Pesquisar este blog

25 de julho de 2021

{Editorial} Nem tudo precisa ser atemporal, aceite isso.

 (E a pandemia além de tudo mais já deveria com toda a certeza ter ensinado isso a todos nós).

Eu não quero usar a palavra 'cringe' então eu não a usarei além dessa linha e parágrafo, mas ela gerou uma certa discussão (idiota) nas últimas semanas, em grande parte, como uma tentativa de lançar conflito entre as gerações mais novas que sentem vergonha alheia das gerações passadas e anteriores.

Sim, nada de novo no front (e sim, isso é uma referência velha pra diabo).

Mas enquanto sentir vergonha alheia por quem gosta de Harry Potter é, bem bastante estúpido. Quer dizer, os livros do bruxinho foram um fenômeno cultural bastante justificado e é coerente que tenha bastante fãs ainda hoje - e o fato que sua escritora ser racista e uma pessoa escrota é tanto um fato posterior a publicação dos livros, quanto, bem, não uma exclusividade dela (é, DJ Ivis mandou um abração, e a lista é beeeeem longa).

Faz sentido que os livros tenham sua relevância porque eles mudaram o zeitgeist (sim, sim, é uma daquelas palavras chavão que idiotas querem usar para parecerem inteligentes). Antes dos livros de Rowling, o cenário de jovens adultos era quase inexistente e ele dominou a condição da literatura popular nas últimas duas décadas. Droga, ele permitiu a toda uma geração de pessoas se aproximarem de literatura com um contato mais coerente e interessante que, bem, uma biografia de algum youtuber idiota ou algo do tipo, será que de fato isso é tão ruim?

E enquanto eu acho que os livros nunca foram tão bons assim, eu entendo a significância cultural e seu impacto. Pra muita gente esse é o primeiro contato com uma perspectiva de magia e fantasia de maneira literária fora da perspectiva Disney com suas lentes infantilizadas (onde nada de ruim realmente acontece e ninguém morre). Sim, os Livros de Magia de Neil Gaiman (ou os aterrorizantes Hellblazer de Jaime Delano ou Monstro do Pântano de Alan Moore) saiu anos antes e é muitas vezes melhor, mas já faz tempo que os quadrinhos não são levados à sério tanto culturalmente quanto num aspecto de entretenimento (sim, é coisa de nerd babão).

Ok, então qual é o problema da geração atual sentir vergonha da geração anterior...? Não é interessante repensar nossos preconceitos e analisar de maneira mais apurada nossos erros e costumes?

Bem, esse é um argumento de (auto)aperfeiçoamento e, é uma conclusão natural que muita gente já chega naturalmente (afinal, essa foi a porta de entrada e elas crescem e desenvolvem e refinam seus gostos literários/culturais). Sim, não é toda essa Coca-Cola (assim como a Coca-Cola nunca foi essa Coca-Cola toda), mas eu descobri outras séries e livros que surgiram graças ao sucesso e popularidade da série de Rowling.

Ou alguém acha que Game of Thrones e The Witcher viriam a acontecer sem o sucesso de Harry Potter? Quer dizer, ao menos se tornar os sucessos e fenômenos que foram/são.

Claro que é importante entendermos afinal de contas que nossa perspectiva acaba muitas vezes nublada e perdida no retrospecto, quando ignoramos toda a seleção natural (e anatural) que ocorre para que os eventos transcorram e funcionem como funcionaram. Dezenas, droga, centenas de autores foram rejeitados na década de 1990 com suas histórias de jovens adultos enfrentando o mundo caótico ao seu redor porque isso não é literatura séria e porque redatores e editores não enxergavam nesse nicho um prospecto ascendente de mercado (e os números não demonstravam nada parecido, afinal, antes de Harry Potter qual o mais recente grande sucesso literário voltado para esse público...? O Homem Aranha na década de 1960...?)

Muitos outros livros que fizeram algum sucesso ou mesmo que foram fenômenos gigantescos - como os livros de Dan Brown, Michael Crichton ou Stephen King - hoje são relegados a uma nota de rodapé histórica porque seus leitores viram que isso não era tão bom assim e ampliaram seus horizontes, redescobrindo autores que, bem, morreram na pobreza e nem de longe viram o sucesso de suas obras (ou em alguns casos sequer a publicação de suas obras).

Droga, olhando o horizonte literário mesmo é difícil que localizemos mais do que um ou dois exemplos específicos de autores por períodos. O que? Só Shakespeare escrevia na Inglaterra de 1600? Ou Luís de Camões de 1500 até, bem, o nascimento do José Saramago...?

A arte muda, ela é fluída pois entre tantas coisas existe e serve para retratar a sociedade em seus medos, almejos e contextos mais abrangentes que não são exprimidos em números e cifrões, e, nem toda arte sobrevive ou funciona como esse retrato da sociedade. Alguns anos depois deixamos de enxergar sob essa ou aquela determinada perspectiva e ela vai desaparecendo, esmaecendo e finalmente só os mais ávidos historiadores saberão que de fato algo dessa forma existiu.

Na televisão, inclusive, onde muito mais séries são lançadas do que livros (e isso faz mais parte de nosso cotidiano mundo moderno) é inclusive mais fácil enxergar esse fenômeno. Enquanto é fácil olhar para os anos 90 e lembrar de Seinfeld e Friends, esses nem de longe são os únicos exemplos de seriados dos anos 90. Sim, eles foram fenômenos gigantescos, mas eu não sei dizer se foram de fato os maiores fenômenos ou mais discutidos e comentados.

Eu acho que 90210 (ou Barrados no Baile por alguma Globolice) fez muito mais parte das discussões do que Friends por boa parte da década, só pra citar ou ficar em um exemplo, e, vale lembrar que o cenário da década permitiu a longeva Frasier (que hoje quase ninguém se importa ou lembra) surgisse como um spinoff da longeva Cheers (que hoje quase ninguém se importa ou lembra).

Isso, inclusive mostra que os seriados menos baunilha (como Full House ou Home Improvement) foram sobrevivendo, ainda que nem tanto pendendo para um sabor mais desafiador como, digamos, pistache (sabe, como 3rd Rock from the Sun ou outros seriados mais ousados). 

Mais que isso, é claro que fãs lembram e lembrarão com boas memórias para seu tempo curtindo o seu livro, série ou música favorito(a), e com o tempo ou se adaptarão e expandirão seus horizontes para apreciar o que as novas décadas podem trazer, ou serão os boomers das novas gerações reclamando com os guris em seus quintais e que no seu tempo é que se fazia música/livros/seriados de verdade.

O mundo muda e com isso nossas perspectivas. E é isso.

Nem tudo precisa ser atemporal e durar para sempre.

Nenhum comentário:

Postar um comentário