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2 de novembro de 2022

{Resenhas duplas de finados} Rachel Rising e The Walking Dead

Rachel Rising é um dos melhores quadrinhos lançados nos últimos 20 anos com enorme facilidade, e, o fato que até o presente momento não foi lançado no Brasil ou algum (dos diversos e desesperados) estúdio(s) comprou os direitos desse material para uma série de tv ou filmes, fala volumes sobre nossa sociedade.

No entanto eu entendo os estúdios nesse sentido. A série tem alguns pontos bem mais pesados e difíceis de transpor para a tv, como uma criança psicopata que mata deliberadamente (e frequentemente) ou um médico que vive com um cadáver (com o qual mantém relações sexuais). Funciona numa estrutura cartunesca da arte de Terry Moore, não se traduz com o mesmo tom cômico em qualquer situação com atores de carne e osso, e o tom mais pesado de diversos dos momentos de terror da série em uma condição com atores (ou animação computadorizada) seria incrivelmente mais perturbadora e sinistra, com toda a certeza deixando o material com uma censura alta (o que significa sempre menos investidores e menores retornos). 

E, deixe-me ser bem claro: Rachel Rising tem momentos bem pesados.

O que equilibra esses momentos terríveis, pesados e aterradores (os ratos saindo de privadas, encanamentos e dominando a cidade me causam pesadelos vívidos) são as interações incrivelmente humanas, simples e tenras. São os diálogos singelos entre dois personagens ou suas interações e ações. Moore consegue balancear cada imagem terrível com uma piada (às vezes igualmente terrível mas que serve somente para desarmar a tensão) e construir uma história complexa, densa e interessantíssima que usa o horror como pano de fundo para nossa sociedade - e, sim, a forma como tratamos as mulheres ao longo de séculos, e, uma vez que se trata de uma trama de horror e morte, o feminicídio é um ponto chave da trama.

Das mulheres queimadas, torturadas e mortas (depois de agressões e estupros) por 'bruxaria' para as vítimas do feminicídio hoje em dia (assassinadas e jogadas para o meio do mato para serem esquecidas), a trama da série tenta explorar esse assunto espinhoso e desenvolver reflexões sobre o que isso diz sobre nossa sociedade e sobre nós mesmos. Estamos muito diferentes hoje do que aqueles carolas religiosos queimando bruxas pouco mais de trezentos anos atrás (para não dizer 'evoluímos' que assustaria certos grupos de carolas religiosos de hoje)?

Então essa é a condição da menina que acorda em uma vala rasa e tenta descobrir quem a matou somente para se ver em uma trama mais complexa, perversa e terrível que ela imaginou inicialmente, assim como nós leitores. Sinceramente, recomendadíssimo, inclusive porque é bem curtinho (7 volumes de aproximadamente 150 páginas cada, e, estão disponíveis com a assinatura do kindle unlimited).

Por outro lado, The Walking Dead (com seus 32 volumes ou 4 compêndios de mais de 1000 páginas cada) é um contraste interessante, inclusive por não ser a história de uma pessoa ou um grupo pequeno (como o grupo de Rachel e suas amigas), mas gente que se une por conveniência e para sobrevivência, e que vai se expandindo e seguindo, e, com o tempo, se arrastando como os zumbis que são os antagonistas da série.

Eu até comentei bastante sobre a série no passado, resenhando (e enfurecido com) edições avulsas, e o final da série, mas uma vez que Robert Kirkman não tinha um ponto final em vista ou uma ideia central diferente de 'ei, e se continuássemos um filme de zumbi depois dos créditos para ver o que acontece...?', nunca de fato se forma um ponto de conclusão lógico. Talvez a reconstrução da sociedade (que é onde Kirkman acaba chegando), mas, aí voltamos ao ponto, e a partir daí?

No entanto, com as mais de 4000 páginas se enrola tentando criar conflitos constantes (e cada vez mais mirabolantes) sem um ponto lógico. Eis o Governador! Eis os Caçadores! Eis Negan! Eis os Sussurradores! E por aí vai.

Enquanto isso, surge na reta final, uma outra sociedade da 'Commonwealth', com um grupo muito maior que todos os que Rick e seu grupo encontrou, e, que, como é explicado aos poucos, com menos da metade dos celeumas (de Negan, Governador e os sussurradores) e uma estrutura sólida que resistiu por bem mais tempo que o(s) grupo(s) de Rick, ao que fica claro que esse ponto da reta final, poderia surgir a qualquer momento anterior, fossem 2000 páginas ou 1000 páginas a menos, e, a história seria basicamente a mesma.

Só menos embarrigada e coesa.

A sociedade colapsou com a chegada repentina de um apocalipse de zumbis. Os sobreviventes entraram em pânico mas em alguns meses (ou anos, porque não) conseguir(i)am se reestabelecer e reestruturar... Até porque com todos os avanços mecânicos, médicos e tecnológicos que temos hoje em dia, não parece algo de todo ilógico, impossível e impensável. Por isso o longo tempo para chegar a essa conclusão lógica faz tirar o fôlego e frescor da história, mas, ei, permite que se torne (várias) série(s) de televisão, de jogos de videogames (inclusive com personagens participando de jogos de luta e coisas do tipo), enfim, zumbizando perpetuamente pra lá e pra cá tentando infectar tudo que toca, enquanto tentamos seguir em frente.

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