A suspensão da crença ocorre quando o espectador/leitor aceita o universo ficcional e sua lógica interna, algo que facilita ou dificulta de acordo com o meio. Sabe, é mais fácil aceitar que um coiote de desenho corra através de um penhasco e perceba na metade do caminho que não tem mais chão sob seus pés, e de repente a gravidade volta a funcionar. Isso no entanto não funciona tão bem com versões mais realistas (sabe, como o Rei Leão da Disney de 2019). O motivo disso é que com animações é mais fácil aceitar que as regras sejam diferentes daquelas do mundo real, e por isso mais fácil suspender a crença, enquanto a proximidade maior do mundo real faz com que avaliemos com maior proximidade da mesma lógica e práticas de nosso mundo real (fica mais difícil aceitar um coiote encomendando produtos ACME para perseguir um bichinho como o de acima, não é verdade?). Isso é um efeito de imersão.
Quanto mais caricata a construção e imagem, mais fácil aceitar nela o absurdo, mas não significa que seja impossível que num contexto realista seja impossível. Spielberg manda lembranças ao criar alienígenas que fazem bicicletas voarem (com o poder do amor) ou dinossauros (de épocas diferentes) correndo ao lado de humanos em um parque - mas nem é necessário falar dele quando temos Escher ou Magritte. Nem isso somente, pois o humor ou o tom mais cômico também permite expandir essa construção mais caricata em condições que, bem, um material sério e sisudo talvez não consiga (é onde Monty Python funciona mas não naquele dos bonecos de Jim Henson cometendo assassinatos e fazendo sexo).
É possível construir um contexto em que o real e o absurdo se encontram, só exige uma habilidade, que, bem, não é qualquer um que possui.
Algo que é facilmente visivel quando se produz um material a toque de caixa para agradar investidores e acionistas e, bem, é algo que chega aos cinemas de novo, de novo e de novo (para agradar trimestres e balecetes contábeis bem mais que aos fãs e o público).
E exemplos não faltam tanto de um dos pontos como do outro (de tom e suspensão de crença), funcionando ou não. Isso vale para quase todo tipo de adaptação imaginável (de Akira cortando as gorduras desnecessárias para fazer um filme mais focado ou mesmo os X-men perdendo seus uniformes - e muitos de seus poderes e efeitos especiais por restrições orçamentárias).
Quando falamos de adaptações o ponto chave é encontrar o equilíbrio entre levar um material para as telas de maneira a se manter fiel à fonte, mas, tão importante quanto respeitando o meio onde ele está. A transição entre quadrinhos e animação é quase nula, no entanto para encontrarmos atores reais fazendo as mesmas coisas (seja que a animação, seja que a versão estática) fica mais difícil de maneira coerente. Cenas de luta demonstram isso claramente (vide Cowboy Bebop vs Cowboy Bebop da Netflix), mas não só isso. Droga, quase todas as adaptações do Batman tiveram essencialmente o mesmo problema em construir um traje que seja fiel aos quadrinhos e funcione (o que geralmente fracassa nas cenas em que o ator de fato precisa se movimentar com o traje no set, afinal ele acaba parecendo duro e pouco funcional).
O compromisso é importante para manter o material fiel ao original enquanto conta a história baseada no mesmo (até porque não há sentido em uma adaptação ipsis literis quando você pode simplesmente conferir o original).
Dito tudo isso, vamos deixar bem claro que os fãs babões não vão se importar muito desde que seja algo mais fidedigno ao material de que gostam do que algo realmente interessante e com maior apelo ao público maior. Veja os fãs do Snyderverso... Droga, eles ainda insistem que quatro horas da versão de seu messias Zack são melhores que, bem, qualquer filme realmente bom.
Aí não importa nada que o roteiro é ruim, que a atuação não funciona ou que o tom não é coerente com o conteúdo.
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