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31 de julho de 2022

{Deixa eu te explicar} Mas afinal... Porque os quadrinhos vendem mal (parte 1)?

Enquanto eu sei categoricamente que essa é uma pergunta que não tira o sono de, bem, quase ninguém além de editores e meia dúzia de fãs, mas acontece que essa é uma história curiosa, e até cheia de reviravoltas e pontos chave que chegam a este resultado final (o de quadrinhos venderem mal hoje em dia), e, curiosamente serve como aquela história cautelar para outras mídias e empreendimentos.

Sim, hoje os quadrinhos vendem mal e, talvez, gigantes como Marvel e DC que não são mais agentes independentes e somente peças de conglomerados - esses sim realmente gigantes - talvez em alguns anos não enxerguem mais os predicados ou atrativos do segmento em seus faturamentos. A DC (que anunciou há não tanto tempo demissões em massa) nos próximos 20 anos terá uma enorme quantidade de personagens entrando em domínio público, ao mesmo tempo que a Marvel continua sofrendo com a contínua exploração da Disney (e a diminuição de qualidade de efeitos, resultante de pagamentos inferiores à média do mercado), o que significa em linhas gerais, que no momento que os filmes não tragam mais o retorno esperado, a empresa do camundongo não pensará duas vezes para desligar os aparelhos.

A história das histórias em quadrinhos inicia nos anos 1930, tanto com as publicações em jornais quanto com as revistas vinha surgindo, abraçando o estilo pulp e aproveitando o espaço das bancas de jornais - em um momento, prévio a celulares e televisores mas na gênese de outro grande expoente, o rádio (que, com suas primeiras estações de rádio em 1912 na Inglaterra e 1920 nos Estados Unidos, ainda dava os passos para sua popularização). Na verdade, cabe um parênteses interessante aqui: Enquanto consideramos esse cenário específico como prévio a tantas coisas que hoje consideramos simplesmente comuns (como internet, gps e celulares), temos que lembrar que nos anos 1930 a ideia de água encanada, assim como tubulação interna de esgoto ainda era um luxo para muitas famílias, assim como o próprio papel higiênico que consideramos algo tão ordinário ainda era algo particularmente "recente" (de 1857), em sua versão mais próxima do que nos acostumamos a ver hoje em dia, e mesmo a energia elétrica ao final do século XIX.

Os jornais eram a opção acessível e por isso grande fonte de informação para uma população norte-americana empobrecida de um período que compreendia uma guerra mundial (entre 1914 e 1918), a lei seca (entre 1920 e 1933) e a quebra da bolsa de 1929, mas não se limitando apenas a isso, e, com o pulps e as revistas em quadrinhos (fossem coletando tiras em formato diferenciado ou trazendo histórias inteiramente novas) permitiam não apenas um escapismo (e certo ufanismo, com deuses espaciais se curvando à bandeira americana), mas uma forma de entretenimento barato e acessível para, de novo, uma população empobrecida num período em que as opções eram mínimas.

Ainda que números oficiais de vendas desse período sejam difíceis de obter, o autor Grant Morrison em seu 'Super Deuses' aponta que os números de vendas eram enormes, com cifras de milhões de cópias por edição (sem capas variantes, cromos brilhantes ou medidas de marketing noventistas) e talvez seja exagerado mesmo considerando a população dos Estados Unidos de 137 milhões em 1930 (conforme o censo do ano), mas ao menos parece coerente com os fatores em questão, e o cenário vindouro da segunda guerra mundial - com um ufanismo estadunidense crescente explorado em capas e histórias que colocam a América em primeiro lugar, vitória e triunfante.

Com a guerra também ocorre uma popularização cada vez maior do rádio e do cinema (afinal são formas de obter mais e mais informações sobre o que acontecia no velho continente, incluindo imagens e discursos dos representantes do povo), enquanto não me parece de forma alguma que os quadrinhos sofressem direta ou indiretamente com isso (pelo contrário, os dados apontam mais para benefícios, com os jovens buscando nos heróis de capa e capuz alguma inspiração - e até uma projeção - para seus pais e entes queridos lutando na Europa). O fim da guerra é que é o ponto interessante, com a caça às bruxas do Mcartismo, que vê um bode expiatório perfeito para muito do que havia de errado na América (afinal, era um indústria relativamente nova e categoricamente ainda irrelevante), e com movimentos no senado, incentivados por uma enorme pilantragem (pseudo) acadêmica negacionista de Fredric Wertham que inova ao chegar, entre outras conclusões de que ler leva ao analfabetismo, monta-se um palco para a queda dos milhões dos anos 1930 (e provavelmente 1940), para uma década de 1950 com índices baixos, o quase cancelamento de Batman (é) e a criação do Comic Code - que força várias editoras como a EC Comics (de títulos de horror e crime) a fecharem as portas.

E esse é o final da história? Os quadrinhos vendem mal porque no pós-guerra foram tomadas decisões para perseguir a indústria de quadrinhos e que, bem, acabaram por prejudicá-la drasticamente?

Enquanto essa história ainda nem mencionou uma única vez o nome de Stan Lee ou chegou à Era Marvel com seu renovado interesse no gênero super heroico e nisso um ressurgimento dos quadrinhos nos Estados Unidos, e de fato isso traz um considerável aumento no número de vendas... Bem, a verdade é que nunca chegou nem perto dos patamares anteriores. Sim, sim, 100-150 mil cópias por mês eram algo bem mais comum nos anos 1960-1970, enquanto hoje em dia soltam rojões se chegar em 50 mil cópias, no que inclusive é importante destacar grande parte dos problemas que a Era Marvel não corrige ou acerta para seguir em frente, e que moldam justamente essa diminuição de vendas, desrespeito com a mídia de quadrinhos (afinal, enquanto Will Eisner falava de Graphic Novels esboçando a sofisticação dos quadrinhos como mídia séria, Stan Lee se contentava em ser um sósia de Hugh Hefner e fazer papel público de palhaço onde quer que fosse) e um crescimento de independentes minando aos poucos as bases das grandes editoras (levando a declarar falência da Marvel em 1996 e à DC como um fragmento da conglomerado Warner em 1989). Nesse momento (da parte 1) vale focar somente no grande erro do pós-guerra, enquanto outros capítulos cobrirão esse terreno mais detalhadamente (pois são erros consecutivos e que mudam bastante o cenário, mas não necessariamente estão atrelados a esse problema em particular).

Dito isso, vale destacar o mercado japonês (objeto da discussão na próxima parte) que com a tempestade perfeita dos anos 1980, cresce e se desenvolve essencialmente livre desses estigmas da perseguição macartista com um Código de Censura (do Comic Code) e consegue um sucesso avassalador, arrebatando o mundo (mesmo se os números ainda que altos estejam abaixo nominal e proporcionalmente com a população dos EUA nos anos 1930 - o que também é explicado e justificado pelo cenário do século das vidas e rotinas no século XXI).

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