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3 de outubro de 2024

{Resenhas de Quinta} Jane vai para o Norte (que não esquece) Joe Lansdale

Joe Lansdale é um escritor cujo nome eu frequentemente escrevo errado (geralmente tentando colocar o d logo após o n e me embananando em geral), e o autor de mais de 70 anos é bastante prolixo com uma carreira que inclui vários livros, trabalhos para a televisão e quadrinhos (como Jonah Hex que é onde eu conheci o autor), e eu suspeito que nenhuma obra publicada em português. Geralmente com uma mescla de humor ácido/satírico para construir um comentário interessante sobre o assunto em questão do material.

Dito isso, eu acho que ele tem uma capacidade brilhante para construir um material absurdo e bizarro que mescla com o real e cotidiano, sempre com um tom cru e visceral, algo como Bukowski para o século XXI mas com mais ficção científica se isso fizer algum sentido, ou pelo menos um Steve Gerber se seus protagonistas não fossem patos.

Jane goes North (ou Jane vai para o Norte numa tradução literal) é um livro lançado em 2020 e possivelmente o livro mais recente que eu li nos últimos anos - o que talvez diga mais sobre mim do que sobre o livro, mas ei, achei importante mencionar - e, duvido que seja lançado em português num futuro próximo ou distante então todos os comentários são sobre a versão kindle em inglês e alerta-se que possível e provavelmente ocorrerão spoilers.

Okay? Ok.

Vamos lá, Jane é a protagonista do livro e basicamente uma fodida na vida com quem absolutamente tudo o que pode dar errado acaba dando errado. Desempregada, sem dinheiro ou prospectos ela recebe o convite para o casamento de sua irmã e, seu carro quebra, ao que ela planeja alguma alternativa para o evento e acaba encontrando uma pessoa para dividir a viagem (para o Norte, se não ficou claro até agora) onde mais coisas que podem dar errado acabam dando errado.

Sua jornada explora muito do lado menos glamouroso do sonho americano (e geralmente o lado que as pessoas tentam ignorar ou mesmo esquecer), e, em grande parte é o ponto crucial da reflexão entre este ponto onde Jane e os inúmeros personagens que ela encontra pelo caminho estão e a ilusão mais glamourosa e bonita onde querem chegar (ou talvez ao menos fingir que estão).

Mais que isso, Jane e os inúmeros personagens que ela encontra pelo caminho são lixo branco, sabe, aquele tipo que você imagina quando pensa em 'Murica ou no pessoal que tem um certo boné vermelho e vota num certo caveira laranja. Gente que não está apenas abaixo da linha da pobreza e vive na mais completa e terrível miséria mas que se julga melhor e superior essencialmente por seu tom de pele (ou mais importante, por seu tom de pele e o registro de nascimento dos US & A).

E enquanto o livro funciona muito bem nos primeiros 10 ou 15 capítulos, e eu realmente fiquei empolgado a cada nova reviravolta e absurdo que a mente de Lansdale pensava em criar com episódios peculiares e bizarros em que Jane se mete (o carro quebrando, o desentendimento com a pessoa com quem vai dividir viagem, ser assaltada num supermercado e etc) chega um evento em particular por volta da metade do livro que, pra mim, quebrou completamente o ritmo da coisa toda e acabou com a experiência.

Esse é um aviso de spoiler mais claro (se você se interessou pelo livro com as descrições até aqui, é bom ficar ciente de que os próximos parágrafos entrarão em mais detalhes sobre eventos da trama).

Por volta da metade do livro, Jane e sua companheira de viagem param para abastecer e se deparam com um assalto no posto de combustível onde acabam sequestradas para se tornarem escravas, e o livro lançado em 2020 ainda que talvez não se passe em 2020 cita palavras como 'wi-fi' quando a protagonista chega a um hotel/motel, então não é absurdo concluir que os eventos transpiram no século XXI.

Jane escapa dos escravagistas e se depara com uma cantora de country em turnê (que acontece de ser do mesmo tamanho que a protagonista - e isso será importante mais tarde) que acaba lhe dando carona até próximo o suficiente de seu destino.

Pra mim, esses dois episódios quebram completamente o ritmo de eventos cotidianos e absurdos que o material retratava, e o fato que se sucedem imediatamente um após o outro tornam a coisa ainda mais bizarra e ridícula. Ou melhor, somente bizarra e ridícula.

Ainda que o sequestro em si seja particularmente ridículo em sua concepção e conclusão, a coisa toda acaba bastante desconexa do restante do livro e parece somente uma porção para complementar o número de páginas previsto no contrato do autor, então se concluí de maneira rápida (e estúpida) e segue para o próximo episódio. No entanto, uma vez que a protagonista estava ainda mais ferrada que quando começou o livro, se faz necessário um Deus Ex Countryna e surge uma cantora em turnê (do exato tamanho da protagonista para lhe emprestar suas roupas para a conclusão do livro) e a personagem chega ao seu destino para confrontar sua realidade e ilusões.

Confesso que o final é bem construído e interessante novamente (após essa barrigada do sequestro, tráfico humano, cantora country e tudo mais) em que Jane se encontra com as irmãs na recepção do casamento e enxerga o quanto ela não pertence a esse mundo de tentativa de sofisticação. Ela é lixo branco e, bem, que seja feliz como lixo branco.

Mas no final das contas é uma recomendação difícil, porque quebra bem o ritmo e é fácil perder o pique de continuar para chegar à conclusão do material.

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