Alguns anos atrás South Park fez uma paródia com o seriado da HBO comentando sobre como o material de George R R Martin tinha enorme fixação por pirocas. É verdade que à época eu não conhecia muito bem nem o seriado nem os livros. Isso foi em 2013.
Eu acredito que na época eu tinha lido somente o primeiro livro da série, e o seriado estava por sua terceira temporada (que retratava de parte do terceiro livro de George R R Martin: A Tormenta de Espadas), e isso foi dois anos depois do último livro publicado da série até o momento (A Dança dos Dragões) em 2011, mas quase vinte anos do sucesso do primeiro lançado em 1996.
E é verdade que a série da HBO tem um apelo, bem, digamos de maneira simplória mais 'apelativo' com longas e desnecessárias cenas nos bordéis de Mindinho que parecem mais saídas de alguma novela da Globo que de um seriado de alto prestígio, e são cenas estas que não fazem parte dos livros.
No entanto os livros fazem questão de enfatizar, tanto quanto a animação South Park destacou, há enorme fixação por pirocas. Sejam os castrados aqui e acolá, seja em descrever os diferentes tipos de castrados, seja em um capítulo com canibalismo em que um personagem destaca que a piroca é mais saborosa que uma linguiça (juro que não estou inventando), mas também estão nos personagens que fazem seus votos de celibato (e são muitos, como os homens da Patrulha da Noite ou da Guarda Real) e quanto se menciona que são eles tão homens quanto os castrados.
Lendo os livros, eu vejo bem de onde veio a piada de South Park, e, infelizmente tenho de concordar com ela muito mais hoje do que a entendera na época.
O mesmo vale para a alusão ao seriado da HBO com os jardins da conspiração - mas aí a piada de Parker e Stone perde bastante o ponto. Sim, na segunda temporada (e até o casamento púrpura) os jardins de conspiração eram algo que surgia bastante no seriado, em partes como alusão ao segundo livro (com a longa e repetida história de Sansa e sor Dontos).
Em 2013, no entanto, a HBO tinha uma decisão séria a tomar com relação a como seguir com a série, afinal, se George Martin levasse mais cinco-seis anos na produção o sexto livro como fizera a partir do terceiro de sua saga literária, o sexto livro seria publicado em 2018 ou agora em 2019, e, continuando as adaptações de um livro por temporada resultaria em terminar os livros para adaptar beeeem antes da publicação do próximo volume. E isso era um problema.
Com isso a HBO improvisou um pouco, e, como resultado tivemos algumas adições forçadas de personagens e situações pouco interessantes (como os traidores da Patrulha da Noite recebendo bem mais destaque que necessário por exemplo ou o julgamento de Tyrion levando vários episódios na quarta temporada) para prolongar o terceiro livro por quanto fosse possível.
Não é exatamente algo inédito, diga-se de passagem, No Japão com as adaptações de mangás para animês, é frequente que as companhias responsáveis pela animação façam modificações para que o quadrinho avance e chegue ao ponto da animação, com o que se chamam de episódios 'filler' (ou enchimento ou mais ainda enchimento de linguiça). Existem vários sites dedicados a apontar isso nas animações japonesas, e ainda que esses filler não representem avanço na trama podendo gerar inclusive temporadas inteiras de filler (como a saga de Asgard de Cavaleiros do Zodíaco) não significa algo de negativo necessariamente.
Com a incerteza acerca de futuros lançamentos para concluir o material, e, francamente com decisões questionáveis nos últimos volumes lançados (com a adição de personagens pouco memoráveis ou interessantes como o Pastor Greyjoy e a igreja invisível ou a trama de Brienne percorrendo Westeros sem eira, beira ou propósito no quarto volume), e tramas que inclusive não fazem muito sentidos no contexto dos volumes anteriores (como o casamento de Daenerys com Hizdahr zo Loraq no quinto volume), coube à HBO decidir editar pesadamente o material e buscar preencher as lacunas da narrativa já lançada no contexto que lhes parecesse coerente.
Esse é o caminho de Fullmetal Alchemist, que, ainda que bem diferente do material de onde se originou (que resultou na adaptação Fullmetal Alchemist Brotherhood mais fiel ao mangá), pelo menos é uma adaptação interessante.
Com Game of Thrones, bem, a adaptação permitiu quebrar as correntes do livro e criar algo mais interessante. Sumiram vários personagens dos livros, assim como muitos dos seres místicos e menos e, bem, vale destacar que muitos dos episódios com melhor pontuação do IMDB da série são de temporadas mais recentes, sendo A Batalha dos Bastardos (com 9,9 da sexta temporada) o maior pontuado até o momento, mas ainda estão ali vários outros como Os Espólios da Guerra (com 9,8 da sétima temporada) e A Porta (com 9,7 da sexta temporada).
É uma raridade em várias instâncias, que não somente episódios de temporadas tardias estejam melhor cotados que episódios mais antigos mas também que material que não é canônico supere com vasta diferença os episódios de material canônico (o melhor cotado é o do casamento vermelho da terceira temporada).
Mas o fato que fica é que por um lado temos um autor presunçoso (ei, ele disse com todas as letras que se a HBO fosse fidedigna com seu material ainda estaria adaptando o primeiro livro, e francamente não posso discordar mais) e preguiçoso, que levou onze livros para publicar dois livros fracos, além de uma longa (e desnecessária) enciclopédia histórica fictícia... Enquanto do outro tempos uma produtora de conteúdo que lançou alguns dos maiores seriados da tv de todos os tempos colecionando prêmios e mais prêmios (e em alguns casos, mesmo sem ganhá-los receber enorme prestígio, como no caso de The Wire), então as edições parecem justificáveis para apontar para uma trama que de fato convencione uma saga dessa magnitude.
Os monstros além da muralha avançando lentamente conforme o inverno surge sendo a grande ameaça unificadora para os exércitos inimigos parece uma narrativa mais coerente do que, bem, o que quer que Martin pretendesse após matar Jon Snow e eliminar as tramas da Muralha de seus próximos livros... Talvez Stannis propriamente dito? Ou a Lady Coração de Pedra?
Francamente não sei, mas pouco me importo de fato.
Até porque o que parece é que Martin mesmo pouco se importa e fez o que parece mais fácil - ao oferecer um final para sua história através do seriado, e, dependendo da recepção avaliar que ou se continuará com os livros - mas o tiro parece mais que sairá pela culatra do que será vantajoso.
Sem mudanças da trama do seriado, os livros futuros serão pouco ou nada interessantes (afinal, já sabemos do retorno de Jon Snow dos mortos para liderar seus homens contra Ramsay Bolton com sucesso, por exemplo), e, aqui reside inclusive o grande ponto onde Martin não foi capaz de obter sucesso.
Em cinco livros, com uma guerra entre cinco reis e muitos outros confrontos pelo largo continente de Westeros, a série traz muito pouco das batalhas propriamente ditas.
São histórias de bastidores, contos repassados por ouvintes e participantes (Robb Stark por exemplo não tem um único capítulo com seu nome, e Jaime somente recebe capítulos depois de sua participação ativa nos conflitos), ao ponto que um dos cinco reis em conflito morre sem cerimônias com uma menção singela. A mais grandiloquente batalha - o ataque de Stannis à Porto Real, chamada de a Batalha de Água Negra, é uma confusão sem igual nos livros cortando para pontos de vista distintos sem que seja possível compreender o que está de fato no confronto em si.
Na série também existe uma série de transições fora dos focos de combate - numa adaptação mais próxima dos eventos do livro - mas ao menos é mais fácil compreender onde estão os exércitos e como transcorre a ação em si.
Na grandiosa batalha seguinte do seriado, a já mencionada Batalha dos Bastardos, o seriado também se mostra capaz de manter o ponto de vista, principalmente focando em Jon Snow em meio à confusão do conflito, por vezes completamente aturdido, confuso e até mesmo soterrado por cadáveres, mas a todo e qualquer momento do conflito é possível perceber onde estão os adversários em relação uns aos outros. E esse material não é algo que foi escrito por George Martin - mesmo que ele tenha concebido a fundação para isso.
Se o final será satisfatório, só o dia 19/05 quando o sexto episódio for exibido poderá responder, mas parece cada vez mais que na tv ele será bem melhor que dos livros.
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