Menos de uma semana após o anúncio de que o Facebook eliminaria a moderação em suas plataformas (algo já feito por Elon Musk em seu Twitter), vemos uma história nojenta como a do Brasil Paralelo e amplamente difundida, inclusive pelo Estadão e vários canais do youtube de nerdolas otários de que Sonic 3 não estaria na listagem para o Oscar por não incluir minorias e mais uma outra grande dose de teorias conspiratórias depois de um evento em 2016 ou alguma bobagem do tipo.
A verdade, obviamente, é bem mais simples, obviamente. Para um filme ser considerado para o Oscar, ele precisaria ser exibido por pelo menos 7 dias consecutivos em cinemas em uma das seis maiores áreas metropolitanas dos EUA durante o ano anterior (2024), e ter pelo menos uma hora e quarenta minutos (para as categorias longa-metragem). Sonic foi lançado em 26 de dezembro (com algumas pré-estreias que anteciparam o filme justamente pelo feriado do Natal), o que significa que para conseguir 7 dias consecutivos, dezembro teria que terminar no dia 32 (pelo menos).
Então porque o Brasil Paralelo lançou essa balela obviamente ridícula? Bem, em partes porque é o que eles já fazem mesmo, e é impressionante que não tentam nem ser um relógio quebrado para pelo menos acertar de vez em quando, mas o objetivo é sempre causar indignação seletiva e direcionar o ódio a algum grupo específico (as instituições de ensino com o terraplanismo, a indústria do entretenimento com argumentos de políticas inclusivas e por aí vai).
Curiosamente, porque é bem óbvio que quem lê esse tipo de mentira só vai espumar as conspirações e não vai sequer tentar raciocinar minimamente, é muito fácil apontar o quanto o argumento é ridículo. Considerando que Sonic não fosse excluído automaticamente da lista do Oscar por uma 'tecnicalidade', lembremos que só em 2024 foram lançados 569 filmes (número que caiu significativamente com a pandemia, quando em 2019 eram 792 filmes), ou seja, mais de 10 filmes por semana do ano.
Obviamente, esse número de filmes tem de diminuir drasticamente para que os jurados possam apurar de acordo com os critérios subjetivos do que consideram melhor, e, dessa feita quantos mais filmes sejam eliminados previamente (por tecnicalidades ou não), melhor para os juízes.
Mesmo assim, uma série de filmes são meio que ignorados automaticamente. Com mais de vinte filmes, a franquia de James Bond historicamente só foi indicada a prêmios como melhor canção (que no caso dos grandes compositores para a franquia, quase nada tem a ver com a direção, os atores ou os filmes em si), melhores efeitos especiais, melhores mixagem e edição de som, com apenas uma única indicação por melhor CINEMATOGRAFIA. Mais de vinte filmes de uma das franquias mais reconhecidas do mundo, com um elenco extraordinário e alguns diretores que viriam a ganhar premiações pro outros filmes, e Bond não teve um único filme indicado com melhor filme, melhor ator, atriz ou ator coadjuvante. (Diga-se de passagem, outros prêmios pelo menos indicaram melhores coadjuvantes dos filmes da franquia).
Não é muito diferente com Jurassic Park, os filmes do MCU ou droga, gêneros todos como horror ou comédia! E com filmes para o público infantil (onde Sonic se enquadra) só se estivermos falando da categoria específica para animação ou algum prêmio técnico de efeitos especiais, mixagem de som ou o que for. Roger Rabbit apresentou toda uma revolução para a indústria da animação e, bem, reforçando o que foi dito até agora, nada além de prêmios técnicos (no ano de Uma Secretária de Futuro e O Turista Acidental - filmes que eu tenho certeza que você se lembra).
Então porque seria diferente com o terceiro filme de uma franquia que mal é um sucesso no Kid's choice awards nos primeiros dois filmes?
Mas e as animações alguém pode perguntar? Porque não seria indicado como melhor animação?
Bem, as regras aqui são um pouco diferentes com a condição de pelo menos 75% do filme tem que ser animação (o que já exclui os filmes da franquia - assim como os Transformers e outros similares) e um número significativo dos persoangens principais tem de ser animados (de novo, temos James Marsden, Jim Carrey e toda uma quantidade significativa de personagens humanos interagindo com Sonic e companhia).
É tão absurdo sequer considerar esse tipo de narrativa que é assustador ver isso funcionar. Mas aí que tá, o meu sobrinho de nove anos (que foi quem me contou que ouviu essa história) não tem o menor motivo para entender como funciona o Oscar, e, para ele soa perfeitamente aceitável o argumento, já o colocando na rota terrível de odiar minorias por excluir seu filme favorito de uma indicação (QUE ELE JAMAIS RECEBERIA DE QUALQUER JEITO!)
Mas porque disseminar essa mentira específica?
Bem, olhando os resultados do Globo de Ouro que são um forte indicativo para os rumos da temporada de premiação do ano e onde vemos um forte favorito ao Oscar num filme cuja história é de um sujeito violento que faz transição de sexo e se torna uma pessoa melhor (inclusive advogando contra a violência), um outro sobre um sobrevivente do Holocausto se deparando com a ganância e corrupção nos Estados Unidos mas mais importante, o Brasil ganha destaque com um filme que retrata os horrores da ditadura militar (com fortes chances não apenas de indicações como de vitória para Fernanda Torres e até para o filme na categoria de Melhor Filme Estrangeiro), esses caras precisam imediatamente criar um factóide para justificar que existe toda uma cabala conspiratória em Hollywood para desligitimizar as conquistas.
Porque eles precisam usar a mentira como uma ferramenta.
Isso acompanha todo um precedente que tenta desviar o foco do problema enquanto permite aos verdadeiros culpados capitalizarem em cima disso.
E eu nem precisaria de muito mais para falar de Mark Zuckerberg (que anunciou no começo da semana que vai demandar da checagem de fatos), quando seu facebook está sob investigação do congresso americano desde pelo menos 2021, além do caso da Cambridge Analytica (de 2014), o site vem perdendo usuários há um bom tempo e honestamente virou um paraíso para golpes e fraudes há um bom tempo, e não é citado como referência para nada além de alguma piada de mal gosto.
Claro que ele tentaria surfar na onda dos tech-bros para seguir nas boas graças do governo republicano (talvez diminuindo o impacto de investigações, talvez permitindo maior restrição aos principais competidores globais (como o Tik Tok).
Esse (infelizmente) é só a primeira instância desta nova coluna periódica abordando o uso da mentira como ferramenta para disseminar ódio e desinformação, e, espero cobrir uma variedade de assuntos, ainda que a cultura popular seja o foco sempre que possível (já estou trabalhando no próximo rebatendo os argumentos de um "fã" de Star Wars).
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