E enquanto eu reli o Cavaleiro das Trevas várias vezes nos anos seguintes e fiquei aficcionado pelo trabalho de Miller sempre interessado em ler outras histórias como sua fase no Demolidor e, bem, suas outras histórias com o Batman e Demolidor, eu realmente não consegui ler Elektra Assassina enquanto um adolescente. Eu sei que a arte de Bill Sienkiewicz é impressionante e fantástica, mas, verdade seja dita, é um desafio generoso diante dos quadrinhos mais tradicionais e artistas como John Romita, Jack Kirby ou mesmo os brilhante David Mazzuchelli (grande parceiro das obras de Frank Miller tanto com Batman como com o Demolidor), e para um adolescente mal lidando com seus hormônios e acne, não era algo que eu realmente conseguia ler ou digerir de maneira natural. Era pesado e difícil de ler, com uma estrutura descompressada e narrativa complexas e a arte de Sienkiewicz complementava a um ar psiscodélico tanto numa atmosfera de pesadelo e terror como numa cenário de sonho e irrealidade.
Por quase vinte anos eu não tentei ler novamente o material - me desfiz do encadernado na primeira oportunidade e não olhei para trás - até que recentemente encontrei o encadernado em versão kindle por uma promoção considerável e pensei 'Ei, porque não? Eu paguei bem mais caro em material bem pior' (pelo menos eu pensei antes de ler o material), e, bem, porque não de fato.
Tudo bem que até começa bem, com as duas primeiras edições em que Elektra está confusa e tentando ligar os pontos dos eventos (o que inclusive justifica a estrutura desconstruída da narração), e enquanto a personagem relembra sua origem, onde está e o que está fazendo, vão se desfraldando fatos (sobre o assassinato do presidente de um pequeno país da América Central e como há a presença e interferência da organização de espionagem da Marvel, a S.H.I.E.L.D.) e esse começo com uma estrutura de gato e rato entre Elektra e o agente responsável pela sua captura é bastante interessante, e, diria até que bem construída por Miller.
A cena em que a perspectiva é focada no agente conforme ele percebe que Elektra está avançando para atacá-lo é muito bem construída e realmente eleva o material num dos melhores trabalhos escritos por Miller, pau a pau com A Queda de Murdock.
No entanto, de uma história em que uma agência de espionagem tenta caçar uma (ninja) assassina confusa e dopada que não se lembra de sua identidade (sabe, basicamente um filme do Bourne) rapidamente degringola para profecias ninjas envolvendo deuses profanos prestes a reencarnar comandando o principal concorrente às eleições dos Estados Unidos (que nós sabemos que é maligno porque recebe o apoio de grupos de homossexuais - e eu juro que isso está na hq) e um programa de clones ciborgues assassinos da agência de espionagem (que está caçando a ninja assassina) para impedir uma profecia do renascimento de um deus profano de um grupo milenar de ninjas assassinos místicos de algum lugar não denominado da Ásia.
O que, no estilo de Frank Miller (já na época, como ele tanto faria com Sin City) terrivelmente confuso entre sarcástico e genuíno, que afinal de contas, era a marca de seus outros trabalhos (sarcástico com O Cavaleiro das Trevas e genuíno com Ano Um ou A Queda de Murdock). O problema é que ao tentar mesclar ambos em uma única obra, bem, temos algo que é o precursor do que veríamos de novo e de novo nos projetos do autor, uma execução confusa que se perde no meio do caminho entre as duas vertentes, e não consegue funcionar efetivamente em nenhuma delas.Verdade seja dita, é a primeira vez em que Miller tenta muito fazer algo que está muito além de sua capacidade de escritor. A série começou sua publicação em 1986 (a primeira edição saiu um mês antes da primeira edição de Watchmen, no entanto Alan Moore já vinha construindo um nome e grande reputação com séries como Monstro do Pântano nos anos anteriores), e a ideia do selo Epic da Marvel era de produzir material mais adulto - como o mercado vinha demandando tanto com a ascenção de Moore como com outros materiais similares por editoras menores ganhando maior expressão - ou seja algo autoral e independente.
O que acontece é que o autor tenta produzir um material muito mais complexo do que ele estava acostumado, e como a trama de alguns paragráfos atrás já sugere, o material pouco ou nada se esforça para ligar os pontos ou produzir algo interessante e coerente. Ninjas assassinos e ciborgues psicóticos com uma profecia para o renascimento de um deus profano, tudo isso funcionaria se estivessemos diante de um material mais cômico ou satírico, que não é o caso.
Na primeira edição se sugere que Elektra foi molestada enquanto criança, ao passo que também mostra uma realidade de eletrochoques de um sanatório onde está internada e antes das profecias e ciborgues a trama tem um tom mais sério e coeso. O tom vai mudando nas demais edições (e não só ele, pois os próprios personagens passam por considerável mudanças) e ao final, além de Elektra deixar de ser a protagonista da história (aparecendo cada vez menos, falando cada vez menos e em uma edição específica passando todo o tempo em que aparece nua/semi nua entre banhos e lençois), ela vai ficando cada vez mais bizarramente poderosa. A ninja assassina se torna a ninja assassina com poderes psíquicos (Psylocke antes dos X-men?) capaz de criar ilusões e manipular a mente das pessoas, além de trocar as mentes para outros corpos (isso mesmo, nem vou tentar entender porque diabos isso), e Miller parece querer migrar para algo mais sarcástico e ridículo trazendo diversas cenas nessa natureza (como o atual presidente dos EUA retratado como um sujeito pequeno e ridículo falando grosso mas nunca sendo levado a sério), no entanto essa mudança de tom não faz sentido com o que veio antes ou mesmo vem depois.
Tudo é uma bagunça (narrativa, estilística, estrutural) e nada funciona efetivamente, mas como já sugerido, envelhece mal e expõe bastante as rugas, com um Frank Miller já produzindo material politizado (o vilão é "curiosamente" o candidato democrata - apoiado por grupos de homossexuais e que critica a postura imperialista norte americana em países da América Central, como aquele onde Elektra comete o primeiro assassinato da série, mas não é só nisso, pois existem as críticas a psicologia/psiquiatria em dado momento também) e ao final, bem, o saldo é bem mais negativo que positivo. Não ajuda ainda o fato que existe um estilo altamente verborrágico (creio até que os autores na época ganhassem por palavra escrita) e que muitas vezes repete informações (gastando duas ou mais páginas recontando os eventos das edições passadas por exemplo).
A arte se salva, claro, ainda que acabe algo incongruente e desconexo (pois caberia ao roteiro ligar os pontos), e a primeira e até a segunda edição são bem interessantes, mas depois é ladeira abaixo terminando num ponto ridiculamente baixo e estúpido (com um salto de quatro meses entre as edições 7 e 8 sem motivo algum, além do roteiro não oferecer nada de minimante interessante para isso).
Vale mais pela curiosidade que qualquer outra coisa.
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