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26 de junho de 2022

{Explicando o fim} Neon Genesis Evangelion

Evangelion é um daqueles materiais que, se eu tiver que explicar de maneira bem resumida - e com poucas palavras - é como o padre dos balões. Não é elegante como Ícaro e suas asas queimando por voar próximo demais do sol (e isso abrir o panorama de que talvez deveria ter asas melhores). Não é isso.

É realmente o padre dos balões: Alguém que por nenhum motivo lógico ou coerente deveria fazer (nada d)isso, mas quando começa é fácil de se perder na maluquice toda e buscar chegar ao final.

Como no caso do padre dos balões, o final de Evangelion não é exatamente algo coerente (ou fácil) ainda mais quando não existe exatamente um final, ou um único final (inclusive com o segundo diretamente influenciado pela reação negativa do público ao primeiro e anos mais tarde um terceiro final tentando fazer mais sentido dos dois outros), mas, a ideia geral do contexto do final - que segue numa condição bem meta de exploração do público e sua interação com a obra resultando em contrapartida.

Tenho que ser honesto, no entanto, porque se eu disser que eu entendi 100% da série (ou dos filmes) eu estaria mentido imensamente, ainda que, e acho isso importante, a série tem um efeito de telefone sem fio em que o criador faz uma amálgama de conceitos do cristianismo (de onde saem as Evas, Lilith, os anjos e mais uma série de termos utilizados), só que, bem com robôs gigantes combatendo monstros enquanto são citados aqui e acolá com enorme liberdade termos cristãos por personagens que muito dificilmente entendam qualquer condição dos dogmas, doutrinas e mesmo simbolismos religiosos atrelados a tudo isso.

Não falo disso num contexto de crítica, deixando bem claro (até porque não é exatamente diferente do que ocorre no Ocidente com visões deturpadas tanto de religiões orientais como de seus dogmas e preceitos na cultura popular), isso é só uma observação. Inclusive, mais um contexto que outra coisa, pois, ao meu ver, o final de todas as versões da série não dependem em nada desses fatores. De novo AO MEU VER não dependem, mas, claro, compreender os significados e simbolismos pode conferir algum significado extra e mais contundente.

De maneira bem geral, as narrativas japonesas tem uma constante de representar deuses, demônios e mitologia em geral de maneira bem diferente do que se vê na narrativa ocidental (vide One Piece com o 'God' Enel, os muitos deuses - e múltiplos senhores Kaioh e deuses da Destruição - de Dragon Ball ou os Cavaleiros do Zodíaco com a mitologia greco-romana adaptada livremente, ou basicamente todo JRPG que compreende num grupo de pessoas comuns se unindo para enfrentar Deus e impedir o apocalipse). Com isso é importante entendermos que as narrativas japonesas não enxergam como sacro ou intocável a religiosidade (ao menos as religiões ocidentais), e, como essas histórias geralmente apontam, não é função do homem esperar pela ação de Deus ou dos Deuses (ou Deusas) mas sim de conduzir e construir seu próprio destino, mesmo que tenha que enfrentar Deus (ou Deuses ou Deusas) para garantir que seus destinos se concretizem.

Evangelion retrata - com robôs gigantes destruindo monstros - um conto sobre fé, seu papel na sociedade e como a fé molda o homem, e mais importante, o contrário também se faz. Essa pode servir como a versão simples e resumida dos finais, no entanto existem aspectos particulares que mudam tanto as interpretações como a natureza dos eventos.

Todos os finais dependem da chegada do eventual 'apocalipse' - na série chamado de 'terceiro impacto', uma vez que ocorre um proto-apocalipse em 2000, sendo esse o 'segundo impacto', contido acidentalmente e resultando nos anjos/evas e todos os protocolos e eventos que moldam a história.

Então vamos a estes finais:

Final 1) O final da série de 1996 (episódio 26 "Sekai no Chuusin de Ai o Sakenda Kemono")

Este final e o final 2 estão bastante interligados, até porque de maneira geral eles são o mesmo final, porém sob óticas/perspectivas diferentes. No geral são sobre o tal "Terceiro Impacto" (que é o apocalipse conforme a série) ocasionado pelos anjos/Evas.

No entanto, o tal terceiro impacto transcorre por ação direta do protagonista da série Shinji. Ele molda o apocalipse com sua interação com os anjos, Evas e o que mais, e, nesse final acompanhamos a mente de Shinji lidando com todo o conhecimento e caos dessa força destrutiva. Esse final é bastante meta, e, com uma enorme dose de otimismo, com muitos aplausos e agradecimentos.

Isso está interligado ao tumultuoso final da produção - o diretor com severa depressão, as restrições orçamentárias na reta final, incluindo os patrocinadores abandonando o barco e com isso uma enorme dificuldades para produzir os episódios finais. Vendo o material (e sabendo dessa condição) fica bastante claro que o final à Mr Neutron é consequência destas restrições para produzir o material como gostariam, e, pelo simples fato que conseguiram fazer um final e 'concluir' o material fizeram algo otimista para agradecer aos fãs e espectadores. Não explica ou responde várias das questões levantadas pela série (que somente os filmes décadas mais tarde fariam efetivamente), mas não é o propósito efetivo.

Final 2) O final do filme de 1997 (End of Evangelion)

Esse é essencialmente o mesmo final anterior, mas com mais contexto, explorando as ramificações e ações de Shinji do ponto de vista exterior (do que ocorre para que Shinji esteja no final da série de 1996 e transcorram suas ações). No entanto, este final é bem mais sombrio e pessimista (que inclui logo numa das primeiras cenas o protagonista Shinji se masturbando diante de uma colega convalescente em uma cama de hospital, mas nem de longe se limite a isso - pois ele tenta espancá-la em outro momento do final e é geralmente misógino durante o filme todo).

Esse é um final mais sórdido que o anterior, e, em grande parte, se deve pela reação extremamente negativa dos fãs ao primeiro final (incluindo ameaças de morte aos criadores/produtores) - e por isso Shinji passa a personificar os fãs (reclamões) e através dele há uma caricatura dos fãs como punheteiros sujos (assistindo a animação apenas para ver alguns peitinhos) e que deveriam 'sair mais e fazer efetivamente alguma coisa'. Essa visão também expande um bocado a história, matando vários dos personagens de forma horrorosa e trágica (uma delas tendo um caso com o pai de Shinji e matando uma criança e se suicidando depois só pra se ter alguma ideia), além de efetivamente destruindo o mundo (onde sobram somente Shinji e Asuka, esta que insulta Shinji mesmo que nessa condição ele seja o único - e último - homem vivo no mundo).

Final 3) O filme Evangelion 3.0+1.01 Thrice Upon a Time.

Este filme lançado em 2021 é a quarta parte (e final) de uma série de filmes iniciada em 2008 com Evangelion 1.11 You are (not) Alone ou "Você (não) está sozinho", continuando em 2009 com Evangelion 2.22 You can (not) advance ou "Você (não) pode avançar" e em 2013 Evangelion 3.33 You Can (not) redo ou "Você (não) pode refazer", terminando me 2021 nessa última parte (até agora).

O primeiro destes filmes com pouquíssimas alterações é uma recontagem dos eventos dos primeiros seis ou sete episódios da animação original, enquanto a partir do segundo filme muitos novos elementos e eventos são apresentados para expandir a história e contextualizá-la mais. Nos é explicado melhor o que ocorreu com a mãe de Shinji, assim como a relação dele com seu pai de maneira mais categórica.

O segundo filme termina com o 'terceiro impacto' (ou um 'quase' terceiro impacto como os filmes seguintes descrevem), e, nisso mudando completamente a história e os eventos para nos filmes seguintes explicar e contextualizar melhor o final da série, conforme molda o caminho para uma nova conclusão - oferecendo maiores explicações sobre o que ocorre com personagens terciários dos quais os fãs gostam e preenchendo as lacunas gerais até a conclusão em que, bem, Shinji reescreve o universo para um mundo sem os Eva, Anjos e todas aquelas monstruosidades para que ele possa crescer e viver como um adolescente normal.

Mas o que tudo isso significa?

Entenda bem: O primeiro final está ligado a limitações orçamentárias, um diretor com depressão e um material que dificilmente poderia concluir de forma coerente e propícia (mesmo sem esses desafios), e desagradou os fãs.

Então a série teve um novo final seguindo uma vertente diametralmente oposta (o primeiro foi otimista, esse foi pessimista) e por mais de uma década isso acabou concluindo tudo e ficando por isso mesmo.

Nesse intervalo (de 1997 a 2008) várias revisões de cenários para a série foram apresentados em videogames e mangás - incluindo uma lançada em 1995 quase simultaneamente ao anime e difere completamente do material (mas, se for para eu comparar mais os materiais adicionais eu vou enlouquecer).

Shinji, essencialmente, é um garoto com diversos problemas (em seu relacionamento com o pai, com sua personalidade bastante retraída, no que inclui seu relacionamento com demais pessoas ao redor) e isso acaba exacerbado em um contexto em que monstros gigantes surgem para destruir Tókio e ele é a única esperança da humanidade. Ao contrário de diversos quadrinhos, filmes ou produções narrativas, Shinji não é um herói esperando o chamado para a aventura. Ele é um garoto complexado e lidar com robôs gigantes o afeta (assim como aos demais ao seu redor). O trauma (e pós trauma) de lidar com os robôs gigantes e destruir monstros faz parte do DNA da série, e, a pergunta que se faz e repete constantemente é o propósito disso tudo.

Só que ninguém tem uma resposta e seja a NERV ou a SEELE ou as nações Unidas... Ninguém sabe exatamente se os Anjos ou as Evas trazem a resposta ou qualquer solução. Todos tem dúvidas (e pouca informação, com eles próprios compreendendo pouco sobre o segundo impacto e a criação de todos seus problemas), portanto vivem e conduzem suas ações puramente com base na fé.

Fé de que destruir os anjos prevenirá o apocalipse, ou que trará um apocalipse do qual a organização 'x' conseguirá tirar proveito e moldar um novo mundo como melhor preferir. Mas, e, até mais importante, a fé de que a resiliência humana permite viver um dia após o outro mesmo depois do fim de tudo.

E ao final, tudo depende da engenhosidade humana... Para o bem ou para o mal.

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