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19 de maio de 2019

{Editorial} Um problema de percepção (e favoritismo)

Nas últimas semanas com a última temporada de Game of Thrones e o mais recente filme da franquia dos Vingadores chegando quase que simultaneamente, percebe(u)-se uma recepção bem diferente de ambos, e, quase que inversamente desproporcional.

Fãs do seriado da HBO inundaram a rede para criticar de toda forma possível, solicitar que se refaça a última temporada por completo e que sejam pedidas desculpas públicas admitindo que eles são muito mais espertos que todo mundo (incluindo o escritor da série de livros, que, vale lembrar é produtor executivo e apita bem mais que muitos executivos da HBO sobre o material).
Poderia ser melhor? Sim.
O terceiro episódio é mais escuro que a fossa de Mariana à meia noite, é verdade (e acho que já falei o que tinha pra falar do porco serviço com o aplicativo da emissora), mas fora isso? São escolhas narrativas e, ao meu ver bastante condizentes com o material que foi se construindo até aqui.

Os maesters avisam, temporadas atrás, que não deveriam se importar com a ameaça do rei da noite - e que a Muralha o pararia. Outros disseram coisas semelhantes (incluindo o tio perdido Benjen Stark), e o fato que o seriado deixa claro que, bem, por centenas ou até mesmo milhares de anos os tais caminhantes brancos não foram um problema preocupante?

A reviravolta com Daenerys? De novo, algo que mesmo na primeira temporada (com a reação de Cigano Ígor diante do assassinato do irmão), e várias e várias vezes depois com suas ameaças (como o cerco de Meereen - enquanto suas pretensões até o momento eram de partir para Westeros e não havia exatamente qualquer ganho estratégico no ataque à cidade, mesmo alegando a moralidade de libertar os escravos, a ação à força em tempos de guerra e estoques limitados, levando a enorme mortandade e destruição não parece exatamente salutar). E se levar em conta os desenvolvimentos da temporada (e da última), com a perda de aliados, as traições em seus homens de confiança, e, claro, contemplar que todo o trabalho das sete temporadas anteriores e que fizera em Meereen seria em vão ao se deparar com outra pessoa com maior direito ao trono...

Droga, perto de reviravoltas 'estúpidas' e 'vindas de lugar nenhum' não tá nem perto do Reino Quântico que permite viagens no tempo - ou telepatia (sério, eu assisti Homem Formiga e a Vespa, mas você pode se poupar e ver tudo de errado com o filme), ou, bem, o Homem de Ferro putinho por algo que estava resolvido num filme de 2016 (e que já era bem estúpido naquele filme)... Sinceramente, dava pra fazer uma lista bem longa de reviravoltas estúpidas (Come as you are me faz lembrar algumas imediatamente), e eu acho que isso leva a uma discussão que me parece mais pertinente.

Enquanto a percepção nos afeta e distorce a realidade (gosto de citar bastante os Simpsons nesse quesito que mesmo fãs de longa data insistem que pioraram ignorando os terríveis episódios das primeiras temporadas como se todo episódio recente fosse aquele com a participação da Lady Gaga), existe um viés, ou até mesmo o revés, de como nossa percepção muda o conteúdo e vice-versa.
É o debate do 'livro vs filme' que tão comum e frequentemente se diz que o livro é melhor, ainda que seja uma igual falácia. O livro é melhor quando a adaptação é pior, ponto.
É só ver O Iluminado de Kubrick (com atuações impecáveis e um universo brilhantemente construído) com o de Stephen King (com cercas vivas que caminham à noite).

Aqui talvez seja onde chegaremos mais perto do ponto, afinal, com relação à literatura existe um culto enorme de valorização da palavra escrita como algo superior e inegável enquanto o oposto ocorre com os quadrinhos (que são, ainda, considerados materiais para subletrados e analfabetos) e com isso o cinema ou televisão agem de maneiras opostas na adaptação destas mídias.

Adaptação a partir de livro é uma redução da fonte original enquanto uma adaptação de quadrinhos é um acréscimo, e com isso parece indiferente do teor e resultado na grande maioria.
Desde o primeiro filme dos X-men que tinham vergonha de suas origens nos quadrinhos (e desprezavam os uniformes coloridos e colantes) isso já ficava bastante evidente, mas com o passar dos anos e cada vez mais empenho em contratar grandes atores (mesmo que fosse desnecessário como a ganhadora do Oscar Marisa Tomei como Tia May para seus todos cinco minutos de tela combinados no MCU, e antes dela é ainda pior com a excelente Sally Field no papel!), enquanto isso mexer mesmo que em uma vírgula, e um fio de cabelo, tom ou sotaque de algo adaptado de um livro seria um ultraje.

Com o seriado da HBO a situação piora, inclusive, pelo fato de George R R Martin sequer terminar sua série de livros (e, bem provavelmente nunca o fará, ciente das críticas dos fãs), deixando aos produtores do seriado a missão de preencher as lacunas e tentar guiar o material da série para uma conclusão (lógica ou não).
Para os fãs descontentes, fica fácil descer a lenha e dizer que nos livros será (ou mesmo já é) bem diferente... Ainda mais com a aura de que está incompleto e que a visão completa de Martin possa (ou pudesse) redimir todas as falhas na percepção deles, fãs.
Algo que dificilmente aconteceria (ou acontecerá), é verdade, considerando o péssimo quarto livro (que a série fez o possível para alterar em algo bem mais agradável).

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