espaço para desenvolvimento de personagens) para uma estrutura com personagens mais clichês em detrimento de uma narrativa maior (como com Stranger Things ou mesmo Round 6), mas isso é antecipar um bocado coisas que serão discutidas em bem mais detalhe num futuro.

Até lá um bom Natal e um ótimo ano, que esse é o último post de 2024 (e devo voltar somente por volta do dia 15 no ano que começará)!

Um abraço a todos!

20 de novembro de 2024

{A Vida após Netflix - parte 1} As diferentes estruturas narrativas

A forma de contar uma história possui diferentes estruturas. Um filme, um livro, uma história em quadrinho ou uma música (ou outras diversas alternativas) pode contar uma narrativa que vão variar de acordo com processos e estruturas, e mesmo no mesmo meio essa mesma narrativa pode conter tons diferentes.

Dentro de um livro, o maior limitante é a capacidade de um autor de descrever uma cena de forma a conduzir os eventos mas o céu é o limite (o autor não precisa se preocupar com orçamento para a construção da cena que ele está bolando, o papel aceita tudo, quaisquer limites virão da editora pelo número de páginas para a edição, e tão somente isso), algo que não existe num filme (onde a cena é exposta com imagens - mas reforçando o ponto anterior, tem limitações de orçamento para produzir esta cena de maneira crível ao espectador e à história). E o mesmo ocorre com outros dos elementos da história.

Um personagem pode ter longos monólogos internos para contextualizar sua vida e situação em um livro, extrapolando os eventos narrativos para (tediosas) passagens que definem o caráter e personalidade deste. Num filme onde cada segundo conta (e custa), um longo monólogo que não avança a história, consome tempo precioso da película e pode resultar no público perdendo o interesse, comprometendo todo o esforço de fisgar a atenção da audiência até aquele momento.

Na verdade, inclusive os primeiros 15 minutos são cruciais para um filme, e não é raro encontrar exemplos em que eles trazem não só as melhores cenas de um filme (sim, 007, estou falando de vários de seus filmes) como em alguns casos a única parte efetivamente boa e que vale a pena de um filme (sim, 007, estou falando de vários de seus filmes), afinal, uma boa primeira impressão pode garantir a boa vontade e empolgação para o restante do material.

Com seriados, no entanto, as condições mudam uma vez que bons quinze minutos podem te manter empolgado pelo primeiro episódio, mas é necessário um bom gancho para te fazer voltar, e esse gancho pode vir de uma premissa cativante e interessante ou de um final empolgante levando a perguntas para a condução da história.

Isso divide seriados em duas condições principais: As estruturas independentes (em que cada episódio ou pequena coleção deles, traz uma história com começo, meio e fim e não necessariamente interligada com o restante da série - shows detetivescos com o vilão da semana ou seriados médicos facilmente se encaixam nessa estrutura), e estruturas sequenciais (em que cada episódio se constrói de maneira cadenciada e contínua, construindo mundo e progredindo a narrativa conforme a série avança - o que não quer dizer que tudo seja planejado com antecedência, só que existe uma narrativa maior construída capítulo a capítulo - e é extremamente comum aos shows de prestígio da HBO ou Showtime), mas ainda podemos levar em conta antologias (como Além da Imaginação ou Black Mirror, que são independentes, porém tendem a quebrar gêneros e convenções narrativos, às vezes utilizando um mesmo ator em diversos papéis ou construindo uma premissa única por episódio - às vezes partindo de drama, horror ou comédia entre episódios) ou as esquetes (mais comuns em comédias com quadros curtos para contar uma piada sem conexão com a próxima, e, em dados casos inclusive com non-sequiturs).

E é possível verificar através de gêneros as diferenças (e similaridades) entre mesmos materiais, inclusive com alguns que foram adaptados com filmes e séries, como Hannibal (em mais de uma versão de filmes e depois como um seriado excelente por sinal), com diferentes processos e convenções narrativos, e pretendo destrinchar um pouco mais sobre o assunto na parte 2 daqui um mês justamente ao comparar a série Hannibal com suas contapartes cinematográficas.

13 de novembro de 2024

{A vida após Netflix} Uma (longa) análise sobre como interagimos com a mídia após o streaming

Talvez essa não seja tão longa (ou tão chata) quanto minha série de postagens sobre porque os quadrinhos vendem mal, mas após ver os inúmeros cancelamentos que a plataforma de streaming faz de novo e de novo (e de novo) de bons seriados enquanto outros materiais tendem a durar bem mais tempo em sistemas convencionais de produção de entretenimento (sabe, com lançamentos periódicos preocupados com audiência e muitas vezes se adaptando e mudando justamente pela flutuação desta).

Eu venho assistindo Shameless com minha namorada - a série é longa com mais de 10 temporadas, com uma versão britânica que precede o material com William H Macy, Jeremy Allen White e Emmy Rossum (além do Goku de Dragon Ball Evolution por alguns episódios) - assim como vi alguns materiais cancelados pela Netflix (a ótima Mindhunter vem em mente, mas obviamente não é o único exemplo) que me fez pensar muito sobre a natureza da produção de entretenimento moderno e tudo o que mudou.

Séries hoje são produzidas de forma diferente de trinta, droga, mesmo pouco mais de dez anos atrás quando a Netflix começou com House of Cards, com temporadas mais curtas - que era o formato destinado a séries de prestígio da HBO - mas muito se deve a forma como interagimos com a mídia mais do que o formato dos shows.

Comédias, animações ou mesmo shows de variedade que comumente possuiam temporadas longas (ainda que muitas vezes de episódios curtos), hoje são divididos em temporadas mais curtas ainda que em alguns cenários com mais de uma temporada por ano, para ter mais tempo de exposição ao público ao material. Mesmo com os animês que possuem uma estrutura bem diferente das convencionais temporadas (ainda que os distribuidores estadunidenses tentem vender nesse tipo de embalagem) cederam mais para uma estrutura mais próxima de temporadas anuais e produção episódica limitada (como My Hero Academia ou Attack on Titan) do que, bem, a insanidade de produzir episódios para acompanhar com o ritmo da produção semanal de um material conforme ele é lançado (sabe, como One Piece ainda é feito).

Este é apenas um teaser para discutir a ideia, e, começaremos em breve numa discussão sobre as estruturas narrativas, o que diferencia um seraido de um filme e as diferenças em formatos de produção de entretenimento.