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12 de fevereiro de 2023

{Deixa eu Explicar...} Muito siso e pouco riso, faz de Jack um bobalhão...

De tempos em tempos algum comediante sem talento se manifesta sobre como os tempos estão mais chatos ultimamente e mais difícil fazer alguma piada. Nisso algum idiota conservador aproveita o argumento para justificar como as coisas eram melhores em outro ponto e momento retroalimentando o ciclo de um argumento incompetente e mal ajambrado.

A bola da vez foi John Cleese, um comediante que eu realmente admirava, e a condição e os argumentos são consistentemente os mesmos. O problema, na verdade, é que o próprio Cleese explicou algum tempo exatamente essa situação com a citação de que, a medida que envelhecemos, rimos menos pois já conhecemos a piada.

Esse fator é o que podemos chamar de 'o ciclo da piada' (ou, se preferir o ciclo de vida de uma piada), e, como é de se imaginar pois é o que acontece com todas as outras coisas, ele chega a termo depois de algum tempo - que podem ser alguns anos, alguns dias ou meros segundos. Ou você acha que uma piada sobre o rei Henrique de Castela continua relevante hoje em dia (isso se você souber quem foi Henrique de Castela, o que eu mesmo não sabia até escrever esse texto)?

E isso fica particularmente difícil para, bem, velhacos sem lá muito talento ou conexão com esse contexto altamente veloz de hoje em dia e que se acostumaram com uma realidade de, sei lá, quarenta/cinquenta anos atrás quando era super fácil repetir um mesmo número e show por todo o país por anos sem precisar qualquer improviso, adaptação ou sequer mudar uma única palavra (mais ou menos como Dedé Santana e companhia faziam com circos ou quando o número se 'modernizou' em teatros). Sem a internet, todo número que eles faziam parecia e pareceria novo, pois raramente alguém o veria duas vezes - afinal os artistas se apresentam constantemente na estrada e cada dia em uma cidade diferente. Hoje, se um humorista conta uma piada no twitter à tarde, o público provavelmente não rirá da mesma piada à noite no show (e mesmo se for uma piada ótima, o que é uma raridade considerando os humoristas ).

Uma vez que já conhecemos a(s) piada(s), como é de se imaginar, comediantes precisam melhorar seu jogo e criar novas piadas, não é mesmo? Mas, sabe, criar novas piadas, ainda mais no frenético mundo de redes sociais e em cenários de constante mudança em que no intervalo de um minuto uma história já pode ser notícia velha, fica mais difícil repetir a mesma piada de novo e de novo, não é mesmo?

Claro que, considerando-se isso, é mais difícil fazer humor hoje em dia - pois para continuar navegando a onda e não perder o momento, exige uma velocidade e sagacidade, que, verdade seja dita, muita gente ainda não está preparada para acompanhar. 

No entanto, e aqui é onde temos uma grande parte da confusão e do problema, o argumento apresentado pelos velhacos e reaças não é esse. Pra eles ficou mais difícil fazer humor porque as pessoas estão mais sensíveis... O que, simplesmente não é verdade sob nenhuma perspectiva.

Pergunte a Lenny Bruce (que vez após vez foi preso nos anos 1950, não terminando seus shows e às vezes nem sequer terminando a piada) e ele não será nem o primeiro exemplo de comediante preso pelo seu humor, afinal facilmente podemos lembrar das tradições (literárias mas bem claramente inspiradas por eventos reais) do triboulete de executar/enforcar bobos da corte (afinal, quem tem melhor senso de humor que os ricos e poderosos, não é verdade?), mas não precisaríamos nos esforçar muito mais para encontrar exemplos e mais exemplos de gente escrota (e reaça) reagindo mal a piadas, ironia ou sarcasmo. Raul Seixas era constantemente preso pela ditadura militar porque suas letras irônicas ofendiam a sensibilidade dos caretas babacas (que hoje reclamam que algumas pessoas não gostam de piadas racistas - absurdo né?).

O que acontece, e, isso é de maneira geral o ponto, é que o público mudou, assim como a estrutura da audiência em geral - tanto do público que assistiria ao vivo a uma apresentação, quanto ao que assiste hoje a um especial d comédia ou programa humorístico na tv/internet. Não existe mais uma audiência homogênea, nítida e indistinta... Quer dizer, a não ser para fazer piada racista em Santa Catarina, né?

Quer dizer, algum seriado de sucesso do passado (seja distante ou relativamente recente) não funcionaria na sociedade de hoje em dia, que absurdo, né? Afinal, tudo mais funciona exatamente da mesma forma sempre, né? Continuamos comprando leite com o leiteiro e nossas máquinas de escrever estão cada vez mais confiáveis e práticas, né?

E enquanto Friends não funcionaria exatamente da mesma forma (afinal, a ideia de uma massagista hipponga que de vez em quando faz shows ruins com um violão é capaz de bancar um apartamento sozinha em Manhattan parece bem mais ficcional em 2023 que os skates voadores de De Volta para o Futuro), além de ignorar os fatos de que isso já existiu e aconteceu em outro momento histórico, não faz sentido considerar que ou se isso poderia ou deveria continuar a funcionar. O mundo seguiu em frente e a narrativa de Friends foi adaptada e repetida em outros inúmeros seriados com alterações e condições incrivelmente similares nos últimos 30 anos... Então, qual a diferença se determinado material deixa de ser relevante mais de uma ou duas décadas depois?

Qualé, não é como se isso fosse algo realmente importante como física nuclear. É só humor, e, quando feita por humoristas ruins, será rapidamente esquecido e ignorado.

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