Geralmente quando alguém fala da série da família amarela com nostalgia acaba referindo ao material um período específico de suas melhores temporadas, e elas tendem a ser ou as dez primeiras ou as catorze primeiras ou da terceira a oitava temproadas ou uma série de outras combinações que essencialmente definem que em algum ponto a partir da décima temporada as coisas degringolaram e anos de cuidadosamente planejada construção de personagens e série caem por terra.
Eu já falei um pouco sobre isso, até porque esse ponto arbitrário da décima (ou décima e pouca) temporada coincide com a chegada de concorrentes aos Simpsons, com South Park (1997), Uma Família da Pesada (1999) e Futurama (1999) marcam essencialmente o ponto em que estamos falando (a décima temporada de Os Simpsons foi ao ar a partir de agosto de 1998, terminando em maio de 1999). Não muito depois em 2001 começava o bloco de animação adulta (não pornográfica, seu mente suja) do Cartoon Network com o Adult Swim que além de apresentar vários animês para o público norte-americano, também geraria material como Harvey Birdman, o Advogado (2000), Frango Robô (2005) e mais recentemente Rick e Morty (2013) e nesse ponto a partir dos anos 2000 com cada vez mais variados e diferentes estilos de animação, desde material voltado basicamente para crianças como Apenas um Show e Hora de Aventura (2010) ou O Incrível Mundo de Gumball (2020) passando por material bem mais adulto como Archer (2009) e diversos outros projetos e ideias com tons mais adultos ou infantis dos últimos vinte e tanto anos, o cenário mudou muito, e, em grande parte mudou muito pelas formas em que consumimos esse tipo de material.
Se em 1989 quando a família amarela se lançou como uma série (após vários curtas no Show de Tracey Ullman) você quisesse assistir a um episódio, seria necessário se programar para assistir no momento e perder um episódio provavelmente significaria não ter outra chance de vê-lo até que as emissoras assim decidissem por reprisá-lo. Levou anos para que fitas cassete compilassem episódios (mas não temporadas inteiras, isso só com os dvds ainda anos mais tarde) e nisso as emissoras produziam temporadas mais longas, e, justamente para garantir a produção contínua de episódios eventualmente apelavam para episódios de clipes.
Estes episódios de clipes tem, no geral, as menores notas de público e críticos - e não apenas para os Simpsons - afinal, são episódios que não servem para nenhum propósito atualmente num cenário em que toda uma temporada (ou toda a série) estão disponíveis para maratonar e assistir na sequência sem intervalos. Mas eu não vou comentar sobre eles além de que isso era algo costumeiro na época e fazia sentido na época para ganhar tempo e produzir um episódio novo sem precisar de conteúdo novo (além de permitir em alguns aspectos incluir material inédito, como os Simpsons fizeram com o 138º Episódio especial).
E enquanto eu concorde que nenhum destes episódios são brilhantes (com pouco conteúdo original e no geral somente uma pequena e nula conexão entre as cenas para moldar o episódio todo - exceto o 138º episódio que eu genuinamente acho espetacular, e Por trás das Risadas não é um episódio de clipes ainda que seja classificado dessa forma), tudo isso é apenas uma inconveniência de outro momento da história, como televisão de tubo, internet discada ou controles remotos (ei, além do celular que funciona como um deles, você pode comandar através da voz com uma Alexa).
No entanto, fingir que todos os episódios desse período glorioso de dez (quinze ou seja lá quantas) temporadas é impecável ou superior mesmo desconsiderando os episódios de clipes é um tanto parvo, e, na minha opinião nada demonstra isso com maior clareza que o segundo episódio da série, Bart, o gênio.
Uma coisa que fica bastante nítida quando assistindo aos primeiros episódios da série, é o quanto as arestas ainda estão afiadas e o material precisa de refinamento tanto em animação quanto em termos de roteiro. Existe um diamante bruto ali, mas ele com toda a certeza precisava de bem mais que uma simples lapidação. Em um episódio como Bart, o gênio, vemos que era necessário extrair esse diamante de algum subterrâneo para só então trabalhá-lo e dilapidá-lo.A história não traz nada de particular interessante ou brilhante com Bart como um péssimo aluno trapaceando em um exame e sendo considerado um gênio (e nisso sendo transferido para uma escola para alunos geniais). E além da trapaça no teste de QI e de menções a nefrologia (em 1989, diga-se de passagem), o episódio cai em diversos clichês da estrutura de peixe fora-d'água enquanto caindo em vários clichês e bobagens sobre noções de inteligência (e por tabela de sofisticação intelectual) que fariam The Big Bang Theory parecer O Castelo Rá-Tim-Bum.
Mas é na segunda temporada com o irmão de Homer em que vemos algo que denota bem mais o quanto esse diamante se via enterrado e perdido sob uma montanha de lixo com o Irmão de Homer, um empresário de sucesso no ramo automobilístico que resolve ignorar toda a sua diretoria para permitir que seu irmão perdido de longa data desenvolva um veículo para o americano médio (e a noção do meio-irmão de Homer foi completamente defenestrada do canône da série nos anos e décadas seguintes).
Enquanto estes episódios são no geral melhores que muito do que eu comentei até agora sobre a série (afinal ainda existe o brilho de uma pedra preciosa em algum ponto mesmo que desvanescendo e se perdendo à distância), eles claramente precisavam de mais tempo para chegar a uma estrutura melhor e bem mais condição para inclusive fazerem sentido no contexto e mitologia da série como um todo.
Eu acredito que uma nota 5 seja alta para praticamente todos esse episódios, mas ainda assim, nenhum deles particularmente ficaria abaixo dos 3,5 necessários para ficarem no quartil inferior e categorizarem como os piores episódios de Os Simpsons. Cabe o comentário sobre o quanto faltava ainda um pouco para chegarem a um ponto ideal na construção de personagens, narrativas e episódios.
Talvez ainda mais importante, que nem tudo do passado era assim tão glorioso.
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