Se você tivesse 15 anos em 1977 quando o primeiro Guerra nas Estrelas chegou aos cinemas, eu acredito que sua experiência seria única, incrível e impressionante. Nada tinha saído que fosse remotamente como aquilo (quer dizer, remotamente empolgante, porque 2001 e diversos outros filmes de ficção sairam nos anos que o antecederam).
É provável que, com 15 anos, você cresceria empolgado com os próximos filmes e dependendo do impacto que o filme tivesse em sua vida, é bem possível que se interessasse bastante pelo universo expandido de livros, quadrinhos e tudo mais que fora lançado e imaginado sobre a franquia. Uma vez que o último filme desse período foi lançado em 1983 - e o próximo capítulo da saga sairia apenas em 1999 (quando estaria com 37, mas voltaremos a esse ponto mais tarde) - em um mundo antes da internet, a comunicação de fãs se dava através de fanzines, fã clubes e eventos organizados seja apenas para reunir estes fãs ou para reunir fãs com astros e criadores do material.
Vale destacar que até o próximo capítulo da saga em 1999, o mundo mudou bastante, e não apenas pela popularização de computadores pessoais e da internet (ou a queda do muro de Berlim e o Fiasco Irã Contra), e principalmente no que tange o cinema e entretenimento muita coisa foi surgindo, mudando e evoluindo.
No cinema existe toda uma ascenção de cineastas independentes com projetos bem mais ousados e viscerais (como Tarantino, Sam Raimi e George Miller), na tv, desde animações para adultos como os Simpsons e shows como Arquivo X (popularizando vários conceitos de ficção científica - com muito mais ênfase no científico que nos anos anteriores) e mesmo os quadrinhos com Frank Miller, Chris Claremont ou Alan Moore vinha trazendo mudanças significativas sobre o cenário que se tinha pouco mais de uma década antes.
Entre 1983 e 1999, o tom das histórias mudou e isso acaba refletindo no material que vemos. O Matrix lançado no mesmo ano que o quarto capítulo da saga Star Wars oferece um contraste quase polar oposto, com uma escala tonal bem mais básica e uma visão de mundo bem mais depressiva (e opressiva). Enquanto Neo é um messias na luta contra as máquinas tal qual Luke Skywalker na luta contra o império duas décadas antes, Neo é um personagem com muito mais falhas de caráter e bem menos otimismo, o que tende a ser uma consequência natural do amadurecimento narrativo.
Lucas, no entanto, partiu numa direção diferente buscando rejuvenescer a base de fãs de seu universo (ou ao menos apresentar-se a um público mais novo), com um filme cujo protagonista é uma criança (com um personagem de alívio cômico criado especificamente para apelar ao público infantil), e com uma trama bem mais focada em efeitos especiais coloridos e empolgantes que em um desenvolvimento de personagens e narrativas de forma orgânica, gradual e coerente (tanto que o final do filme traz o protagonista destrói uma gigantesca estação espacial simplesmente trombando como um idiota e apertando botões - em algo que poderia facilmente sair de um filme de Buster Keaton).
Esse é um ponto divisivo na estrutura dos fãs de Star Wars, bem, pelo fato que, na primeira vez desde o surgimento da série, existiam dois públicos bastante distintos assistindo aos filmes da série.
A pessoa hipotética de 15 anos quando o primeiro filme saiu e que estaria com 37 quando o novo filme saiu e as pessoas ali com 15 anos (ou até mais novas) assistindo ao novo filme da série e já em contato com uma realidade bem diferente dos fãs originais da série.
Os jovens em 1999 poderiam facilmente assistir a todos os filmes de Star Wars em VHS (ou laserdisc?) a qualquer momento antes do lançamento do novo episódio, assim como todo o material que eu citei nos parágrafos anteriores (Arquivo X, Simpsons ou filmes de Sam Raimi e companhia), ler os quadrinhos da Marvel ou Dark Horse ou jogar os extremamente difíceis jogos do Super Nintendo enquanto para o jovem em 1977, bem, ele estava diante de algo se formando e que não tinha grande precedente até então (sim, ele estava diante do nascimento dos blockbusters, mas eu já falei sobre isso).
Curiosamente, o que coloca o maior impacto ao público que assistiu ao filme em 1977, me parece o turbilhão de espectativa que foi se formando nesse intervalo, e não necessariamente a qualidade ou escolhas narrativas, ainda que imagino que os fãs tivessem muito mais espectativa por saber do futuro de Han, Leia e Luke que a origem de Darth Vadder e Obi-Wan Kenobi, ainda que os fãs também soubessem que existia um gigantesco leque de potencial histórias nesse período das Guerras Clônicas e tudo mais
Se o resultado é desapontante ou funciona, bem, sejamos honestos que essa não é uma resenha e eu não entrei no mérito de nenhum filme até o momento (com exceção do final de Ameaça Fantasma que eu ainda não consegui superar), mas é onde vemos a primeira grande cisão entre fãs da franquia, talvez até por ser o primeiro momento em que temos dois grupos distintos de fãs na franquia.
Quando em 2015, já com a Disney, a próxima fase da série toma forma com toda uma estrutura ainda mais complexa e intrincada que a anterior, passamos por mais uma cisão geracional de fãs, e, é onde a coisa fica mais bizarra, parece que é algo que a Disney parece investir ao produzir conteúdo focado para diferentes faixas etárias (com coisas como Jovens Jedis para crianças em idade pré-escolar, Rebeldes e as Guerras Clônicas para crianças mais velhas e os muitos shows para o público de adolescentes para adultos).
Aqui é onde a maior cisão, e, mais distinta se forma.
Os fãs que cresceram com os filmes de 1999 em diante, assim como os fãs originais da série, se deparam com uma mudança tonal gigantesca no produto que elas conheciam, e, para alguns destes, essa foi a primeira vez que elas perceberam efetivamente que era um produto que elas estavam consumindo.
Com o volume gigantesco de produtos da saga aumentando esponencialmente (a cada semana), e o tom desse material partindo para todos os lados, bem, é mais do que fácil de entender que alguns se sentiriam menos apreciados que outros na fila do pão.
E eu entendo que a Disney se importou menos com os fãs antigos (que tinham 15 anos em 1977 e estariam com aproximadamente 53 agora) do que com seus filhos e netos, mas, isso não é segredo pra ninguém, a Disney é uma empresa, e, portanto se importa mais com os acionistas e balancetes trimestrais que com seu público e clientes (e não importa quanto material terrível sobre 'o jeito Disney de encantar' queiram fingir que é diferente), e, eu nem acho sob a menor perspectiva que Lucas tivesse qualquer perspectiva diferente...
Quer dizer, ele não tinha o distanciamento que o CEO engravatado da Disney que precisa se preocupar com o resultado do balancete trimestral (e espremer outras quatro ou cinco franquias no processo), mas ele também precisava se preocupar com o balancete trimestral (a diferença é que o material era dele e por isso mais pessoal).
Isso nos coloca no estado atual de Star Wars com novos shows e materiais que deveriam ser empolgantes - mas que o público parece somente reclamar - enquanto cada vez menos parece haver qualquer coesão entre os grupos de fãs.
O resultado uma franquia que se aproxima de meio século se espalhou para várias direções desagradando muitas pessoas no processo enquanto, bem, ficamos a nos perguntar se ainda existe algum ponto para histórias em uma galáxia muito, muito distante.
Curiosamente, sob a Disney a franquia tomou rumos bem mais ousados que em todos os quase quarenta anos anteriores (mesmo se o resultado final não fosse de todo interessante, bem construído ou coerente com todo o restante da franquia). Rian Johnson tentou fazer sua "Lição de Anatomia", mas acabou com uma tentativa frustrada de injetar novo ânimo e recontextualizar um universo de maneira mais adulta e complexa, e, ele não foi o único (O Mandaloriano também padece desse mal), e, temo que esse seja o grande dilema corporativo que impede a franquia de efetivamente seguir em frente: "Como continuar a produzir conteúdo intrigante e fazer rios de dinheiro simultaneamente?"
É um dilema extremamente complexo, principalmente porque geralmente a palavra "integridade" que é necessária para a primeira parte da equação (produzir conteúdo intrigante) é algo que não deve existir para a segunda (fazer rios de dinheiro), então a questão toda pende sob um precipício tentando equilibrar aspectos demais sem nada cair.
{Editado 05/05} Mas é algo possível, no entanto. Franquias longevas como Doutor Who ou Batman conseguiram encontrar e se reencontrar com o público após hiatos e a troca de times criativos.
É importante para isso que as empresas controladoras da propriedade intelectual enxerguem algo mais que cifras e sim o potencial para contar histórias que engajem o público de maneira significativa (o que geralmente significa dar voz e espaço para fãs e gente realmente engajada com esses produtos para ter a oportunidade de contar suas histórias e não apenas engravatados produzindo projetos no modo automático para gerar receita). {/Fim da edição}
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