(Aviso: Enquanto eu sei que talvez existam - óbvias - questões bem mais intrincadas envolvendo executivos em cargos poderosos tomando decisões incrivelmente estúpidas, deixemos de lado esse aspecto ao menos como exercício para esse texto).
Sem muita enrolação, o motivo geral pelo qual o universo Marvel parece funcionar melhor que o universo DC nos cinemas (não considerarei seriados, mas nem sei se existe tanto assim a se considerar), está no fato que as histórias na Marvel são em geral bem mais interligadas (com algumas exceções, mas não vamos nos precipitar), e era a visão e ideia geral disso desde o começo, enquanto a DC é bem mais batmancêntrica (ela funcionca somente em função e relação ao morcegão).Então o Homem Aranha vai à universidade e o Homem de Ferro aparece do nada para entregar um item que será usado na pesquisa de Peter Parker. Thor enfrenta um vilão que abre a caixa dos invernos eternos, e além do Quarteto Fantástico que aparece para ajudar o asgardiano, uma história dos X-men no Japão é repentinamente surpreendida por súbita neve, e eu poderia continuar com vários e vários exemplos - inclusive, claro, com coisa bem mais recente como o vilão do Homem Aranha se tornando o chefão da S.H.I.E.L.D. ou o Rei do Crime prefeito de Nova Iorque, mas de novo, vamos tentar manter o texto com menos linhas que um tcc. Não importa muito como você tente buscar ou observar, o universo Marvel parece bem mais conectado e coeso no geral.
Na DC existe um problema muito grande, porque o personagem mais popular da editora - sim, o Batman - não funciona no mesmo contexto compartilhado dos demais personagens, e não importa muita a lente que você tente caracterizar isso. Batman não tem poderes enquanto o Superman pode espirrar e mover galáxias, a Mulher Maravilha é uma deusa imortal (com basicamente os mesmos poderes do Superman), o Lanterna Verde usa a arma mais poderosa do universo e o Flash cruza o globo em uma fração de segundos. Fica difícil colocar esses personagens na mesma categoria não importa como você observe.
No geral, o Batman persegue bandidos comuns (e apanhou feio de garotos de rua no Rio de Janeiro), mesmo que tenha sua coleção de vilões espalhafatosos e extraordinários, enquanto a Mulher Maravilha enfrenta monstros mitológicos e deuses de igual para igual da mesma forma que déspotas tiranos alienígenas.
E essa diferença enorme de tom se vê nas histórias, na caracterização de personagens e no que consiste as estruturas narrativas. É mais fácil para um autor buscar histórias cotidianas e lidar com eventos cotidianos (assim como para o público enxergar esse prisma) através de um personagem sem poderes como o Batman, e não obstante é o motivo pelo qual são produzidas melhores histórias para o personagem na editora. É mais fácil compreender e contextualizar o herói de Gotham enfrentando um terremoto (em uma área que não pertence a falhas tectônicas) que o velocista escarlate quebrando a perna ao enfrentar um uniforme vampiro e assassino (yep) ou correndo mais rápido que a morte (sim, isso mesmo que você leu).
A ameaça que para Batman sozinho é grande demais (um terremoto gigantesco que destroi a cidade) faz com que a história seja mais realista (na medida do possível, claro) e funcione no aspecto que um homem sem poderes, que não voa ou solta laser pelos olhos tenha que lidar com o caos e destruição. Claro, aqui é um exemplo de um filme de desastre que transcorreu nas histórias do personagem, mas funciona com qualquer aspecto, e, basicamente histórias que funcionam para o Batman funcionariam com facilidade para, bem, qualquer personagem humano e sem poderes (sejam espiões como Bond ou Bourne ou mesmo outros tipos de heróis cinematográficos vividos por Stalone, Statham e companhia), o que não funciona para basica e qualquer outro personagem do universo DC.
Com a Liga da Justiça atuando, a mesma história do cataclisma se resolveria nas vinte e duas páginas de uma edição, se muito (com o Lanterna Verde segurando detritos enquanto o Flash corre tão rápido quanto pode para retirar as pessoas da área de impacto, ao passo que Superman e Mulher Maravilha poderiam facilmente ajudar a resgatar aqueles que já se encontrassem soterrados).
No entanto ao colocar a Liga da Justiça no mesmo patamar do Batman (ou o contrário também, com o personagem no mesmo patamar da Liga), ocorre uma humanização dos deuses e uma normalização do extaordinário. Quando Batman esmurra Órion por destratar um dos soldados de Nova Gênese ou algo do tipo, tempos a humanização dos cenários gigantescos e grandiloquentes. Ao ter o humano sem poderes no Olimpo, o Olimpo é observado pela perspectiva humana - e nós da audiência (que curiosamente também somos humanos) somos capazes de compreender melhor a experiência toda.
É diferente na Marvel - até porque as histórias tendem a ser menos absurdas do que eu me lembre... Sim, o Quarteto Fantástico viaja pelo tempo e espaço como eu troco da camiseta, mas tudo parece menor e mais próximo do mundano. O Coisa sofre bullying de gangues da vizinhança entre as viagens temporais e o Homem Aranha tem problemas financeiros, por exemplo.
O que pesa na Marvel num contexto mais abrangente dessa noção de universo compartilhado reside justamente quando as visões de mundo se confrontam, como o caso dos X-men que são perseguidos e humilhados, mas o restante dos heróis e personagens não se manifesta ou age em apoio (nesse universo compartilhado). Há uma ilha com uma política clara de segregação contra mutantes como Genosha ou o programa de registro de mutantes (como armas de destruição em massa), e não parece do interesse dos Vingadores ou do Quarteto Fantástico agir e criticar publicamente essa postura (mesmo que tenham mutantes em suas fileiras - ou linhagem sucessória).
(E, sim, também pesa quando a editora tenta abraçar toda ideia ridícula e absurda como parte do mesmo bolo, como acontece com os Eternos e outras histórias que mudam a história e contexto de origem do universo ficcional, mas vamos focar só na franquia mais conhecida e que fica mais difícil de ignorar).
Com o MCU sem mutantes até agora, bem, esse que é ao meu ver o ponto de maior fricção simplesmente inexiste. No entanto com a DC reiniciando franquias e mais franquias do Batman que não funcionam num universo mais expansivo de outros personagens (por mais legal que seja o filme de Matt Reeves, vários personagens da DC resolveriam a ameaça do Charada de maneira mais rápida e com menos causalidades), e sempre com universos de Gotham separados dos demais universos ficcionais, só tornando mais difícil que funcionem como uma coisa só.
Mais que isso, ignorando que enquanto o Aquaman ou o Besouro Azul são personagens interessantes que funcionam por si só, é o contexto humano do Batman que pode estabelecer esses personagens mais próximos do mundo real.
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