O final é bastante clichê, verdade seja dita, e diga o que quiserem, mas não existia nem motivo para mais de uma temporada - ou, pelo menos não da forma como seguiram as duas temporadas seguintes - a menos que você considere uma ponta de dez segundos sem diálogo de uma atriz incrivelmente conhecida (e que não agrega absolutamente nada para a cena ou a série) algo que mereça discussão e debate - enquanto eu acho que isso é simples e unicamente análise excessiva.
Não existe nada para se observar, analisar ou discutir no final de Round 6 além de como é um final vazio, apático e, categoricamente, sem nenhum do impacto e crítica contundente ao contrário do que fez a primeira temporada um fenômeno global. Então porque isso aconteceu?
Bem, esse é o ponto que pretendo analisar nesse post, ainda que não pareça categoricamente difícil de entender (é o capitalismo, baby), mas eu pretendo demonstrar através de alguns exemplos na história não tão antiga que demonstram como isso acontece de novo e de novo e porque.
Começando quase cinco décadas atrás quando Rambo - Programado para Matar um livro de 1972 e adaptado para os cinemas uma década depois, e, se tornou um baita sucesso rendendo várias continuações, uma série animada (com duas temporadas e sessenta e cinco episódios!) e mais uma série de brinquedos, lancheiras e todo tipo de merchandising... O que é particularmente curioso porque o filme original era voltado para adultos ao lidar com assuntos pesados como transtorno pós-traumático e o tratamento de veteranos de guerra (que vale lembrar, no filme e no livro são tratados pior nos Estados Unidos que no país em que estavam combatendo - Rambo especificamente conta histórias sobre frequentar bares com outros soldados em Vietnam enquanto é escorraçado por um xerife pura e simplesmente por cruzar uma cidade).
O ponto todo do livro de David Morrell está no fato que esses jovens foram mandados para lutar em guerras pelas quais ninguém se importa - inclusive com esses jovens quando voltam para casa. Não existe nenhum reconhecimento ou parada. O que acontece depois? Uma franquia em que Rambo vence o Vietnam sozinho mais de uma década depois do fim do conflito enquanto vendendo lancheiras para crianças, e com isso toda a crítica contundente se torna pasteurizada e perdida numa confusão para criar (mais) um supersoldado herói de ação genérico.
Não é um caso isolado, alguns talvez até foram sucessos maiores (como as Tartarugas Ninja que eram um quadrinho beeeeem violento e foram adaptadas na maior franquia animada dos anos 1990 e que continua a render frutos) e no geral o motivo principal é grana com toda a certeza, e não só certeza é pungente. Essa é a lógica da Netflix aqui com Round 6 também, vendendo ultraprocessado de frango, fantasia de Carnaval e Halloween e licenciando o material para tudo possível e imaginável - inclusive com um esforço enorme para infantilizar o conteúdo e vender para crianças através do Mr Beast (e não só ele).
Marketing, propagação da marca, lave e repita. Isso obviamente dilui o argumento, e quando a segunda e terceira temporadas surgem anos mais tarde, você já viu tantas variações e diferenciações que não existe muito mais que a franquia de fato conseguiria criar de novo ou interessante, não é mesmo? Ou mesmo que consiga algum baita argumento fantástico, ele se dilui e perde em alguma das incontáveis peças obrigatórias para garantir o número de episódios ou o tempo de duração firmados em contrato.
E, vamos lembrar, a Netflix conseguiu muito sucesso buscando contratos fora do mercado estadunidense, justamente ao buscar brechas e condições de distribuição mais baratas, onde encontrou na Índia e Coréia do Sul lugares espetaculares para comprar novelas e programas para lotar suas grades ao passo que concorrentes surgiam.
Nada disso foi realizado com a perspectiva de encontrar ouro, e sim de lotar a grade, e, se por sorte/coincidência algo se tornasse um fenômeno global, bem, não é como se eles tivessem grande coisa a perder - provavelmente com os contratos já bem amarradinhos para garantir maximização de lucros, distribuição e merchandising, e, caso precisassem renovar, eles tem um número gigantesco de advogados e executivos prontos para oferecer todo tipo de conversinha para dissuadir um criador sonhador (como oferecer um bônus de performance com coisas do tipo "Ei, mas na primeira temporada você não teve toda a máquina da Netflix para promover seu show, e agora ele já é um fenômeno global... A segunda temporada claramente terá muuuuuuito mais audiência").
Sim, dinheiro e cinismo, a mais fantástica combinação para garantir maximização de lucros e a precarização de resultados (o que inclusive oferece melhor condições de barganha pra maldita empresa na renovação de contrato devido a redução nos números da série - enquanto a empresa lucra horrores com licenciamento). E não duvide que isso (forçar metas impossíveis depois de um sucesso único em uma geração enquanto diluindo os retornos continuamente) seja tática padrão dos contratos para que o criador tenha o mínimo de controle criativo e abra mão de seguranças financeiras importantíssimas.
Veja, voltando para Rambo, o final do livro é bem diferente do filme. Rambo morre no final (e não apenas morre como é assassinado pelo Coronel Trautman) como uma mensagem clara do governo estadunidense varrendo os veteranos do Vietnam como meros inconvenientes, o que claramente é uma mensagem bastante crítica não apenas da 'Murica como da estrutura do complexo industrial militar fomentado pelo capitalismo... Mas se Rambo se redime e vira o grande herói de ação em filmes subsequentes (e séries de animação) enquanto reconhecido como o mais brilhante soldado vivo, bem, a mensagem vira outra bem diferente, não é mesmo? A mensagem quase se torna nula e inválida, pasteurizada e perdida numa masturbatória ode ao soldado estadunidense que vence uma guerra sozinho porque nada ou ninguém se compara (USA, USA!!!)
Rambo não é mais um soldado lidando com trauma, ele é um herói.
A mensagem muda e o dinheiro continua jorrando, mesmo que o ponto se perca completamente.
Então o que acontece com Round 6? A primeira temporada é uma severa crítica ao capitalismo que joga pessoas em uma série de competições (que são jogos infantis tradicionais na Coréia) ao mais completo desespero para aceitar condições abjetas por uma promessa de recompensa gigantesca - que pode ou não vir - e que força as pessoas a seus instintos mais crueis, vis e primitivos pela sobrevivência. Como você continua quando a situação chega às últimas consequências e alguém vence nesse jogo?
Bem, a conclusão lógica é de partir para o enfrentamento para destruir a estrutura e acabar com o jogo, expondo o quão absurdo e ilegal ele de fato é (afinal todo aquele monte de gente morrendo para diversão de meia dúzia de apostadores bilionários), mas, conforme o sucesso da primeira temporada e tudo o que eu argumentei até agora, eles precisam refazer o jogo e reestabelecer os elementos e agregar novos conceitos (novos jogos e desafios) enquanto conduzindo algum mínimo de trama sobre o enfrentamento para destruir essa estrutura e acabar com essa máquina maligna de moer gente.
No entanto essa não é a mensagem que os produtores e executivos querem - pois a estrutura e máquina maligna de moer gente gera audiência e consegue contratos de licenciamento - e talvez funcione melhor com um 'Mas será que o verdadeiro Round 6 não são os amigos que formamos pelo caminho?' ou algo nas linhas de que talvez o problema sejam as pessoas ruins que mantém o jogo e não o jogo em si...
Indiferente, o final todo se volta em tentar criar uma imagem positiva e deixar claro que é impossível acabar com essa estrutura toda - pois sempre haverá alguém para assumir o controle do jogo, talvez até a multitalentosa Cate Blanchet...
Lave e repita...

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