Pesquisar este blog

13 de maio de 2022

{Resenhas} Biblioteca Maurício - Mônica 1970

Existe algo de particularmente interessante na ideia do "Mônibus" da Panini com a ideia de recolher as primeiras edições da Mônica pela Editora Abril, não apenas pelo caráter histórico, e começa pelo enorme contraste entre o material de 1970 e a evolução da personagem, e, por conseguinte, do escritor.

Sem dúvidas algo parecido com o que acontece com os primeiros quadrinhos de Homem Aranha (de Lee/Ditko) ou do Superman (de Siegel/Shuster), verificar a gênese do trabalho e os passos do artífice em si já valem a jornada. No entanto aqui cabe um parêntese não menos importante: Essa não é a realidade  e a gênese da Mônica, ao contrário dos exemplos nesse parágrafo.

Mônica, Cebolinha, Bidu, Astronauta, Horácio e companhia já existiam há quase uma década (os personagens foram surgindo entre 1959-1965 em tirinhas principalmente para a Folha e Estadão, mas outros periódicos como o Zás Trás) e num processo de expansão da franquia visando consolidar um produto que vinha ganhando cada vez mais notoriedade (com o Jotalhão em 1969 estampando propagandas para massa de tomate) e consequentemente a Abril trazendo as revistas mensais em 1970 com a turma da dentucinha.

Então esse encadernado é a primeira coletânea de revistas mensais dos personagens que já existiam, em alguns casos como do Bidu, desde 1959, em outros foram criados (e defenestrados tão logo apresentados) para a revista, como o Toneco. Existe até um paralelo com o já citado Superman quando vemos que algumas das histórias (algo destacado pelo próprio encadernado) foram recondicionadas para um formato de revista a partir de sua publicação original em tiras ou páginas dominicais, e, com o tempo e avançar das edições um desenvolvimento de estrutura narrativa real e condução explícita de histórias planejadas para o formato, número de páginas e condição dos 'gibizinhos'.

Claro que as histórias de Maurício de Souza não tem nenhuma narrativa complexa ou cronologia rígida que torne a leitura incompreensível se lidas fora de ordem ou qualquer coisa... Os personagens são bem bidimensionais com narrativas simplórias (Horácio é triste - e meio deprimido - porque não tem uma família; Astronauta é uma versão para crianças - e sem elenco de apoio - de Jornada nas Estrelas), mas não muda a sensação de algo faltando, ainda que não seja nada particularmente fundamental.

Dito tudo isso, cabe o julgamento da obra em si, e, não é o autografo do senhor Souza na obra que me daria qualquer tom de parcialidade, porque, enquanto as histórias em si são interessantes e inteligentes - e justamente por elas que as revistinhas foram crescendo e expandindo por décadas - existe algo feito justamente para essa edição, para esse Mônibus num ato masturbatório e cheio de mea culpa que incomoda e, em minha humilde opinião, compromete o material como um todo (e, reforço, pra mim, o prego definitivo no caixão como fator decisório para não comprar os outros volumes).

Como basicamente tudo na edição deixa bem claro, o material é "antigo". São histórias de 1970, publicadas pela Abril, plena ditadura militar, com uma outra realidade, mundo e cenário geopolítico. Tudo isso é claro, nítido e notório, e, francamente, nem é algo que precise de muita explicação - fora o fato que o mundo lúdico da Turma da Mônica não tenha exatamente mudado muito de 1970 a 2022, com casas de muro baixos, muitas árvores e praças e uma criançada que ainda brinca na rua (só que hoje em dia com um pouco mais de gírias e aparelhos tecnológicos modernos). E, é verdade igualmente, que Maurício de Souza nunca foi - ou tentou - ser um Neal Adams ou Jack Kirby. Seu desenho é simplório e simplista, com histórias inteiras sem um único cenário, somente um fundo branco, azul ou algo que o valha, e, esse argumento se faz justamente pelo fato que a obra aqui é publicada em um formato maior que o americano (das revistas da Marvel ou DC nas bancas), e, que não parece justificar além de, bem, para a Panini ganhar uns trocados a mais com isso.

Facilmente poderiam publicar num 'formatinho' próximo ao que fizeram com One Piece (agora mesmo em 2022) ou basicamente qualquer outro mangá. A arte destas edições não é beneficiada por um formato maior (o que de novo, é diferente do caso de Neal Adams e Jack Kirby originalmente publicados no Brasil em edições porcas da Ebal ou Abril em formatos pequenos).

Honestamente é a Turma da Mônica, algo que você sabe e conhece há décadas e sabe basicamente como funciona e o que faz funcionar (são crianças sendo crianças em um mundo lúdico com nuvens de algodão doce, cachorros falantes e anjinhos da guarda - literalmente - protegendo as crianças). É meio bobo, mas nunca foi Alan Moore... Sempre foi Maurício de Souza trabalhando no mesmo esquema de outros cartunistas como Schulz e Quino (histórias humorísticas curtas com propósito de estipular uma narrativa simples e simplista que, talvez ofereça junto de uma risada também uma reflexão). É o que é, nem melhor, nem pior. Somente a Turma da Mônica dos anos 1970.

Agora, o que realmente incomoda é a constante tentativa de reescrever e reeditar a história todo cheio de meas culpas com 'ei, veja bem, na época isso não era de todo escroto' (ainda que jogar uma pedra numa pessoa fosse nos anos 1970, 2000 ou 2022 a.C. não fosse particularmente algo diferente de escroto) ou 'essa não era uma expressão racista' ou qualquer situação similar. 

Nenhuma das notas de rodapé acrescenta algo ou fornece qualquer informação adicional relevante que mude alguma coisa - além do 'ei, sabe como é, né? Na época isso era normal..." que soa falso pra caramba. Ei, a Marvel fez merda pra caramba na década de 1970 (como toda a situação do Jaqueta Amarela espancando a esposa só pra ficar em um exemplo), mas a editora não republica o material toda cheia de dedos e 'ei, amiguinho, na época isso pareceu uma boa ideia'. Isso faz parte da história da editora e foram escolhas feitas (pro bem ou pro mal) - e é só um de muitos exemplos (como os Flintistones fazendo propaganda de cigarros).

Essas são explicações tão desnecessárias que quebram o ritmo das histórias demais somente numa tentativa de vender uma aura quase beata de Maurício... E, amigo, com as várias críticas ao fato do Maurício não reconhecer o crédito de seus colaboradores (e esse encadernado fazendo absolutamente nada além de outra nota para "agradecê-los", mostra que de beato está longe), isso é o que é. Melhor que as notas de rodapé com toda a certeza seria um editorial simples e objetivo ou, como a edição faz já de toda forma, uma matéria ao final explicando e contextualizando as diferenças daquela época para hoje.

É uma curiosidade que vale a pena uma folheada e talvez até uma leitura - seja pela nostalgia para rememorar os tempos de criança lendo histórias da Turminha - mas nem de longe vale o salgado preço de capa e a coleção proposta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário