Existe uma dessensibilização muito comum em nossa sociedade que é assustadora e que, é bem provável, só nos atinja com uma epifânia quando conseguimos quebrar o abusrdo disso tudo. Talvez você já tenha percebido isso com os dois anos da 'guerra' em Gaza (em que só um lado ataca com um número gigantesco de destruição e óbitos civis, inclusive depois do acordo de cessar fogo) mas pra muita gente que eu conheço parece difícil perceber qualquer coisa além de nosso mundinho, além do que nos está próximo.
Talvez seja a correria do cotidiano que nos deixa perdidos e apáticos (e sim, isso é proposital), mas eu acho que existe algo mais feio nisso que está ligado numa parte ao nosso egocentrismo, e se algo não me afeta diretamente, porque eu deveria me importar?
Isso acontece de novo e de novo, e, em grande parte porque existe uma parte de nossa sociedade que quer vilanizar a empatia, e, nem mais tenta esconder que isso é parte de sua agenda, o que, curiosa e ironicamente geralmente tem em suas lideranças pessoas que se declaram cristãs (porque afinal de contas o Cristo bíblico é o maior sociopata que não se importava com os outros, certo?).
No entanto, não é difícil que percebamos nas repostas e reações das pessoas como às vezes os circuitos estão cruzados. Nessa semana mesmo, não foi difícil ouvir gente defendendo a ação do governador do Rio de Janeiro justificando que o nosso problema são efetivamente os traficantes e, por conseguinte, a solução seja exterminá-los tal qual baratas.
Certo que essa não foi a reação quando, um mês atrás, descobriu-se a vasta conexão entre a Faria Lima e o PCC, e, não acredito que alguém enxergaria como justificável que a polícia militar subisse os prédios luxuosos dessa avenida distribuindo pipoco e cada engravatado, e, inclusive como tudo isso está conectado com o uso do metanol nas bebidas que levaram a diversos óbitos no estado de São Paulo. Tampouco imagino que seria a reação para cumprir um mandato contra Pablo Marçal desviando milhões em uma "ONG" ou pela sua responsabilidade em uma morte ou qualquer outro dos dezenas de crimes cometidos pelo canalha.
Não que seria justificável matar esses engravatados canalhas mais que os traficantes (ainda que, honestamente não acho que seria menos sob nenhum motivo), mas, será que não estamos olhando sob a situação de uma perspectiva errada de novo e de novo?
E ainda que seja claro que a resposta para os últimos parágrafos seja 'racismo' (sim, sobe-se o morro ou desce-se a serra atirando e acumulando corpos no caminho porque são cadáveres negros e pardos, mas não se faz alegadamente isso na alegada Faria Lima ou contra o alegado Pablo alegado Marçal que alegadamente tem capital - pois como destaca meu advogado, no caso deles é tudo alegadamente) e você já viu isso de novo e de novo. O criminoso rico inclusive tira fotos com os agentes da polícia depois de disparar repetidas vezes (e até jogar granadas - mesmo que, sob nenhuma circunstância poderia ou deveria manter tamanho arsenal em seu domicílio, inclusive sob prisão domiciliar como estava) e alvejar alguns dos agentes.
Quando é um jovem negro assassinado (mesmo que por acidente) ele é culpado e faz-se dancinha de CPF cancelado. Quando um bandido branco e rico é assassinado, alegadamente ele talvez fosse culpado de alguma coisa. Na verdade, se é indiciado toda uma classe se manifestará em apoio e solidariedade ao bandido rico pelas acusações terríveis e difamatórias (do crime que ele cometeu, sabe, como com o Leonardo e a "ALEGAÇÃO" de trabalho escravo).
Então tem que matar o traficante pobre e negro na favela do Rio (mesmo se ele nem for traficante e só estiver passando na rua e cuidando da vida no momento da ação policial), mas defender a morte do Leonardo (cuja esposa "DEVOLVEU" uma criança para adoção) ou do Pablo Marçal... Que tipo de monstro é você? E para deixar bem claro antes que alguém tire completamente o contexto disso, eu não estou defendendo a morte (nem alegadamente e nem não alegadamente) dessas pessoas, mas, de nenhuma dessas pessoas.
É para isso que existe o processo legal, e, parte do processo legal envolve o julgamento e o aprisionamento - não o óbito, que, diga-se de passagem não é cogitado como punição no sistema legal brasileiro (e, eu gostaria de deixar bem claro, esse tipo de visão de que a solução é o sujeito armado que atira primeiro e faz perguntas depois, e, justamente por isso é a reposta e solução está muito cimentado na cultura popular desde John Wayne nos anos sessenta passando pelo John McClane e Justiceiro dos anos 1970 e 1980 - e, continua algo intrínseco e comum no inconsciente coletivo e ser um clichê).
Sem dúvidas a operação foi um desastre (sem cumprir seu objetivo - que era de capturar uma pessoa específica - com uma apreensão ridícula de bens e armamento e com um derramamento abissal de sangue de vítimas, que, diga-se de passagem já começou a pulular que haviam muitos civis e inocentes no meio) e mais de uma pessoa já apontou sobre o quanto ela foi um desastre em comparação com operações muito melhor planejadas pela PF (como aquela da Faria Lima que além de todo o montante bloqueado do PCC, ainda conseguiu o trunfo de expor muita da falcatrua de lavagem de dinheiro das 'empresas' que o mercado tanto defende nessa tão mencionada avenida de SP).
Uma ação populista (como tantas que a direita adora defender) para fingir que se é "duro" com o crime quando na verdade os verdadeiros culpados estão livres, incluindo o alvo da operação, enquanto jovens negros inocentes que tiveram o azar de estar no lugar errado na hora errada, agora sequer lhes é permitida a condição de sua memória ser preservada conforme são difamados e caluniados por gente escroque e bandida como o mais de uma vez condutor bêbado (assassino e claro que cidadão de bem, né?) Gustavo Gayer ou o primo traficante (que curiosamente mandou muito dinheiro para ele - alegadamente) Nikolas Ferreira.
Inclusive nossa indignação é seletiva e logo se apaga (parte do motivo do título desse editorial). A 'história' termina abruptamente e cortamos para outro segmento fingindo que isso explica e conclui tudo ou, se eu tenho que ser realmente franco, conclui qualquer coisa.
Talvez, no fim do dia, só conclua nossa apatia e cansaço cada vez maior, cada vez mais próximo do burn-out a nos destituir de nossa humanidade.
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