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15 de setembro de 2024

{Explicando o fim} Matrix

{Respira... Fica ciente que uma grande parte dos nerds ficarão putos com o texto... Respira de novo e vai.}


O Matrix é um filme de 1999 em que as máquinas dominaram o mundo. Não confundir com o Exterminador do futuro de 1984 em que as máquinas substituiriam os humanos tentando dominar o mundo ou Blade Runner de 1982 (baseado no livro Androides sonham com ovelhas elétricas de 1968) em que os humanos são substituídos por robôs... O que eu quero dizer é que essa ideia de humanos versus tecnologia não é nova (e provavelmente continuará a existir enquanto existir a humanidade). A diferença é que o filme da dupla Wachowski soma a alegoria da Caverna - que Grant Morrison reintroduziu à cultura popular com Os Invisíveis em 1994 - com o conceito de os humanos perderam a guerra e agora vivem como baterias enquanto suas consciências perambulam em um mundo virtual controlado pelas máquinas.

Mas vamos lá: O filme de 1999 permeia com uma visão comum do fim dos tempos com toda a questão do ano 2000 chegando, o bug do milênio e todo esse papo cataclismico de que futuro não será mais como antigamente.
Neo surge como o Messias millenial (ou mais da geração X) hacker que curte música eletrônica e vai nos livrar do tédio suburbano de nossas vidas sem propósito na prisão psicológica criada por um mundo artificial (nesse caso literalmente). Neo não é King Mob, portanto ele tem seu empreguinho engravatado do qual precisa ascender e ressurgir como o grande herói de filmes de ação que luta kung-fu e desvia de balas.

E, por se tratar de um filme com orçamento de 63 milhões por um grande estúdio e com grandes astros, ele não seria uma crítica anarquista às instituições, nem resolveria qualquer coisa com uma conversa educada e uma mensagem de paz e unidade de maneira transcedental. Neo, afinal de contas, é um herói de ação tal qual Stalone e tantos outros e vai salvar o mundo com muitas explosões e pancadaria.

Menos meditação sob uma figueira mais metralhadoras e kung-fu.

Talvez seja óbvio reforçar, mas, é melhor não deixar batido NEO é um anagrama para ONE, que é como o personagem é frequentemente chamado durante os filmes, mesmo que nas traduções apareça como 'o escolhido', e igualmente é um anagrama para EON e NOE, mas esse último é menos importante pois em inglês, o barbudo da arca se chama Noah, e ainda que a analogia do sujeito escolhido por Deus para salvar a humanidade se aplique, eu ainda acho que não é o ângulo que se aplica para o personagem).

Como a Oráculo lhe revela, ele não é o Messias, no entanto (só um garoto muito, muito levado) e algo mais próximo de um profeta. Como Moisés que libertaria os escravos para conduzir seu povo a terra prometida, e isso é algo que o primeiro filme faz de maneira bem pouco sútil reforçando os temas religiosos conforme Morpheus busca respostas sobre Neo, e essa é a questão mais complexa para as continuações porque elas divergem em alguns pontos sobre o que o filme original conclui.

No final do primeiro filme Neo derrota o Agente Smith - mas não apenas 'derrota', ele destroça e apaga o agente Smith da existência quando consegue superar sua velocidade e capacidade dentro da máquina, algo que, até então ninguém havia chegado perto de fazer. 

E é isso. Smith derrotado, a ilusão destruída, hora de partir para o mundo real e enfrentar os problemas bastante reais (sabe, pessoas presas às máquinas e usadas como baterias, um mundo coberto de fumaça e sem recursos naturais ou provimento de alimentação e etcs), mas o importante é focar na vitória conquistada, terminar com uma baita música e sair animado da sessão.

É um ponto de rebeldia juvenil de vencer a opressão e se impor ao homem (inclusive por isso a música de Rage Against the Machine).

Com um sucesso nas bilheterias, o filme que deveria ser único (sabe, como O Grande Lebowski ou Casablanca) recebe alguns dos acordos mais opulentos e ousados da história. Para se ter ideia, o plano era para que em 200 fossem produzidos com um orçamento de 300 milhões mais 2 filmes lançados com um intervalo de 6 meses, 1 jogo de videogame (Enter the Matrix) e uma animação (The Animatrix) que ofereceriam conteúdo complementar e exclusivo e um jogo de MMO, The Matrix Online (que acabou atrasando e saindo em 2005).

Ou seja, entre 1999 e 2003, além dos prazos de negociação e contratos, foram escritos os roteiros para CINCO projetos diferentes com suas cenas exclusivas e conteúdos únicos.

Mesmo que o Animatrix explore aspectos da construção de mundo (com histórias explicando a guerra entre humanos e máquinas ou com capítulos que exploram a situação de pessoas comuns descobrindo falhas na matrix ou qualquer outro tipo de aspecto mundano) enquanto pelo menos dois capítulos tem alguma relevância direta com os filmes (O último vôo da Osíris - que é citada nos filmes e é parte do prólogo do jogo Enter the Matrix - e A história de Kid, que é a única em que Neo aparece), e não tenha envolvimento direto das Wachowski, ainda é muita coisa para um curtíssimo intervalo de tempo.

Então como se pode imaginar, os filmes seguintes trariam contradições com o primeiro e se perderiam na condição de construir uma narrativa lógica, e mais importante, satisfatória e conclusiva (lembre bem que parte da ideia era vender a assinatura para um MMO), o que não casa com a ideia de uma conclusão definitiva e que amarre todas as pontas num belo e perfeio laço.

Trazem novos personagens que agregam pouco ou nada à mitologia da trama (como o Chaveiro, Soren - que é o personagem de Enter The Matrix - Persephone, o Arquiteto, blá, blá, blá) e mudanças nas regras que acabam fazendo pouco ou nenhum sentido. De repente Neo é de fato o Messias e manifesta seus poderes no mundo real. De repente Smith consegue fazer um 'upload' e está no mundo real...

E eu sinceramente nem sei se alguma ou todos esses pontos são explicados em algum dos outros zilhões de projetos paralelos. Se em Enter The Matrix ou no jogo de super trunfo explicam qual o papel do Chaveiro ou como Smith faz o upload de sua consciência para o mundo real, mas, será que realmente importa? Eu acho extremamente pretensioso que seja necessário material complementar para explicar falhas de roteiro.

Inclusive nem muda muito, são meros complementos porque os filmes Reloaded e Revolutions não trazem assim tanto no quesito história. Após derrotar Smith, não é como se Neo liderasse toda uma complexa estrutura de exércitos para garantir a derrubada sistemática das máquinas e libertação do povo... Só que essa é a trama de Duna 2, não dos dois filmes de 2003...

Neo volta para a Matrix para brincar de Superman, surrar centenas de clones do Agente Smith, se perder numa estação de trem e encontrar um sujeito que faz alguém ter um orgasmo com comida enquanto personagens sem graça vão aparecendo aqui e acolá para expor filosofia barata de boteco e uma pretensa ideia de narrativa ou escolha (de que Neo precisa escolher entre salvar a humanidade ou Trinity, por exemplo) para de maneira bastante anticlimática o filme terminar com Neo se sacrificando para salvar a humanidade após propor um acordo com as máquinas (que nunca fica muito bem explicado o que significa ou como funcionaria), o que talvez seria melhor explicado/desenvolvido no MMO ou algum dos muitos projetos que estavam engatilhados caso as cifras fossem melhores talvez.

Enquanto parte da história se passa 'no mundo real', esses segmentos parecem não carregar nenhum peso e são mais artificiais que as partes da história que se passam na interface da Matrix. E, como eu já mencionei, essas barreiras inclusive se borram quando Neo no mundo real manifesta poderes ao mesmo passo que o Agente Smith aparece no mundo real. 

Olha, eu não sou fã das continuações e continuo achando que são ruins e o Resurrections de 2021 é mais interessante (talvez não que o Animatrix, mas aí é outra história), e sei que o Resurrections traz toda uma série de mudanças na história e rearranja o que lhe é conveniente para construir uma continuação quase 20 anos depois do último filme lançado (e após um longo e turbulento período na vida, tanto pessoal quanto profissional, das diretoras).

O que muda no final das contas?

Pouca coisa na verdade. O final de Revolutions (que é o terceiro filme) nos coloca basicamente na mesma condição que o final do primeiro Matrix: Smith derrotado, a ilusão destruída, hora de partir para o mundo real e enfrentar os problemas bastante reais (agora com a libertação de todo mundo após o sacrifício de Neo).

Resurrections parte para uma visão revisionista (bem) mais meta (criticando a Warner justamente por tentar relançar uma franquia e todas as imposições de múltiplos lançamentos produzidos no passado) e tanto ignora pontos dos filmes anteriores como os recontextualiza. A ideia, menos de rebeldia juvenil e mais de crise de meia idade (algo que parece o padrão dos quartos filmes de franquias) coloca Neo e Trinity enfrentando seus criadores (ou o 'analista de mercado') e estipulando que agora será do jeito deles.

Dadas as circunstâncias, faz sentido.

Em 2003 com tantos projetos simultâneos, a coisa toda acaba sob um cobertor curto dividido por inúmeras pessoas (cada uma puxando - ou tentando ao menos - o máximo possível para si próprio), e acaba perdendo os propósitos justamente para reforçar questões mercadológicas que visavam otimizar lucros acima de contar uma boa história.

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