Pesquisar este blog

18 de fevereiro de 2016

{Resenhas de quinta} O Escultor - Scott McCloud (ou a minha resenha mais difícil).

O que acontece quando eu li a edição brasileira da obra de Scott McCloud 'O Escultor' foi um duplo baque, e eu tentarei explicar da maneira mais sucinta para que fique clara e contextualizada a minha posição.

Sem dúvidas essa é uma das mais brilhantes obras em quadrinhos dos últimos 20/30 anos. Fácil.
McCloud pegou toda a teoria de seu 'Desvendando os quadrinhos', 'Reinventando os quadrinhos' e 'Desenhando quadrinhos' e aplicou de maneira ímpar, como somente um grande gênio que domina sua arte - algo como um Eisner, Moebius ou Chris Ware.
A história é sútil, cheia de camadas com uma série de comentários maiores sobre a proposta - e o papel - da arte no mundo contemporâneo, e, com uma premissa tão deliciosa e brilhante que é até frustrante!

O protagonista recebe uma oferta que lhe dá 200 dias para focar em seu trabalho e colocar seu nome nos anais da história de seu ramo de trabalho (inclusive com maior facilidade em construir e moldar as obras para dar vazão a suas obras), e, essa é a história de como, bem, mesmo com todas as facilidades, as coisas não são exatamente um caminho linear, lindo e direto.

Ter o que mais se deseja pode ser frustrante - principalmente quando os frutos deste trabalho não chegam. E em se tratando da arte, principalmente, onde tantos e tamanhos gênios morreram no ostracismo somente para serem descobertos post mortem (Van Gogh só vendeu um quadro em vida).
É a beleza de brincar com o tema com tanta elegância que faz da obra de McCloud a leitura imperdível que é.
...
Dito isso, a edição da Jupati/Marsupial me faz questionar os limites entre "EDIÇÃO" e "INTERFERÊNCIA" sobre a publicação original.
No trabalho de McCloud (imagem 1) existem os tons de azul para compor a cor em conjunto com o preto e branco. É sútil e discreto.


A cara edição brasileira da Jupati (braço de quadrinhos da Marsupial) é preto e branco com tons de cinza (imagem 2).


Pode parecer bobagem, eu sei, mas isso muda a percepção e a ideia da obra.
A percepção cromatográfica muda a noção visão de eventos/sentimentos/memórias.
McCloud sabe disso e discorreu em suas obras teóricas sobre o uso e influência das cores... Então não parece avulso que ele escolheria o uso de uma cor (o azul pra compor as imagens com os tons de branco, preto e cinza) aleatoriamente e que isso não teria qualquer significado... Na verdade NÃO é nada avulso.

O protagonista David lida em toda a obra com sua depressão - inclusive com outros personagens com suas depressões particulares - e, o azul é uma cor que no inglês está intimamente ligada à depressão e melancolia. To feel blue é um sinônimo de 'sentir tristeza', e, inclusive existe todo um gênero musical sobre a cor e seu sentimento de tristeza (e a tristeza que inspira).
E enquanto os tons acinzentados contrastando ao branco e preto não tragam exatamente um sentido oposto de alegria pungente ou excitação mudando completamente o sentido da obra, eles também não colocam a arte de McCloud aqui na sua devida e justa condição única (o azul a diferencia de todas as obras pretas e brancas com tons de cinza - como The Walking Dead ou Cerebus)

Não existe exatamente um motivo para isso.
A editora não coloca uma página explicando num 'Ei, você pode notar que essa edição foi lançada um pouco diferente do original e é por isso...'. Nada.
É como se fosse a mesma coisa, só a versão nacional do mesmo produto.
E eu sei que parece 'pouco', pois não é exatamente uma diferença exorbitante (em se tratando de Brasil em que a Abril desavergonhadamente fez barba, cabelo e bigode com os quadrinhos da Disney, Marvel e DC - cortando páginas e inclusive alterando personagens das histórias), só que não importa.
Não é papel da Jupati/Marsupial alterar a obra por nenhuma razão, pelo contrário, o papel da versão traduzida é de aproximar o público do material.

E inclusive nem faz muito sentido no quesito de baratear a obra/impressão quando a versão nacional chega ao exorbitante preço de R$89,00! (A versão em capa dura pelo Amazon está R$111,02 - ênfase na capa dura que não existe na edição nacional - e a versão kindle fica mais barata que a versão brasileira), principalmente quando existe um enorme esmero na qualidade do papel (é mais grosso que o comum, e menos reflexivo que o papel utilizado pela Panini em seus encadernados) e tradução (excelente trabalho do Érico Assis, ainda que existam uns errinhos bobos como um 'Mmenina' que até agora eu não entendi como chegou à versão final). Será que ficaria tão mais caro assim a versão em português com as mesmas cores?

Então, pra mim, fica difícil julgar o trabalho, pois enquanto a obra de McCloud é uma das mais brilhantes que li dos últimos 30 anos (o que a garantiria um 10 com louvor facilmente), a edição da Jupati/Marsupial me faz questionar se eu li a obra de McCloud, e, com o pouco que vi da prévia com os tons de azul, eu tenho a impressão que não.
Eu tenho a impressão que existe uma obra espetacular e que merece um 10, droga, talvez um 11.
Infelizmente a edição da Jupati não é essa obra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário