Eu não gostei da primeira temporada, e por milhares de motivos e eu realmente não queria comentar sobre a segunda temporada por motivo algum, mas é tamanha a desonestidade intelectual que me enojaria ficar calado sobre algo tão grotesco.
O resumo é que Silvio é foda e o resto é bosta. Todo mundo persegue o coitado do maior empresário do planeta, todos os invejosos do mundo querem acabar com ele e ele enquanto microgerencia cada aspecto de suas empresas e tem TODAS as ideias multibilionárias que surgem (e são literalmente TODAS brilhantes, geniais e originas), curiosamente ele nunca sabe de nada quando as coisas dão errado e obviamente são culpa de todo mundo (desses invejosos pilantras que querem acabar com ele) menos dele.
Existem dois pontos que são abissais e me chamam bastante a atenção no material, por pior que seja. Um é o anacronismo conivente e conveniente, reestruturando fatos sempre que seja mais coerente para a narrativa que quer construir. Não é novidade nessas obras pseudo-biográficas que vem surgindo em massa nos últimos anos, mas, vamos combinar, é bastante problemático quando a conclusão que você chega ao final do material é aquela do parágrafo anterior.
Os anacronismos aqui se avolumam e tornam a coisa ainda uma bagunça ainda mais sem sentido (se isso for possível). Por exemplo, a situação da entrevista de Gugu com o PCC foi em Setembro de 2003, no entanto na série ela é apresentada como algo praticamente simultâneo ao sequestro da filha de Silvio (que ocorreu em Agosto de 2001, dois anos antes), e, é justamente a condição do sequestro que é dado como justificativa para o rainho da sucata não saber do que ocorreu na falsa reportagem. Sem o anacronismo, bem, qual a desculpa do dono do Baú para não saber de nada...?
Inclusive esse vórtice de eventos circundando o sequestro traz outro anacronismo de que ao final do evento Silvio anunciaria/"criaria" a Casa dos Artistas (ainda que essa é tão forçada que a própria série reconhece que o maior usuário de Karina para perucas do planeta realmente plagiou a ideia depois da criação do Big Brother estrangeiro).
Ah, e também Gugu abandona a emissora logo após o evento (como um traíra covarde porque teve a repercussão negativa da entrevista com o PCC e a filha de Silvio recebendo enorme atenção das câmeras). Só que Gugu fechou contrato com a Record só em 2009 (que é bem mais perto do escândalo do Pan Americano de 2010 que do sequestro - de 2001 - ou da entrevista do PCC de 2003) bem depois dos eventos ali retratados, mas curiosamente nisso tem ali outro anacronismo bizarro que a temporada toda parece denotar com os jurados do Show dos Calouros como essa gigantesca e unida família sempre valorizada por Silvio Santos e etc e tal (inclusive assistindo ao transcorrer na emissora). O programa havia encerrado em 1992 (quase dez anos antes).
Aqui vale o destaque porque o Big Brother Brasil teve sua primeira edição em janeiro de 2002 (com base no programa de enorme sucesso criado na Holanda em 1999) - e obviamente devido a toda a situação de contratos e estrutura necessárias, o projeto já estava em andamento há algum tempo (toda a questão de cenários, os contratos de participantes e as estruturas necessárias para que a coisa toda funcione), não teria o responsável pela distribuição tentando negociar ainda em agosto de 2001 com a estreia prevista alguns meses depois (só reforçando na Globo em janeiro de 2002).
E também porque a A Casa dos Artistas estreou em outubro de 2001 (o que, novamente, exigiria mais que dois meses de planejamento e criação para produzir algo assim), algo que não é diferente dos inúmeros plágios da carreira do apresentador da TVSS (Heil), como o 'Show do Milhão' (1999) copiando o "Who wants to be a millionaire?" (Tradução livre "Quem quer ser um milionário?" 1998) ou o Roda a Roda/Roletrando (1992) imitando claramente o Wheel of Fortune (Tradução livre "A Roda da fortuna" 1990). Tudo minimamente "distinto" para gerar alguma alteração legal que permita não pagar royalties aos criadores dos shows.
Isso inclusive leva ao segundo ponto das constantes e inúmeras alterações nos nomes de pessoas e empresas para versões minimamente distintas para gerar alteração legal (e evitar algum processo creio eu) para que não permita identificação das pessoas. Como a MTV passando os Piores Clipes com o Marcos Mion (sem o Marcos Mion) ou a empresa anunciante que tem seu nome alterado, ou o grupo empresariado por Gugu... Quer dizer, eles podiam ou excluir esses pontos da história (e vários outros deles, diga-se de passagem para focar somente nos pontos principais) sem a mínima necessidade de criar personagens fictícios ou alterações distintas e contar histórias mais pertinentes, ou, e isso é importante, citar as histórias sem destaque para as versões minimamente distintas. Inclusive, e eu acho isso incrivelmente importante, porque a forma como a série retrata tanto o Gugu (que eu citei várias vezes) como o Roberto Marinho caberia ao meu ver um processsinho de calúnia ou difamação se fosse o caso, então qual o problema pra não citar outros nomes (como do conjunto musical já citado).
Falando que uma empresa queria cancelar os contratos de publicidade - sem mencionar que empresa é essa - ou que o Gugu era empresário de um grupo - sem citá-lo por nome. Mas, tudo isso exigiria honestidade que eu acredito que nesse ponto no texto (falando sobre a segunda temporada de uma série que idolatra cada furúnculo de Silvio Santos como se fosse a Monalisa) já ficou claro que não é nem de longe algo do qual os criadores desse material seria capaz de demonstrar nem minimamente.
Eu sei, eu poderia focar somente nos anacronismos e desonestidades intelectuais sem dar qualquer mérito ao material (e que fique claro, estou fazendo isso) mas é preciso entender que mesmo com as liberdades narrativas para criar algo mais emocionante narrativamente, isso ainda é parvo.
A série idolatra o objeto de sua narrativa e não consegue reconhecer de maneira objetiva o propósito de uma biografia (mesmo que ficcional) que não é criar um herói mítico e inigualável mas ao contrário demonstrar o lado humano por trás da figura pública, e para isso demonstrar suas falhas e seus fracassos na vida pessoal e como a pessoa lidou e agiu diante destes percalços, humanizando assim essa personagem.
Quando é só masturbação para afagar o ego do objeto da biografia, bem, temos O Rei da TV, e se existir qualquer justiça só podemos torcer para que duas temporadas seja toda a longa vida que esse fiasco receba.
PS: Sim, eu sei que algumas semanas atrás eu resenhei a biografia de Buda de Osamu Tezuka de maneira razoavelmente elogiosa (mesmo que com os mesmos defeitos de anacronismos e inserções de figuras e personagens que não fazem parte do contexto histórico). No entanto, e isso é importante, vale destacar que enquanto aquela obra é sobre uma pessoa que pode ou não ter existido e fundou uma das religiões mais importantes da história, o material destaca vários defeitos e falhas de caráter do protagonista (o que é bastante difícil quando se considera que apontar falhas de caráter de líderes religiosos geralmente provoca a ira de seus seguidores).
O seriado em questão retrata a vida de um empresário corrupto que passou a vida tentando se passar de brilhante e genial para passar a perna em mais algum incauto, e o personagem principal é retratado com muito maior reverência que Buda na obra com seu nome. Preciso continuar?
PPS: Não relacionado à resenha aproveito para deixar o aviso a quem acompanha o blog que o Mês de Maio será diferente de toda essa onda de resenhas negativas e só de material ruim. Pelo menos durante maio serão 4 resenhas de material recomendado de se assistir ou ler... Pelo menos um mês ao ano para limpar o paladar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário