Pesquisar este blog

30 de abril de 2023

{Deixa eu te explicar...} Os quadrinhos vendem mal por culpa da lacração e a cultura woke?

Esse é um argumento que vem surgindo vez após vez, inclusive com um vice presidente na Marvel alegando que as vendas da companhia diminuíram justamente pela inclusão de personagens de etnias, minorias ou substituídos por versões femininas (como ocorreu com Thor).

Claro que é um argumento bastante preguiçoso (e estúpido) por vários motivos, e, eu pretendo demonstrá-los nesse texto. Primeiro, e isso é importante, porque a Marvel decretou falência em 1996 e não foi porque eles tinham apresentado o Capitrans América ou algo do tipo. Longe disso, inclusive pois a Marvel publicava com certa frequência suas edições especiais de trajes de banho (exatamente o que você está pensando), e isso sem considerar o quão comum era para personagens aparecerem em trajes sumários nos títulos da 'casa das ideias' (fosse a modelo/atriz Mary Jane saindo do banho ou em lingeries para uma sessão de fotos ou qualquer uma das diversas mutantes igualmente saindo do banho ou nadando na piscina, lago ou cachoeira, ou e também importante em diversas sessões de fantasia e sonhos).

O motivo principal do declínio em vendas da editora no período se deu pelo fato que a empresa não foi capaz de reter talentos, e, de uma tacada só perdeu pelo menos quatro dos maiores artistas geradores de renda (Jim Lee, Erik Larsen, Rob Liefeld e Todd McFarlane de títulos X-men, Homem Aranha, X-force e Hulk e posteriormente Homem Aranha - respectivamente - ou seja, os títulos que mais vendiam da editora) para montarem sua própria editora a Image Comics em 1992.

Mas não é só isso. A Marvel vinha perdendo posição de mercado, e enquanto a DC emplacava sucessos como Superman (com Christopher Reeve a partir de 1978) e Batman (de Tim Burton a partir de 1989 - que levou à série animada) e mesmo a novata Image conseguia acordos como a produção da série animada dos WildC.A.T.s em 1994 (com um jogo em 1995 - mesmo ano de um jogo de Spawn pro SNES) além da série animada e filme da única criação de Todd McFarlane (ambos a partir de 1997). Nesse intervalo a 'Casa das Ideias' simplesmente não conseguia emplacar um projeto cinematográfico ou bons acordos financeiros, e, as vendas seguiram em declínio conforme a especulação dos números 1 (do início da década de 1990 e dos "mega eventos que mudariam tudo" começaram a cansar os leitores e não representaram em crescimento no número de vendas.

A editora apelava como podia, mas, enquanto a concorrência tinha melhores autores e histórias, a Marvel com freelancers tinha que correr atrás (sem boas histórias ou boas ideias simplesmente) com mega eventos e bobagens noventistas (Carnificina Absoluta ou A Era do Apocalipse, mas a lista é bem maior que isso e inclui a nova formação do Quarteto Fantástico - e o novo uniforme da Mulher Invisível - tanto a versão sadomasô quanto a versão com decotão) com um produto que não interessava ao mercado (com fracassos cinematográficos como Capitão América de 1990 ou o Justiceiro de 1989) enquanto tentava emplacar alguma produção cinematográfica com os figurões da editora como o Homem Aranha e X-men (ambos que só chegaram às telonas depois do pedido de falência - a menos que você considere o seriado japonês do aracnídeo).

Vamos deixar claro que o motivo pelo qual a Marvel conseguiu se recuperar dessa falência é em grande parte porque esses mesmos autores da Image voltaram meio que com o rabinho entre as pernas para a Marvel (entre 1996 e 1997, pouco mais de quatro anos após suas saídas, com Heroes Reborn reinventando Vingadores, Quarteto Fantástico, Capitão América e Homem de Ferro para os anos 1990 - até porque a empreitada da Image já não estava mais com todo aquele gás, em grande parte devido a inúmeras batalhas de bastidores que inclusive levaram a fundação de estúdios derivados - como a Wildstorm de Jim Lee, que em pouco tempo foi vendida para a Warner/DC onde está hoje) como parte de uma enorme reestruturação que inclusive levou a um cenário mais favorável para adaptações cinematográficas, começando com Blade em 1998.

Nessa época inclusive a DC não tinha lá muito mais motivo pra sorrir que a Marvel, mas, graças ao selo Vertigo tinha um maior prestígio entre leitores (correndo maiores riscos, é verdade, mas com o talento de Karen Berger filtrando bons projetos, faltaram estantes para guardar prêmios) enquanto a linha principal apelava e produzia eventos após eventos após eventos... Ainda que Denny O'Neil e Chuck Dixon conduzindo os títulos do morcegão produziram quase uma década de histórias boas, e não foram uma exceção na editora.

Mas, e é verdade, a DC também passou por, droga, vários períodos ruins de vendas e que levaram a inúmeros cancelamentos e reestruturações. Só que não cancelaram os quadrinhos do Jack Kirby porque ele defendia o aborto ou casamento gay... Pode parecer idiota (e é) mas no caso do Rei Kirby além de uma constante de más decisões, existe o fator dos preços minimamente mais caros da DC - a 25 centavos contra os títulos da Marvel de 20 (o que parece pouco hoje e mesmo nos anos 1970, representa 25% de diferença, e, essencialmente, com um dólar o leitor podia comprar 5 títulos Marvel contra 4 da distinta concorrente e isso fez com que leitores abandonassem o Quarto Mundo ou Povo do Amanhã para ler as novas aventuras do amigão da vizinhança).

Mas então porque a Marvel teve queda em vendas quase que simultaneamente com a condição de personagens de minorias e mulheres nos títulos?

Bem, além disso ser uma inverdade (não foi a criação da nova Ms Marvel ou do Miles Morales que resultaram em quedas de vendas) mas considerando a longa lista de decisões ruins da Marvel (incluindo as que levaram à falência em 1996 citado alguns parágrafos acima e a aposta do 'U-Decide' de 2002 - quando um editor que nunca escreveu na vida resolveu questionar e desafiar publicamente o autor Peter David de quem lançaria um título mais popular - já mostrava sinais que não ocorreram tantas melhoras assim após a falência) mas eu facilmente poderia fazer uma longa lista de exemplos tão ruins quanto se não piores.

Em 2008 o MCU estava começando a tomar forma e de uma forma ou outra sempre trazia alguns leitores inspirados a buscar os títulos pelo sucesso dos cinemas. Isso funcionou muito bem para a DC com a batmania inspirada pelo filme de Tim Burton (que alavancou o sucesso da Queda do Morcego e mesmo a série animada do Paul Dini/Bruce Timm) assim como com a própria Marvel com os X-men e Homem Aranha nos anos 2000 que levaram um bocado de leitores para o universo Ultimate (que traziam autores recontando as histórias e origens dos personagens para um cenário mais próximo do atual). É claro que vale lembrar que na linha tradicional do Homem Aranha já tínhamos a 'controversa' (pra não dizer péssima e possivelmente uma das piores histórias de quadrinhos já publicadas) Pecados do Passado de 2004 que eclodiria em Um dia a mais em 2007 (brigando pelo título anterior, com o Homem Aranha fazendo um pacto com o demônio em troca de seu casamento - não me pergunte mais que isso).

Enquanto Homem de Ferro e os outros filmes dos Vingadores começam a chegar aos cinemas (e quebrar recordes de bilheteria) o que esta saindo nos quadrinhos? Os Supremos 3 e Ultimatum (ambos escritos por Jeph Loeb - que, inclusive, é atualmente produtor de vários dos sucessos televisivos da Marvel) que, francamente, são duas das piores coisas já publicadas na história dos quadrinhos (e eu vou manter nisso pra não detalhar o quão grotesco o material de fato é e custar o almoço de alguém - mas pra quem quiser por conta e risco). E não melhorou muito nos anos seguintes (com o Nazistão América dizendo 'Heil Hidra', Homem Aranha e Demolidor com parceiros mirins e o Fera virando um Inumano porque, bem, motivos) criando uma enorme dissonância entre o que o público viu nas telas e encontra nos quadrinhos.

Consegue ver o padrão? Histórias ruins, editores terríveis e decisões horrorosas, mas, ei, o problema é que agora tem um Homem Aranha negro e uma heroína Marvel muçulmana, né?

Não vejo necessidade de comentar sobre os quadrinhos japoneses ou de outras nacionalidades nesse caso (até porque os quadrinhos japoneses fazem bastante fanservice, é verdade, e colocam personagens femininas em situações para vender mais edições para fãs babões, mas não é raro que sejam denotadas condições destas mesmas personagens reclamando da cultura machista que lhes impõe restrições - como a espadachim que derrota constantemente Zoro em One Piece, mas sabe que jamais seria respeitada por ser mulher), principalmente porque raramente vemos situações como as aqui citadas que a Marvel praticou em seu editorial.

É claro que se nos próximos capítulos de Dragon Ball descobrirmos que Freeza voltou no tempo para tirar a virgindade de Bulma, eu posso (contrariado) voltar para essa discussão.

Nenhum comentário:

Postar um comentário