Pesquisar este blog

26 de maio de 2024

Dragon Ball (parte 2) Uma longa opinião

Ainda que o primeiro texto seja bastante cheio de opiniões e espaço para comentários (afinal eu não quis simplesmente resumir a história e falar sobre seus principais aspectos), me parece que faltou um pouco dos comentários mais específicos sobre o motivo da resiliência da franquia na percepção quarenta anos após seu início.

Nas versões em capa mole (que trazem pequenas orelhas junto a capa com foto e algums comentários do autor), existe uma perspectiva bastante interessante sob Toriyama, e, uma de suas opiniões que ressonou bastante e me chamou atenção foi justamente sobre o quanto ele se identificava com Goku como um peixe fora d´água, justamente contrastando as mudanças frenéticas que ele própria via no Japão (lembrando que em 1984, Toriyama nascido em 1955 estava com 29 anos e viu muito do rápido crescimento, industrialização e mudança de cenário que o país experimentou após a segunda guerra mundial). Toriyama comenta sobre a simplicidade da vida no campo (e lembramos que boa parte dos arcos iniciais se passam em campos abertos, diante da natureza e cenários deslumbrantes, e, igualmente, que o primeiro grande vilão, o exércio Red Ribbon surge justamente propondo progresso e rápida industrialização - através do fascimo é verdade), e, essa simplicidade e visão idílica do mundo se mantém e perpetua para as continuações.

Logo no começo de Dragon Ball Super, lançado já no século XXI mais precisamente em 2015 (após o sucesso dos filmes A Batalha dos Deuses de 2013 e a Ressurreição de F de 2015) Goku é retratado como um fazendeiro (mesmo tendo salvo o mundo várias vezes e sendo amigo de várias figuras importantes nesse mundo e no outro - como o senhor Kaioh e o Supremo Senhor Kaioh), e isso parece bastante alinhado com a visão de Goku durante toda a série, sujando as mãos de terra, longe das luzes, neon e fascínio da cidade grande.

E essa visão idílica, pelo menos na minha opinião, reflete muito de um mundo ideal como vemos na Turma da Mônica (que curiosamente também continua um acentuado sucesso que se manteve por várias gerações - no caso brasileiro já há mais de 60 anos, inclusive com as primeiras edições da Abril datadas de 1970, quase 15 anos antes de Dragon Ball). A série talvez não tenha grande nuance ou um estudo detalhado e complexo de personagens e narrativas (no melho dia Toriyama ainda está longe de autores americanos como Chris Claremont, e anos luz de gente como Neil Gaiman ou Grant Morrison), mas ele consegue com grande facilidade compensar isso com a energia e bom humor da série.

Sim, muitos vilões são bobos e os riscos são mínimos (afinal é só pedir para as esferas do dragão desfazer todo o mal cometido), mas essa não é uma história sobre a natureza humana com uma complexa análise sociológica e política. É um quadrinho sobre alienígenas trocando golpes pelo destino da humanidade que fazem pedidos para dragões mágicos, se você procura realismo aqui, bem, nem com toda a psicoldelia do mundo você vai encontrar.

Mais até que isso, Goku nem ao menos parece se importar em fazer o que é certo, ajudar os outros ou salvar o mundo contanto que ele possa lutar e testar sua força por mais alguns minutos (isso fica até mais claro em Dragon Ball Super quando ele repetidas vezes coloca o planeta em risco ao desafiar o Deus da Destruição Beerus -e não só isso mas todo o universo algum tempo depois no Torneio do Poder). Em pelo menos dois arcos que são reverenciados pelos fãs, o Arco de Freeza e de Cell, Goku poderia facilmente terminar a luta mais rápido (ou simplesmente terminar a luta), mas escolhe por prolongá-la para testar seus limites, inclusive oferecendo uma das sementes dos deuses/do ermitão (que na série curam uma pessoa de todos os ferimentos quase instantaneamente) ao vilão Cell para que a luta dure um pouco mais.

Encare como um filme de ação (daqueles do Stallone ou Schwarzenegger nos anos 1980/1990 ou do Vin Diesel e The Rock nos últimos 20 anos), não é pela trama e complexidade narrativa mas por cenas de ação interessantes e únicas que você não encontra em nenhum outro lugar.

No entanto, existe algo realmente importante que projeta Dragon Ball além na cultura popular, através dos videogames, seja com Sonic (sim, que reúne 7 esferas do, digo, jóias do caos e fica com os cabelos amarelos e mais forte), e jogos de luta nos arcades de 1990, como Street Fighter (com bolas de fogo e personagens coloridos e estranhos), era inevitável que Dragon Ball chegasse aos consoles também.

Outras séries não se projetaram da mesma forma (Cavaleiros do Zodíaco mesmo só tiveram dois jogos no período do Nintendo, e só foram aparecer em jogos de luta na época do PS2 enquanto Yu Yu Hakusho não tinha personagens tão peculiares), inclusive Toriyama trabalhou projetando personagens para um dos clássicos dos videogames, Chrono Trigger, então o autor pôde combinar suas habilidades de criador de mangá com designer de jogos - além de combinar ambas para facilitar projetos com sua franquia mais conhecida.

Mas não é só isso, pois a série ajudou a popularizar os animês pelo mundo - e é um fenômeno verificado no esporte ou no hip-hop/rap (não vou dizer que Jay-Z usa o nome em alusão ao seriado, mas também não ficaria surpreso, e seriados como Atlanta apontam ao menos algumas das conexões). Dragon Ball talvez não seja o maior responsável, mas é claramente um dos primeiros embaixadores.

No fim da contas, é uma longa aventura que não se importa exatamente com o destino final mas com os amigos que fazemos ao longo do caminho, e, bem, talvez essa seja uma grande lição de vida (se não uma grande reflexão social). Quer dizer, o final até parece implicar que para vencer o mal supremo não adiantam as ações individuais (por isso toda tentativa individual, cada nova técnica fracassa) a menos que todos se unam e trabalhem juntos (por isso a genkidama resolve), mas não vamos tentar extrair demais de um arco longo cujo vilão é um marshmallow rosa com cara de idiota.

E, ei, às vezes isso é mais que suficiente.

Nenhum comentário:

Postar um comentário