Talvez você tenha visto, talvez não, mas essa semana a Warner anunciou uma demissão de aproximadamente 600 profissionais - que acertou massivamente a DC Comics, a divisão de quadrinhos do grupo.
Enquanto o posicionamento oficial do conglomerado foi o padrão - achar um bode expiatório e jogar a culpa nele, nesse caso aproveitar-se da COVID-19 que reduziu vendas e projeções e enxugar custos - mas a verdade é que a Warner vem, na última década lutando para se manter competitiva.
O que bate ainda mais pesado quando na década anterior o grupo estava muito bem estruturado e emplacado sucesso atrás de sucesso como a franquia Harry Potter de 2001 a 2011, a trilogia do Senhor dos Anéis de 2001 a 2003, a trilogia Matrix de 1999 a 2003, enquanto ainda emplacando alguns outros filmes gigantes como Batman Begins em 2005 e o Cavaleiro das Trevas em 2008 e, claro, uma leva enorme de seriados da HBO - The Wire 2002 - 2008, Família Soprano 1999 - 2007, Deadwood 2004 - 2006, Sex and the City 1998 - 2004, À Sete Palmos 2001 - 2005 e mais um bocado de outros produtos como Two and a Half Man 2003 - 2015, Smallville 2001 - 2011, As Meninas Super Poderosas 1998 - 2005 e mais um bocado de outros sucessos do período.
Entenda que, dessa lista tem uma enorme quantia de omissões de séries de sucesso, de filmes de sucesso e de animações do Cartoon Network de enorme sucesso, mas isso é só uma amostra, e mostra o quanto de produtos populares e de qualidade vieram desse período - do qual eu nem falei da Warner Games que lançou entre outros Lego Batman (2008) e Batman Arkham Asylum (2009) - e principalmente, uma vez que o tópico do texto é a DC Comics, eu não mencionei nenhuma hq aqui até agora.
E, claro, que não ocorreu nenhuma barreira mágica em 2010/2011 que simplesmente fez com que os sucessos parassem de surgir. Game of Thrones que é uma das séries mais assistidas de todos os tempos é um exemplo categórico, só que é importante destacar que foi surgindo cada vez mais concorrência (Netflix, Amazon, AMC e agora a Disney +), e enquanto as franquias do cinema no período anterior eram inegavelmente da Warner, nessa década é difícil achar um único exemplo bem sucedido da empresa (sério, pense em dois filmes entre 2010-2020 da mesma franquia da Warner que foram sucesso de bilheteria).
Sobre quadrinhos, é importante destacar que a DC historicamente vende menos que a Marvel e existem muitas coisas por trás disso (Stan Lee e a sua vigarice na estrutura de roteiro que ele chamava de 'Método Marvel' - em cinco páginas eles 'roteirizava' uma hq inteira jogando a responsabilidade de narrativa e estrutura para o artista, e assim economizando tempo e custos de produção assim como a estrutura de Marketing e as parcerias que a Marvel foi fazendo ao longo dos anos mantendo sempre seus personagens populares no imaginário popular, principalmente com animações, e, claro, timing e momento da execução das ações, como a parceria da Marvel com a Capcom nos anos 1990).
Ainda assim, a editora foi ganhando terreno a partir de 1985 com sua grande reestruturação (A Crise nas Infinitas Terras) que levou a um dos melhores períodos criativos da empresa, lançando o selo Vertigo, uma enormidade das séries mais interessantes da editora desde sua criação (Sandman, Monstro do Pântano de Alan Moore, Hellblazer, Preacher, e, mesmo nas linhas de super heróis muita coisa boa como Starman, as Liga da Justiça de Giffen/Dematteis e Grant Morrison e a lista segue com inúmeros outros exemplos).
Como é bem provável que você já tenha percebido, em um texto sobre DC o nome 'Batman' já apareceu algumas vezes, e, às vezes até parece mesmo que a editora só vê como possibilidade de produção intelectual e sucesso no cruzado encapuzado, perdendo assim inúmeras possibilidade de desenvolvimento de múltiplas franquias - como a Marvel fez com enorme sucesso e não só a partir de 2008 com o MCU. Sério, o que impede um jogo de videogame com o Lanterna Verde policiando setores remotos do universo ou uma animação com a Mulher Maravilha nos moldes da She-ra da Netflix?
Mas, se é pra fazer um novo jogo - inclusive de apontar e clicar pela Telltale (sério, se é um mistério porque não o Constantine ou mesmo o Detetive Chimp...?) - será Batman que utilizarão. Se é pra criar uma nova animação, será ou obrigatoriamente terá alguém do universo do Batman... Essa visão limitada prejudica, obviamente, a expansão da editora de maneira mais ampla entre o público.
Esse é um dos grandes erros e defeitos, não somente da DC como da Warner - que é dona, além da DC da Hanna Barbera (sabe, de Scooby Doo, Flintstones, Zé Colmeia e dezenas de outros) e Looney Tunes (Pernalonga e igualmente dezenas de outros) assim como uma boa quantidade de originais do Cartoon Network (já citado as Meninas Super Poderosas mas tem muita coisa como Laboratório de Dexter, Coragem, além das animações do Adult Swim - sim, do Cartoon Network - que incluem Rick e Morty, Frango Robô e mais uma dezena de outros). Com todo esse oceano de franquias, a empresa INSITE em algumas fórmulas testadas e aprovadas, repetindo ad infinitum coisas que já estão saturadíssimas.
Mal terminou o seriado Gotham e a HBO já planeja lançar uma série derivada do universo do Batman de Robert Pattinson, ao mesmo tempo que uma série do Alfred (juro que não é piada) está em produção... Mas, com o sucesso de Arrow, porque ainda não vimos o anúncio de um filme baseado no Arqueiro Verde? Ou um jogo de videogame (ei, eu adoraria)...?
Parece bobagem, mas, vale lembrar o momento terrível da Marvel nos anos 1980-1990, encarando de perto o fantasma da bancarrota e fazendo acordos e mais acordos com suas franquias, com jogos de videogame (com ao menos quatro ou cinco jogos dos X-men entre os diversos consoles e mais ou menos o mesmo do Homem Aranha, mas ainda um ou outro jogo do Hulk, Capitão América e os Vingadores) e animações (com a animação dos X-men mais lembrada pela abertura e trilha sonora que outra coisa e umas duas do Homem Aranha, inclusive uma sendo do Homem Aranha 2099) com toda a certeza ajudou muito mais a popularizar e manter viva a imagem das franquias e principais produtos da editora do que, bem, tudo o que a DC fez nesse período - e mesmo hoje em dia continua por fazer.
Aparte dos erros de marketing, no campo editorial a empresa resolveu se reestruturar a partir de 2011 com um grande relançamento batizado de 'Novos 52', e, ele seguiu mais ou menos os mesmos moldes do que eu já comentei até aqui: Um enorme leque de opções, mas concentrando fichas quase sempre nos mesmos lugares.
52 títulos dos quais 4 eram do Batman (Batman, Detective Comics, Batman and Robin e Batman: The Dark Knight), mais 6 estrelando personagens oriundos das páginas de Batman (Nigthwing, Catwoman, Batgirl, Batwing, Batwoman, Red Hood and the Outlaws) além de outros dois títulos com o Batman como personagem (Justice League e Justice League International) e quatro títulos circundando personagens do universo de Gotham (com All Star Western se passando nos anos 1880 em Gotham enquanto Suicide Squad trazia Arlequina, Birds of Prey trazia Hera Venenosa e Teen Titans o Robin). Enquanto faz sentido apostar em uma fonte segura de renda, é importante destacar que a editora fez, desse reboot, uma condição para trazer e incorporar à linha principal personagens de editoras menores que foram compradas como a Wildstorm dos WildC.A.T.S. de Jim Lee e a Milestone criadora do Super Choque).
Vale, claro, o parêntesis que foi mais ou menos na mesma época que Jim Lee ascendeu a rankings bem altos na editora, com contribuições em projetos para ampliação da marca como o crossover da DC com os lutadores de Mortal Kombat ou com a criação de design para Lanterna Verde de Ryan Reynolds.
E claro, que nenhuma única das séries de personagens destas editoras sobreviveu sequer dois anos - e, claro, a editora Wildstorm mesmo apesar de alguns acertos como Ex Machina ou Planetary raramente produziu qualquer coisa digna de nota, a menos para quem ache que o Bandoleiro é um baita personagem...
Em cinco anos tudo foi reiniciado novamente com o 'renascimento' (mesmos moldes, mas some a Wildstorm e Milestone) sendo que entre os dois momentos o selo Vertigo foi definhando até deixar de existir em meados de 2013 com o final da longeva Hellblazer, e o surgimento da linha Young Animals que, bem, ninguém ainda entendeu porque surgiu e qual a relevância além de ter um dos caras do Fallout Boy (eu acho) escrevendo (ou xerocando as ideias do Grant Morrison) Patrulha do Destino.
Sem, claro, nos esquecer que enquanto séries com enorme potencial foram sendo jogadas para escanteio e sendo escamoteadas aqui e ali, cada vez mais ideias idiotas ou pouco coerentes foram crescendo e surgindo (Coringa arrancando o próprio rosto, Geof Johns cada vez mais revirando na lata de lixo de Alan Moore e o que diabos for essa coisa toda de Metal que eu ainda não sei se é piada ou algo a se levar a sério...).
Lembrando que essa falta de rumo em si não é uma exclusividade da editora no que tange o conglomerado - que detém três serviços de streaming HBO Go, Max e Now, e, eu já falei ano passado sobre minha odisseia e problemas com o aplicativo.
Já me estendi bastante então vamos resumir: Essas demissões e cortes eram mais do que lógicos diante da incapacidade de adaptação do conglomerado com os desafios dos últimos anos e a perda constante de posição de mercado.
Se isso significará o fim da DC, ao menos nesse momento parece pouco provável (a Warner não tem nenhuma grande franquia certeira como no começo do século, então abrir mão do que já tem - ainda mais quando rende boa parte da audiência dos seriados e animações do conglomerado - parece pouco coerente). No longo prazo, ao menos, pode resultar numa concorrência maior para a hoje toda poderosa Disney.
E isso nunca será ruim...
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