Então o que fica claro nessa longeva fase de Peter David contra as fases mais recentes?
Bem, primeiro, é o fato que essa fase está em constante mudança. Rick Jones se torna o Hulk, Bruce Banner se torna o Hulk cinza (Senhor Tira Teima, no Brasil) e se muda para Las Vegas, depois se torna verde de novo e inteligente e integra um grupo super poderoso chamado Panteão (e isso é só uma versão resumida e minúscula de dezenas de edições sem contar as tramas secundárias que são tão interessantes quanto, e, vale destacar, ainda é meio que a metade da série toda). Nesse meio tempo, ainda existe toda uma longa série de histórias secundárias envolvendo Rick Jones (o eterno parceiro mirim que acaba crescendo e se casando com Marlo Chandler), Betty e seu pai, o general Ross e, claro, toda uma gama (sem trocadalho) de eventos no universo Marvel (que passam pelo Desafio Infinito de 1991 - que elimina 50% de todas as pessoas vivas no planeta - até o Massacre e retorno dos heróis em 1997).
Nas quase 140 edições de Peter David, raramente vemos ideias recicladas ou cenários repetidos. O Hulk pode enfrentar o mesmo vilão mas são em circunstâncias ou condições bem diferentes ou para ilustrar narrativas e cenários diferentes (como quando se trata do Hulk Cinza - que não é tão forte quanto o Hulk Verde, por exemplo). Lendo pela primeira vez quando as histórias sairam ou hoje, ciente do final da série (ou do que vem depois) não faz tanta ou qualquer diferença para o leitor.
Os riscos estão ali e as mudanças são significativas o suficiente para manter o leitor engajado e interessado. Isso é algo que se repete mesmo em fases mais curtas (como a Liga cômica de Giffen/Dematteis que tem pouco mais de 60 edições assim como a icônica Saga do Monstro do Pântano de Alan Moore que nem chega a 50 edições), mas principalmente, é uma lição que os mangás abraçam constantemente e os quadrinhos norte americanos parecem ter esquecido.
Vejamos Dragon Ball, por exemplo, que tem 42 volumes (que compilam os 519 capítulos lançados na revista Shonen Jump entre 1984 a 1995 - e claro, sem contar a fase Super ou mesmo os filmes). Enquanto a série apresenta pelo menos 5 torneios (3 quando Goku é criança e mais dois - um com Cell e um terceiro na fase de Majin Boo), cada um deles apresenta condições, personagens e riscos diferentes. O primeiro torneio é quase um amistoso, sem nenhum vilão claro enquanto o torneio com Piccolo define o destino da humanidade, e, depois no confronto com Cell de maneira mais acentuada, mas entre os torneios sempre ocorrem arcos (geralmente envolvendo a busca pelas esferas do dragão do título da série), apresentando novamente outras condições, personagens e riscos.
E as mudanças são constantes inclusive para mudar a dinâmica da série - tirando o foco de Goku quando os saiyajins aparecem na série, e Gohan, o filho de Goku vai ganhando mais e mais destaque, assim como alguns dos coadjuvantes vão mudando suas perspectivas (o relacionamento inconstante de Bulma e Yamcha dá lugar para um novo entre Bulma e Vegeta, o mestre Kami fica cada vez mais de lado - conforme mais e mais personagens fortes vão aparecendo an série - sem falar de cenários como de Picolo e Vegeta se regenerando para enfrentar vilões ainda mais poderosos).
No entanto parece que o mercado norte-americano, com uma ânsia para manter uma publicação regular e constante (mais que um título bem escrito e interessante), as editoras preservam o status quo e garantir que os personagens mudem o mínimo possível, as editoras reiniciam com uma frequência incrivelmente alta os títulos, mudando completamente a dinâmica entre as narrativas e focos dos personagens com fases curtas (como citado aqui mesmo, as 14 edições de Donny Coates) que não desenvolvem suficientemente suas ideias ou sequer tem tempo para apresentar novos e interessantes elementos. Acabam repetindo clichês e narrativas que, bem, estão perfeitamente disponíveis para o leitor em fases anteriores (com preços mais acessíveis em encadernados - muitos dos quais inclusive estão de graça ou incluídos em serviços de assinaturas).
Exemplos não faltam, que vão do próprio Hulk com o qual eu iniciei esse texto - que passou por uma fase como Gladiador no espaço, foi substituído por um garoto asiático e pelo filho de Zeus, Hércules em determinados pontos e se tornou inteligente (de novo) e um agente da S.H.I.E.L.D. (para diferenciar do Panteão). Teve a fase Imortal (que eu realmente gostei no início e demonstrava enorme potencial) mas que sofreu do maior problema nestas estruturas narrativas, que reside no fato do autor se colocar em uma sinuca de bico inescapável, e, ao final tudo aponta para um retorno ao ponto de partida com um reinício numa nova série com um novo autor que ou ignora tudo o que foi imaginado e planejado na fase anterior (não existe mais nada de porta verde ou os elementos de horror do Hulk Imortal nas histórias que se seguiram, por exemplo).
O mesmo vale para a fase de Jonathan Hickman nos X-men ou de Tom King a frente do Batman... São propostas mudanças que, por melhores que sejam, não se sustentarão ou manterão até a próxima mudança editorial em que tudo volte ao ponto de partida, e, inexoravelmente pareça que as histórias não concluídas, as ideias mal ou pouco exploradas (e até mesmo as que foram exploradas e desenvolvidas mas que a próxima equipe criativa não se interesse ou simplesmente ignore), seja essencialmente um exercício de frivolidade.
O que por consequência gera apatia no leitor. Porque se importar em ler se a editora e a próxima equipe vai ignorar e simplesmente jogar fora as ideias interessantes da fase atual - ou até mesmo ela pode ser cancelada abruptamente deixando todo um potencial de boas histórias não exploradas? Ainda mais quando existe todo um baú de material já produzido e disponível para conferir...?
As editoras se colocaram nessas sinucas ao constante e frequentemente voltar ao ponto de partida para que nós leitores simplesmente não nos importemos mais.
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