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22 de janeiro de 2023

{Deixa eu explicar...} Reexplicando as eras (parte 2 - Ou onde estamos hoje?)

Continuando a postagem anterior, vamos reanalisar a condição das grandes eras dos quadrinhos (e sim, eu sei que essa parte que segue aqui talvez seria melhor como introdutória do post anterior).

Contextualizando, existem algumas convenções sobre a condição histórica dos quadrinhos numa divisão em que períodos de décadas são segregadas em Eras, onde se convergem as opiniões que a primeira grande era é a de Ouro ainda que os períodos se dividam entre versões e interpretações, mas iniciando geralmente em 1938 com a Action Comics 1 - o que geralmente ignora os quadrinhos nos jornais como Flash Gordon de 1934 ou Little Nemo de 1905 - e terminando em 1961 ou 1962 que é quando se inicia a próxima era, a de Prata, mas geralmente a visão é de 1961 com o Flash de Dois Mundos, sendo que o ano seguinte, que marca a estreia do Homem Aranha também é citado.

Eu prefiro a visão de Grant Morrison nesse aspecto, em que a Era de Ouro termina com o surgimento do segundo Flash, Barry Allen na Showcase número 4 1956, e iniciando as reinvenções e contextualizações dos heróis dos anos 1930 para um novo período/era, que vemos com o surgimento de várias novas versões de personagens como Hal Jordan (o novo Lanterna Verde, e agora algo bem diferente da ideia do anterior Allan Scott), o Átomo Ray Palmer (ao contrário do baixinho invocado Al Pratt, esse realmente poderia diminuir seu corpo ao tamanho de moléculas) o já citado Barry Allen e outros exemplos, e, aí faz sentido que, alguns anos depois, em 1961 com o Flash de Dois Mundos se veja o início da "Era de Prata".

Nessa condição a Era de Prata inicia com os anos 1960, coincidindo com a Era Marvel (o surgimento do Homem Aranha, Hulk, o Quarteto Fantástico, X-men e Vingadores) e o grande momento de reboot na DC Comics do parágrafo anterior. O final desse período, no entanto, é mais sujeito a interpretações e visões difusas, incluindo o que vem depois. No geral, se enxerga que essa Era de Prata se encerra nos anos 1980 quando Alan Moore produz Miracleman e dando início a Era de Bronze ou, na visão de Morrison, a Era das Trevas.

Como já destaquei no outro texto, essas interpretações em geral ignoram completamente o mercado externo - ainda que nesse período em geral você tenha a grande expansão no mercado internacional com sucessos na Itália, Japão e mesmo no Brasil - mas acho que é interessante notar mesmo nessa condição, que raramente nomes e eventos além do eixo Marvel/DC são vistos como relevantes ou dignos de nota no contexto das tais 'Eras', e aqui eu acredito que isso fica mais ilustrado já no primeiro parágrafo sobre a Era de Ouro ignorando o Pequeno Nemo ou outros heróis e aventureiros que surgem antes do Superman. E nesse ponto, acho que fica mais evidente.

Nos outros momentos, principalmente a pretensa Era de Ouro, é fácil olhar somente pro mercado norte-americano (afinal, ali havia um mercado de quadrinhos enquanto no resto do mundo, se havia alguma coisa eram tirinhas de jornal), ainda que seja um destaque muito grande para os super heróis em todos os períodos. Aqui, falamos muito do ponto de vista mais cínico e pós-moderno dos quadrinhos que Moore e outros artistas levaram ao cenário (e que leva ao selo Vertigo por exemplo), mas ainda temos que lembrar que é o ponto em que qualquer artista medíocre desenhando gostosas de biquini ou camisola conseguia garantir os topos de vendas do mês (Jim Lee ainda é um dos artistas mais vendidos dos Estados Unidos, e, não eu ainda não me conformo com isso).

A partir desse ponto temos a terceira era (de novo, que alguns a chamam de Era de Bronze outros de Era das Trevas e alguns de Era Moderna) que sem sombra de dúvidas tem como fato relevante a desconstrução dos quadrinhos com Alan Moore e uma busca por quadrinhos mais profundos elevados e com viés mais artístico. O problema é que essa é uma visão bem diferente do que de fato estava acontecendo no mercado e mesmo na estrutura geral.

No entanto, não existe um mercado mais 'maduro' e mesmo Moore não é visto na época como esse grande guru e visionário (ainda que para os mais atentos essa fosse uma condição óbvia, afinal você não precisa de muito mais que ler uma hq do Monstro do Pântano desse período contra uma hq de David Micheline a frente do Homem Aranha para ver a enorme diferença de qualidade). Na verdade, é bem o contrário.

O mercado nos anos 1980 busca bem mais um público cada vez maior e retomar tanto o momento de vendas que a Era Marvel trouxe nos anos 1960 (agora visando a produção em série de brinquedos, lancheiras, videogames e tudo mais que se possa imaginar), e isso é exatamente o que dá muito certo no Japão, e, sim, no Brasil com a Turma da Mônica. Nos quadrinhos de super-herói, no entanto, a estrutura engessada das companhias vive num enorme celeuma entre autores que querem produzir histórias mais adultas e editoras que querem vender produtos para mais e maiores públicos.

Então a DC quer vender brinquedos do Batman para crianças enquanto também quer vender gibis de um Batman complexado e com sérios problemas mentais. Diga-se de passagem, essa dissonância persiste ainda hoje (e eu falei sobre isso bem recentemente).

Isso tudo inclusive encontra grande relevância com o grande sucesso das Tartarugas Ninja nos Estados Unidos, e é o que dá o momento para artistas enxergarem o potencial de criar sua própria editora (a Image Comics que acontece nos anos 1990). Os anos 1990 inclusive são um ponto importante de ruptura para essa terceira era que tem a falência da Marvel, a destruição dos heróis da DC (com a Morte do Superman e da Mulher Maravilha, o Batman derrotado e substituído e outras tantas) enquanto a própria Image acaba mais como um holograma (sim, trocadilho bem podre eu sei) ao final da década.

Com o início dos anos 2000, no entanto, vemos um momento diferente e bem importante na história dos quadrinhos e que de sobremaneira se descolaria dessa terceira era (das trevas ou de bronze), mas que raramente é enxergada de maneira separada ou sequer contextualizada.

O primeiro ponto relevante se inicia um pouco antes do ano 2000 chegar, que é quando o Cartoon Network começa a exibir um bloco de animês a partir de 1997 com aproximadamente 4 horas de exibição de shows japoneses para uma audiência norte-americana que, ou não os conhecia, ou tinha um acesso muito difícil e restrito a esse material até então. Dragon Ball por exemplo chega aos Estados Unidos nesse período, e, com o sucesso da animação vem novo fôlego e interesse pelo quadrinho (o que é curioso, de certa forma, pois Dragon Ball havia terminado alguns anos antes).

Isso também facilita os contratos das produções japonesas para os mercados internacionais como um todo. Deixando bem claro, não é que esse mercado não existia e que quadrinhos ou animações japonesas não encontrassem públicos cativos, mas, havia uma barreira linguística maior, e, por conseguinte, menor acesso.

O segundo ponto relevante se dá pela própria Marvel lançando uma linha de quadrinhos que atualizava os conceitos de seus personagens para o novo século/milênio, a linha Ultimate. Agora o adolescente Peter Parker estava na casa dos quinze anos em 2000 e não mais nos anos 1960 ouvindo Beatles e reclamando de Nixon (agora ele ouvia Evanescence e reclamava da gestão Bush), diante dos problemas dos adolescentes desse período, com acesso as tecnologias recentes, e, nas mãos habilidosas de Brian Michael Bendis, reestruturando as quase quatro décadas de história até esse ponto numa forma que leitores novos poderiam se engajar e interessar. Isso é inclusive muito relevante pelo grande sucesso do primeiro filme do Homem Aranha nos cinemas alguns anos mais tarde. Os fãs que gostaram do filme não precisariam se embrenhar nas terríveis selvas de continuidade para ler quadrinhos do personagem... Podiam simplesmente começar com Ultimate Spider-man 1.

Claro que isso é uma segunda tentativa após o fracasso ao final dos anos 1990 com Heróis Renascem (cuja ideia era justamente essa de relançar os títulos de Vingadores e Quarteto Fantástico com artistas mehdalhões como Jim Lee e Rob Liefeld), o que em si, é ao mesmo tempo uma tentativa de seguir o que deu certo com a DC (nessa altura já duas vezes, nos anos 1950/1960 atualizando os principais personagens e depois nos anos 1980 com a Crise nas Infinitas Terras). E isso leva a grandes mudanças na linha editorial principal também, com as mudanças dos uniformes dos X-men (que segue mais o estilo dos cinemas, abandonando os colantes coloridos para jaquetas e calças de couro - que obviamente devem servir melhor para combate) e um ponto bem interessante de reexaminar conceitos, extinguindo identidades secretas (revelando a identidade do Demolidor ou os uniformes dos X-men).

Não só isso, pois temos a Image voltando à baila com The Walking Dead e o Wildstorm se tornando um selo Vertigo para histórias de super heróis com Ex Machina e os quadrinhos de Alan Moore como Promethea e Tom Strong, e, dois grandes eventos publicitários chamaram enorme atenção ao mercado de quadrinhos de super heróis também, a publicação de JLA vs Vingadores de Kurt Busiek e George Pérez e a continuação de o Cavaleiro das Trevas de Frank Miller.

Curiosamente, com os 2010 essa ressurgência e ânimo pareceram afundar, e os sucessos nos cinema vão afetando diretamente os rumos dos quadrinhos das grandes editoras (com a Marvel modificando seus personagens para seguir mais os rumos do material cinematográfico que o inverso, como os X-men desaparecendo e perdendo relevância para que a Disney retome os direitos que estavam com outro estúdio). Nisso o selo Ultimate tem um dos piores eventos do selo, Ultimatum, e praticamente se colapsa sobre si próprio, assim como o selo Vertigo que desaparece e se encerra depois de quase 30 anos, e hoje sendo mais uma vaga lembrança com algum título do selo Black Label ou Hill House (sabe, hqs de terror do filho do Stephen King).

O momento vai se esvaindo, e, justamente com o sucesso dos cinemas não convertendo em atenção ou espaço para os quadrinhos... Ou melhor, ao menos não para quadrinhos de super-heróis. Os outros gêneros e quadrinhos de outros pontos do globo começam a ganhar mais atenção e notoriedade (veja iZombie ou Lúcifer que funcionaram muito bem como seriados - além da já citada The Walking Dead para públicos que obviamente nunca leram uma hq na vida), e, inclusive novos mercados, chamando atenção para tentativas (é verdade que na maior das vezes frustradas) de adaptações, como Valerian, Asterix ou o recente Cowboy Bebop da Netflix (e o futuro e, sim, com certeza fracassado, pode vir me cobrar aqui depois, One Piece).

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