Em 1988 um filme de Jean Claude Van Damme chamado "O último Dragão Branco" (no original "Bloodsport") e por mais que tenha influenciado a criação de Mortal Kombat, de torneios de luta como o MMA e outras ramificações teoricamente aleatórias e sem consequência direta, o importante nessa história é que ao final do filme surge na tela um pequeno texto dizendo que a história se baseia em fatos reais.
Van Damme interpreta Frank Dux, em quem esses fatos reais são baseados, o que é bastante curioso quando consideramos que o militar Frank Dux nunca deixou os Estados Unidos, e a totalidade do filme se passa em Hong Kong onde um torneio de arte marciais clandestino acontece. Então... Quais são os fatos reais além do nome do protagonista ser o mesmo do militar americano...?
Essa questão, que vai se repetir vez após vez com narrativas semirreais (incluindo a bem recente biografia do príncipe Harry alegando que matou mais gente no Afeganistão que Rambo mas que ocorre com enorme e constante frequência na necessidade de autoadulação de [pseudo]celebridades contando suas histórias de vida). Ponto notório é que estamos falando aqui de ficção e obras de ficção baseadas em trapaceiros e contadores de história que engradecem seus feitos para justificar contratos de publicação e o embelezamento de biografias não necessariamente se enquadra como 'notícia'. Quer dizer, em tese, biografias são trabalhos que deveriam ter um mínimo de crivo de pesquisa para fins não apenas jornalísticos mas informativos, mas, ei, não é como se qualquer moleque youtuber de quinze anos pudesse escrever uma biografia, né?
Bem, só que não se restringe a isso e você provavelmente já está imaginando nesse exato momento de alguma bobagem que é dita e repetida como se fosse verdade ou fizesse sentido, como que usamos somente 10% de nossos cérebros (curioso como é uma medida exata e precisa, no entanto ninguém consegue citar a fonte de onde tirou essa informação - ou quando foi realizado tal experimento, ou como) ou, e essa é uma favorita minha, de que alguém detém "memória fotográfica" e portanto consegue acessar em sua memória todo tipo de informação em uma fração de segundos pois retém conhecimento tal qual uma esponja (curioso que geralmente ninguém repara que existem duas analogias diferentes para explicar algo que obviamente não tem como funcionar dessa forma - se existir).
Claro que podemos citar o exemplo do lobby do cigarro passando décadas tentando convencer as pessoas de que a correlação entre câncer e cigarro é meramente tênue e pouco provável ou hoje em dia outros lobbys (mas principalmente dos combustíveis fósseis) quer te convencer de que a terra é plana para mostrar que sabemos tão pouco sobre ciências que se torna virtualmente impossível acreditar e aceitar as abissais evidências de que a ação da humanidade no uso de combustíveis fósseis vem causando mudanças climáticas. Afinal, se você não pode confiar em fatos científicos sobre o formato do planeta, como confiar na análise científica sobre a ação humana influenciando o aquecimento da mesma?
Notícias falsas são algo diferente e contraditório, diga-se de passagem. Se é falso, como pode ser notícia, em primeiro lugar? No máximo noticioso, afinal, devido a constrições de tempo e condições é possível de se noticiar notícias mentirosas ou menos não vinculadas diretamente com os fatos, e é justamente por isso que jornais de papel tinham a coluna "Erramos" ou "Errata".
E, é verdade, a tal 'fake news' é apenas uma maquiagem para uma série de coisas que já conhecemos e temos vários nomes para. Boatos, rumores, desinformação, fontes pouco confiáveis e golpes (sabe como as empresas de 'marketing multi-nível' que dizem que não são pirâmides?) e falcatruas, todos constituem de uma forma ou de outra a estrutura das notícias falsas.
Parte do problema das notícias falsas hoje em dia reside justamente no fato que, e isso é bastante importante, um boato que sempre se espalha com enorme velocidade e facilidade chega com muito maior velocidade devido a tecnologias como twitter e whatsapp... Ao contrário dos jornais de papel, no entanto, não existem sessões de errata no passarinho azul ou no balãozinho verde.
Mesmo que um idiota bem intencionado diga algo mentiroso - e se corrija alguns minutos depois - o boato e a mentira já se espalharam como fogo por palha seca, e a verdade minutos após não seguirá o mesmo caminho.
De outro lado existe o 'entretenalismo' ou 'jornatrenimento' que se tornou em grande parte a condição da mescla de notícias e entretenimento como notícias e ferramenta do constante ciclo de notícias de 24 horas (assim como as programações de 24 horas da televisão moderna). Como o programa da Fátima Bernardes (lembra, que cobriu a notícia do Homem Pateta?) e outras variedades e ramificações do mesmo tipo de material chegando aos extremos de Ratinho, Datena e os mais profundos esgotos (onde provavelmente haverá um alçapão) com Luciana Gimenez, Sikera Jr e com certeza muita coisa pior ainda por vir (afinal eu nem falei dos 'comentaristas' como Rodrigo Constantino que nada tem a acrescentar além de um bilioso e asqueroso desfile de ódio nojento a asqueroso disfarçado de opinião - que ele só não diz de quem).
Curiosamente, esse entretenalismo já iniciou a tendência de divulgar mentira e não se corrigir, e, mais importante, de singrar a linha fina entre o que é real e fantasia muito antes de Nathan Fielder, ou você de fato acredita que as pessoas que vão ao palco do João Kléber ou Cristina Rocha se humilharem e espancarem em rede nacional não são atores (amadores ou nem isso) pagos para se sujeitarem ao escárnio e ridículo - e são de fato pessoas expondo terríveis problemas e celeumas em rede nacional por nada mais que o direito de se expor em rede nacional...?
Então talvez a grande questão que devamos nos fazer efetivamente, e, isso é importante: E agora?
Devemos punir e combater fake news e quem as propaga? E como?
Eu, pessoalmente, acho que nenhuma ferramenta para isso funciona(rá) efetivamente, e as provas para suportar esse tipo de alegação ficam bastante evidentes com, bem, o quão ineficaz de fato nossa polícia realmente é, sejam em exemplos com a estrutura da 'guerra ao tráfico' que visa apenas números e foca em peixes pequenos (pois produz números e fotos bonitas para sair nos jornais ou tv) ou, bem, de como uma quantidade enorme de infrações de trânsito passam completamente sob o radar (meio que literalmente), e que de forma anedotal qualquer pessoa pode vislumbrar em questão de minutos nas ruas de gente com celulares ao volante ou sem o uso de cinto enquanto conduz (só pra ficar em dois exemplos claros e bastante visuais). Mais que isso, obviamente existe o fato dos baixíssimos índices de solução de crimes da polícia no Brasil, o que só reforça que, uma política de criminalização de notícias falsas só geraria, bem uma estrutura basicamente de Gestapo da polícia para perseguir adversários e ideologias políticas específicas ou para fazer números fáceis e fotos para jornais.
No entanto, eu vejo que como soluções práticas o aumento da qualidade do ensino também é importante. Qualquer pessoa com uma capacidade de raciocínio lógico e noções de ciências definidas enxerga há quilômetros de distância o absurdo de alegações como a de que usamos somente 10% dos nossos cérebros (porque é impossível mensurar algo dessa natureza em primeiro lugar, mas, e isso é importante, um estudo dessa natureza seria caro, complexo e inconclusivo de qualquer forma, não chegaria a um lindo e redondo 10% de forma alguma). E isso é importante para que as pessoas tenham maior acesso à educação continuada ao mesmo passo que a escola fundamental para crianças tenha qualidade e recursos suficientes para imbuir senso crítico.
Droga, quando você não tem as devidas proporções e percepção do tempo da história da humanidade no planeta - e do planeta com relação ao universo - por acreditar em preceitos religiosos que estabelecem uma noção da vida no planeta a pouco mais de 5000 anos, de fato é realmente difícil aceitar a construção de pirâmides sem a ação de alienígenas.
Reforçar o jornalismo e regular melhor a mídia são medidas importantes para garantir que boatos não virem notícias, mas, mais importante, temos que tomar cuidado com a criminalização de que vincula informação, mesmo que falsa.
Não porque quem vincula notícia falsa não seja criminoso (o que um número enorme de exemplos, a começar por alguns já citados nesse texto), mas porque esse não é o verdadeiro ou mais importante crime que deve ser investigado e punido... Até porque, considerando o histórico de incompetência policial no Brasil, é de se admirar imaginar que uma medida dessa fosse efetivamente punir os ricos e poderosos canais de mídia (e seus apresentadores que vinculam notícias falsas) e não um pobre coitado aleatório qualquer e sem recursos ou condições para pagar um advogado. Saca?
O Repórter de Cabelo Branco Pilantra Genérico 1 (cujo nome foi omitido para evitar processos) vai e faz um lobby violento (e patético) em nome de empresa ou grupo de empresas que o financiam para mentir descaradamente na tv e jornais em favor dessa empresa ou grupo de empresas beneficiados com as mentiras que ele fala, o que movimenta milhares e milhares de reais tanto da empresa quanto para o repórter pilantra genérico 1 (e para a empresa pra qual ele trabalha). A empresa e o repórter pilantra (e a empresa pra qual ele trabalha) se processados ou penalizados e multados, digamos em R$25.000,00 por divulgação de notícia falsa, podem tanto ganhar mais que isso em termos de receita de propaganda (e exposição) quanto adiar indefinidamente o pagamento e questionar juridicamente até conseguirem um perdão ou renegociação dos valores a uma fração do proposto.
Por outro lado, um idiota (in)útil qualquer que divulga alguma notícia falsa, ou, mesmo a notícia falsa mencionada do parágrafo anterior, e, bem, faça-se um exemplo dele com a mesma multa de R$25.000,00 - mas sem os recursos de advogados, sem receita de propaganda ou espaço na mídia (ou mídias sociais) para se defender e justificar.
Não existe uma paridade de forças, e, pessoas pobres, mais uma vez, serão somente presa fácil para policiais preguiçosos que precisam fazer uma foto bonita para um jornal de quinta ou para a edição do meio-dia do programa do Datena.
Mais que tudo isso, no fim do dia, mais uma vez não teremos aprendido nada (ou talvez desaprendido algo importante).
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