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11 de março de 2016

{Anti-Frozen} Não Me Abandone Jamais - Kazuo Ishiguro

O talento de Ishiguro em compor um mistério em meio a um romance adolescente sem ser piegas, sem cair no dramalhão ou focar demais nas peculiaridades que dão o tom enigmático da trama sem dúvida é o que rege e carrega a história em "Não me abandone jamais".


Há algo mais? Bem, difícil dizer sem spoilers (entra num território de ficção científica que Harlan Ellison e Arthur C Clarke provavelmente escreveram dezenas de obras - só não sob esse prisma). Ishiguro vai lentamente carregando o livro, construindo os personagens e nos apresentando as suas realidades para que então, por volta do sétimo capitulo jogue a bomba que confirma algumas suspeitas e explica boa parte de tudo até ali.

O grande fascínio é entrar nesse território e desbravá-lo, mapeando aos poucos o terreno e ir sondando os mistérios, ir traçando a cartografia desse mundo de ficção científica que em nada parece com ficção científica (de novo, romance adolescente). Parece até uma brincadeira de Ishiguro com o gênero que se popularizou tanto nas últimas décadas, como uma forma de se aproximar desse público, ou de desafiá-lo (mas, tenho de admitir que vejo como uma possibilidade de almejar esse público para capitalizar com isso... Afinal, foi justamente o que fez o pessoal que lançou às pressas o filme em 2010).

Para permear o assunto sem entrar nele (de novo spoilers, mas quero enfatizar o quanto odeio usar essas luvas de pelica para escrever!), Ishiguro trata de uma faceta não imaginada do problema da desumanização, e, até porque não, de nosso egocentrismo, ou se preferir, da falta de empatia.
Vemos os problemas de outras pessoas, compreendemos, mas, curiosamente eles quase sempre nos parecem alienígenas. Não gastamos muito mais que dois segundos em coisas que não são nossas.

E essa é minha resenha sem spoilers. A versão com spoilers (do parágrafo anterior e final) está na seqüência em cor transparente (precisa ser destacada com o mouse).

As crianças no orfanato/internato são clones criados com o propósito de repor órgãos de pessoas comuns, mas recebem uma espécie de tratamento 'humanizado' para receber uma vida comum, crescer, brincar e se divertirem até que chegue o momento que deixarão de ser pessoas e cederão as peças de reposição para as pessoas reais que precisem. Algo como se Ishiguro descreve-se um romance adolescente sobre bovinos num abatedouro (mas isso seria ridículo demais e, bem, quem levaria a trama a sério ou teria qualquer empatia?) 

Da edição da Cia das Letras, além de dizer que é impecável, é necessário destacar o quanto é bonito o acabamento da editora (a capa prateada com os detalhes brancos, enquanto as laterais do livro estão todas pintadas com um preto que tenta transmitir um tanto a escuridão na qual o leitor adentrará; Fora isso a imagem da capa com alusão ao Homem Vitruviano de Da Vinci com uma conotação pós-moderna, cheia de fios e cabos de energia dá um tom muito mais próximo da ficção científica da obra que a capa original da primeira edição brasileira).

Uma leitura imperdível.
Nota: 9,5/10.

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