Vamos lá: O Papa Terrível é uma leitura díficil que eu não recomendo para ninguém.
Alejandro Jodorowsky escreveu em parceria com Milo Manara a história do Papa Rodrigo Bórgia, que, entre suas críticas tem o fato que ela é um tanto leve (na violência, nudez e outros aspectos), enquanto tenta manter uma perspectiva mais acurada do ponto de vista histórico. Honestamente eu não acredito que substitua qualquer obra acadêmica tanto quanto complemente ou ofereça uma boa porta de entrada para o assunto, e eu concordo com parte das críticas, sim.
Rodrigo Bórgia tinha dois filhos (Lucrécia e César), ambos que tiveram grande papel na história do papa Alexandre VI, incluindo o fato que Lucrécia era usada como moeda de barganha através de casamentos para garantir e consolidar poder pelo 'amor' enquanto César comandava o braço militar da família para igualmente garantir e consolidar poder pela 'dor'. É uma história fascinante, com diversos aspectos difusos, e, eu acredito que o trabalho acaba cobrindo parte dos aspectos mais importantes da história de maneira mais leve e rasa para cobrir mais terreno e história.
Ainda que falte um pouco do erotismo do qual Manara seja grande nome, e a violência seja bastante moderada, honestamente a história funciona e o material vale a pena com toda a certeza.
Ok, mas aqui estamos falando do outro trabalho que eu não vou chamar de continuação, ou tratar de continuação mas que seria tolo ignorar o primeiro/original porque parece claro que foi produzido como uma resposta ou em contraste com o original.
Parece que Jodorowsky escreve o Papa Terrível como resposta às críticas de que Sangue para o Papa foi leve em violência e nudez e traz toda a violência, nudez que ele consegue por página, o que faz a obra vazia e parva.
Enquanto eu consigo analisar Sangue para o Papa sob o pretexto histórico e com suas liberdades criativas, eu genuinamente não consigo fazer o mesmo com o Papa Terrível porque só me parecem liberdades criativas para explicar fatos históricos.
E isso não é interessante.
Quer dizer, eu sei que nas duas obras existem liberdades criativas, mas as liberdades criativas da primeira constroem personagens críveis e uma narrativa consistente enquanto a segunda oferece uma caricatura, uma chargem que se move de acordo com a necessidade narrativa (ao invés de servir à narrativa).
Por exemplo, Maquiavel aparece em ambas obras, mas enquanto enquanto ele funciona a um propósito lógico na primeira, aqui, bem, ele é um sujeito que aparece costumeira e constantemente transando com prostitutas gordas que ele chama por regiões da Itália (e, que conforme a história avança parecem se tornar maiores para que ele pareça ainda mais diminuto em relação a elas). Mais que isso, muito do que consta nessas cenas (e não apenas nelas) serve apenas para chocar, sem fornecer real desenvolvimento ou contexto.
Eu entendo o choque e as cenas chocantes como uma crítica à igreja, à hipocrisia do Cristianismo e vários outros aspectos da religião como um todo - afinal, enquanto religiosos/cristãos modernos adoram citar as "escrituras" enquanto criticam as mesmas coisas que vemos o Papa da obra pratica, e, provavelmente fariam o mesmo sabendo que ficariam impunes, ou lucrariam com isso - mas chega a um ponto de que perde qualquer impacto ou mesmo qualquer semblante de relevância.
Se torna apenas chocante pelo propósito de ser chocante.
A história se divide em quatro partes e, na primeira delas, o amante do (ainda não) Papa é utilizado como moeda de barganha para obtenção de favores políticos. Mais tarde esse mesmo amante é utilizado para praticar um assassinato, e, mais tarde, o Papa se casa com esse amante (cenas e falas chocantes aparte, mas tenha em mente que elas estão ali), o que leva a família do Papa a assassinar essa pessoa, e, todo e qualquer desenvolvimentou narrativo cai por terra uma vez que esse argumento não reverbera mais pelo resto da história (o texto até diz que o Papa se torna mais amargo, mas não é como se ele fizesse algo diferente da história até então, e não tarda para ter um novo amante).
E, sim, o Papa é gay na história, ainda que eu não veja como um ponto crítico em si, apenas pelo fato que isso se pinta de tal maneira caricata que ele não apenas é gay ou lascivo, mas uma máquina amoral, incansável e insaciável.
Nisso, a estrutura caricata distrai para os fatos relatados. Eles são verdadeiros e a história oferece uma perspectiva exagerada da história ou eles são uma gigantesca ficção que se baseia leve e minimamente nos fatos e eventos para oferecer uma analogia mais complexa e crítica real?
Veja, no segundo volume, Michelangelo (sim, o artista) é apresentado uma vez que ele é relevante para a narrativa do Papa Júlio, e responsável por trabalhar por mais de quarenta anos na construção do mausoleo do mesmo.
A história é extremamente complexa e cheia de miríades com historiadores debatendo se Michelangelo roubou dinheiro do papado e da família para a construção de uma obra que nunca foi entregue (afinal ele entrega muito menos que uma fração do projeto todo), enquanto uma outra vertente de historiadores debate que não é bem assim uma vez que ele era mal gestor de seu tempo e dos recursos a sua disposição (para dizer o mínimo, e, para começar essa extremamente complexa história, o documentário Michelangelo Santo ou Pecador é um bom ponto de início), enquanto Jodorowsky explica que o artista se tornou amante do papa (após ser estuprado na primeira vez que encontrou o líder da igreja católica) e seduzido pelo mesmo aceitou uma série de condições que seriam impossíveis de cumprir e entregar.
Tudo isso é curioso, porque, com a existência da história dos Bórgia em contraste, nada disso tem importância (pelo fato da história ser mais comedida e oferecer umas perspectiva muito mais coesa e coerente dos fatos - oferecendo assim uma analogia mais cromplexa e crítica real aos fatos). Com a caricatura tudo só se estende, repete e cansa pelo fato que os personagens não parecem nada além de instrumentos para uma caricatura.
Como disse lá no começo, não recomendo e acho muito difícil argumentar a favor quando a obra sobre a família Bórgia faz o mesmo muito melhor.
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