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29 de agosto de 2021

{Editorial} Não, o problema do humor não é o "politicamente correto"

Recentemente, num dos únicos momentos em que contou uma piada genuinamente engraçada, o Paulo Cintura (lembra, da Escolinha do Professor Raimundo e outras versões mais capengas e ainda mais sem-graça cada vez mais ladeira abaixo em canais cada vez piores?) disse que o que acabou com sua carreira foi o politicamente correto.

Como eu disse, hilário!

Até porque é fato e notório que o humor ácido e sarcástico do personagem ressoa até hoje com seus comentários mordazes sobre a sociedade e... Não? Ele se recusava a responder uma pergunta e fazia aeróbica? E curiosamente NUNCA fez uma única piada por mais que tivesse em vários programas de humor?

É, faz sentido realmente que o politicamente correto tenha acabado com a carreira dele - e do Dedé Santana, e do Cigano Ígor e outros tão talentosos e brilhantes nomes do entretenimento brasileiro né? Não?

Não. Nem um pouco para ser sincero.

Dedé Santana iniciou sua carreira com os Trapalhões na década de 1960, e estreou na televisão em 1974 na finada Rede Tupi e até meados de 1995 (isso mesmo, quase VINTE E UM ANOS!!!) teve espaço na televisão com um programa humorístico em horário nobre televisionado para milhões de pessoas. 

Em 1969, a trupe de humor Monty Python se formou, produziu quatro temporadas (que na Inglaterra são chamadas de 'séries') para seu show Monty Python e o circo voador e nos anos seguintes produziram três filmes além de alguns especiais e turnês.

Nenhum dos Python viveu ou morreu na miséria, enquanto Dedé Santana termina seus dias no ostracismo e reclamando que 'o politicamente correto' acabou com sua carreira. Curiosamente, eu conheço pessoas que citam de trás para frente diálogos de cenas de Monty Python (alguns inclusive bem complexos como o dos cavaleiros que dizem Ni) enquanto eu não conheço uma única pessoa que consiga citar uma (só UMA) piada de Dedé Santana. E nem precisa ser uma piada boa, vamos deixar claro.

Mais que isso, ao fim do grupo britânico, Terry Gilliam destacou-se como um dos mais brilhantes diretores do cinema nas décadas seguintes, enquanto John Cleese produziu a espetacular Fawlty Towers, Eric Idle criou a fantástica paródia dos Beatles, os Rutles, enquanto SIR Michael Palin e Terry Jones trabalharam com a série Ripping Yarns, Palin com uma longeva carreira com documentários de viagem... Droga, ele recebeu não uma mas DUAS honrarias da coroa britânica, inclusive presidindo a extremamente prestigiada sociedade real de Geografia!

Por episódio das quatro séries, cada um dos Python fez vários personagens memoráveis e impressionantes que ressoam até os dias de hoje e reverberam pela qualidade do humor produzido há mais de SESSENTA ANOS!

Enquanto isso, Dedé Santana e seus Trapalhões que tem mais de QUARENTA filmes em seu currículo, e, curiosamente, sem a menor sombra de dúvidas, NENHUM DELES É BOM! Não, eu não estou exagerando, e duvido que alguém tentaria se dar ao trabalho de assistir aos 43 filmes da trupe brasileira para tentar provar que estou errado, mas honestamente, você precisa mais do que alguns trechos dos filmes horrorosos como aquele que faz plágios descarados de Guerra nas Estrelas (com efeitos especiais que mesmo para 1978 são incrivelmente porcos) ou aquele que 'adapta' o Mágico de Oz ou o que 'adapta' o Auto da Compadecida?

Sabe, várias e várias tentativas de fazer algo, e SEMPRE produzindo algo porco e sem qualidade - mas que em uma sociedade que não tinha acesso a cultura de qualidade ou o mínimo parâmetro do que era humor de boa qualidade (e talvez se ouvisse uma piada de Monty Python acabaria numa cela da ditadura por ser um subversivo).

Entende o que estou apontando?

Michael Palin deu a volta ao globo várias vezes e produziu documentários de exploração premiadíssimos para a BBC depois de sua carreira com o Monty Python, Dedé Santana dá entrevista para o Danilo Gentalha reclamando que o politicamente correto acabou com a carreira dele (mesmo que em vinte e um anos fazendo os trapalhões ele só tenha um único personagem - que é sem graça pra diabo)... Mas foi o politicamente correto que acabou com a carreira de Dedé Santana, e não o fato que ele é incompetente e foi incapaz de se reinventar, sabe?

Terry Gilliam parte para uma carreira de diretor e é premiado e conceituado em todo o mundo, produzindo alguns dos filmes mais importantes da história do século XX como Brazil e Bandidos do Tempo, enquanto Paulo Cintura faz O MESMO PERSONAGEM (sem graça) há quarenta anos e é o politicamente correto que acabou com a carreira dele. Não é o fato que ele tinha um personagem chato, que nunca teve uma piada e ele foi incompetente para criar material próprio e reinventar o personagem, introduzindo algum novo ângulo e dimensão que o torne mais interessante. É o politicamente correto que acabou com a carreira dele!

Quer dizer, Terry Gilliam trabalhou na Mad, recebeu indicações ao Bafta, Globo de Ouro, Oscar, dirigiu uma ópera e trabalha com caridade (além de ser um dos integrantes originais do Monty Python), enquanto Paulo Cintura faz um instrutor de aeróbica (algo que nem existe mais, porque estes foram substituídos ao longo dos anos por personal trainers e professores de educação física) que não conseguiu concluir o ensino fundamental para adultos no intervalo de tempo que eu fiz o fundamental, médio, faculdade e três pós-graduações! E ele ainda faz o papel de um instrutor de aeróbica mais de trinta anos depois!

Sejamos honestos e totalmente honestos aqui: O problema não é o politicamente correto, nem nunca foi.

O problema é que esses (velhos) humoristas medíocres e patéticos querem fazer o mesmo humor (medíocre, patético e velho) de novo e de novo como fizeram e faziam anos atrás sem precisar se preocupar em evoluir ou, droga, sequer se esforçar.

Por muito tempo eles podiam e puderam fazer esse 'humor' sem graça porque não existia competição, porque as fronteiras estavam fechadas e os brasileiros não tinham acesso ou conhecimento para encontrar algo como Monty Python, Black Adder ou mesmo o Saturday Night Live. Mas hoje? Hoje quem de fato olha para um filme dos Trapalhões e pensa 'Nossa, até que isso envelheceu bem', está precisando de um pouco mais de senso crítico. Desculpe, MUUUUUUUUITO mais de senso crítico.

Droga, você só precisa de algumas pesquisas no youtube para verificar a enormidade de opções que comediantes britânicos dispõem (com o Taskmaster, Would I Lie to You, Hypotetical, Mock of the week além dos inúmeros outros tantos e alguns fantásticos sitcoms), os comediantes norteamericanos (com uma quantidade quase obscena de sitcoms, animações e shows de stand-up para praticamente toda grande rede, além de shows de variedade como Saturday Night Live ou o Chapelle Show) com gente talentosa saindo de um papel pequeno em um destes programas para despontar como uma força a ser reconhecida no cinema e tv, e o que a gente tem de fato no Brasil hoje em 2021?

Dois shows no Comedy Central com o mesmo formato com cinco comediantes fazendo piadinhas meio sem graça...? Alguns comediantes reaça fazendo programas de entrevista?

Desculpe, mas se você acha que o problema é o politicamente correto, a real questão é que você não quer humor. Você quer uma caixa de surpresas. Você quer a Praça é Nossa, contando as mesmas piadas desde 1956, no mesmo estilo, do mesmo jeito... E isso não é uma questão de 'humor'. É TOC.

Se o 'humor' sair da caixinha de surpresas, se uma linha da sua obsessão estiver diferente, você faz birra, joga tudo no chão e reclama que as coisas não são mais do jeito que eram antes (Grande surpresa, né Sherlock? Talvez os smartphones, os drones e os carros autônomos deveriam ser suficiente para você perceber que o mundo não tem mais os mesmos tons de sépia da grande depressão, vovô...)

O problema não é o 'politicamente correto' (ou incorreto pelo que importa). O problema é que fazer humor é difícil, e, para muito 'humorista' brasileiro fazer algo difícil significa ter que trabalhar, arregaçar as manguinhas e produzir material novo, se reinventar, quebrar moldes pré-concebidos e alçar novos limites... e isso é algo que eles simplesmente tem enorme aversão.

Afinal, muito mais fácil dizer que o problema e a culpa é de todo mundo mais, não deles.

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