É estranho, confuso e perplexo observar a história de Pablo Escobar através das lentes gringas (ainda que dirigidas por sulamericanos em sua maioria) do seriado da Netflix Narcos.
Quer dizer, nada contra o seriado - muito pelo contrário, afinal é uma das melhores produções do serviço de streaming, folgo dizer que a segunda temporada inclusive é melhor que a primeira - mas a versão dramatizada e romantizada da história real do narcotraficante mais famoso da Colômbia tem tantos tons de i e surrealidade que as linhas entre os fatos e ficção ficam mais e mais indistintas. E digo isso destacando que muitas histórias sequer chegaram ao seriado (como a passagem do traficante pelo Brasil onde foi chantageado por policiais militares para não entregá-lo).
Tudo isso tem uma camada extra de surrealidade conforme a ficção se mistura a fotos, videos de emissoras de televisão e trechos de reportagens, e fatos que parecem incongruentes e impossíveis são demonstrados como reais. E aconteceram há pouco menos de trinta anos (a morte de Escobar se deu em dezembro de 1993, completando vinte e três anos esse ano).
Isso não é 'história antiga', não são fatos não documentados (droga, eu me lembro ainda criança de ouvir notícias sobre Escobar), e por mais que romantizado e exagerado em algumas partes (provável e obviamente nos diálogos e trocas entre os personagens) os fatos gerais estão ali: A orgia de gastos com os bilhões movimentados com o dinheiro de tráfico, usados para financiar também a prisão, sua fuga e subsequente guerra contra o governo que o caçava.
É notável o esforço da divisão das duas temporadas em caminhos opostos (a primeira com a construção do mito intocável enquanto a segunda o mostra definhando, agonizando até sua fatídica derrocada). E mais uma vez a estrutura e a construção dos roteiros da Netflix está de parabéns.
Curiosamente (ou não) eu vi alguns bizarros paralelos com a situação brasileira atual com as figuras do congresso representados sob a forma dos sicários e opositores de Pablo, e por mais que eu acredite piamente em mera coincidência - e excesso de exposição constante, sucessiva e ininterrupta ao rito de impeachment pelos últimos dois anos mais ou menos - como o sicário que vendo o quanto as operações do traficante estavam definhando resolve fazer um acordo com a polícia pela sua liberdade, ou os aliados de outrora do Cartel de Cali que montam uma enorme operação de caça as bruxas (sim, os traficantes de Cali trazem dois sujeitos de extrema direita para caçar um traficante E pagam a eles com cocaína, nenhuma ironia aqui), enquanto consolidam seu poder e força.
A segunda temporada de Narcos traz muito de uma condição de transição de poder, da troca de mãos e das estúpidas condições que norteiam esse cenário (o velho 'o inimigo de meu inimigo é meu amigo', para ficar em apenas um), e mesmo que involuntariamente, isso é exatamente o que aconteceu e acontece hoje no Brasil. Por mais que a história, as condições e circunstâncias sejam diferentes, a troca de mãos no poder sempre tem muita sujeira... E ninguém é inocente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário