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10 de setembro de 2020

{Resenha de quinta parte 2} The Boys don't Cry (versão com Spoilers)

 Imagine um mundo em que os irmãos Lumière não inventaram o cinematógrafo. Por mais difícil que seja imaginar todas as possíveis ramificações, é fácil ver alguns dos efeitos mais claros e imediatos: Sem o cinema, uma enormidade de astros famosos nas telinhas migrariam para outras áreas - seja como atores mesmo ou em segmentos completamente diferentes.

Não haveria Chaplin ou Harrison Ford por exemplo, mas eles talvez seguiriam carreiras como atores de teatro ou rádio. E isso mostra outro efeito da popularização de outra mídia no lugar da que nunca existiu.

Isso é história alternativa, algo que por mais lógico que seja na ficção, seja de fato poucas vezes (bem) explorado e construído. Narrativas no geral tentam ignorar que o mundo seria efetivamente diferente com a existência ou ausência de um fator primordial.

No caso de The Boys é a existência de super heróis.

E enquanto Watchmen ou My Hero Academia exploram em maior detalhes os efeitos da existência de super seres em um mundo tipicamente 'real' e o quanto a presença destes afeta a realidade, The Boys simplesmente finge que a existência de super seres se incorporaria na realidade como celebridades adoradas e idolatradas. E ignora que, bem, tão importante quanto o mito da celebridade está o mito da destruição de celebridades.

Nossa sociedade adora ver o colapso mental de uma figura pública - tenha ela feito algo errado ou não.

Um ator dá um soco na cara de um paparazi (que para a manchete vira 'jornalista')? Milhões vão querer ver! O contexto da história não é importante.

Mas no mundo de super heróis corruptos e auto destrutivos de The Boys, as pessoas preferem ser e se manter ignorantes do comportamento auto-destrutivo.

Por mais que o herói veloz dependa de patrocínios - e precise constantemente competir para marcar seu lugar e sua presença - ninguém tenta flagrar esse personagem com uma amante ou frequentando um clube onde as pessoas se drogam e fazem todo tipo de atividade recriminável. O foco é somente na idolatria destes seres... Sim, eles tem 'rondas' que são monitoradas por equipes de produção enquanto analistas buscam possíveis crimes que sejam cinematográficos o suficiente.

E aqui é onde a coisa fica mais difícil de entender... No universo de The Boys não existem (ou não foram mostrados) vilões ou ameaças que de fato requeiram tamanha demanda por super seres.

Combater roubos a caixa forte, estupros e outros crimes...? A polícia dá conta deste tipo de atividade - com erros e acertos na condução das investigações, e, nenhum dos super poderes mostrado na primeira temporada denota algo de efetivamente auxiliaria no combate ao crime (talvez o herói falido Mesmer).

Desastres naturais e acidentes com transportes...? De fato é mais difícil prever e antecipar, mas não é exatamente o tipo de coisa que ocorre com grande freqüência - nem, como vemos na série que os heróis possam de fato fazer muito mais do que já acontece em nosso mundo.

Porque então existe tamanho culto de celebridade para estes seres poderosos? Faria sentido se, vamos supor, seres como Homelander tivessem impedido o ataque das Torres Gêmeas nesta história alternativa (apesar disso ser outra história em quadrinhos...) ou conduzido uma retaliação mais rápida e eficiente aos terroristas da Al Qaeda. Mas os super heróis dessa narrativa não integram ações militares - na verdade até é o ponto da narrativa na primeira temporada para que os heróis da Vought possam integrar ações militares.

Então repito... Porque as pessoas desta realidade se importam tanto com super heróis se não existe demonstração clara (e evidente) de que eles servem a alum propósito que de fato faz da vida das pessoas comuns melhor?

Sei que com artistas isso é similar (nenhum ator de Hollywood ou cantor de qualquer gênero faz de fato com que a vida de seu expectador seja melhor), mas ainda assim a percepção é diferente, assim como a estrutura. Mick Jagger não é famoso por ser famoso, tampouco Beyoncé.

Do que vemos na primeira temporada, Capitão Pátria é famoso por impedir um assalto e fazer discursos em eventos cristãos... Outros personagens como o Translúcido ou mesmo o Black Noir nem isso tem.

Essas pessoas são famosas por seus poderes, então seria importante ver constantemente a demonstração destes poderes na prática para ao menos criar a ilusão de que eles estão contribuindo para a melhora das vidas das pessoas - o que não ocorre ou é demonstrado no seriado. Então, se existe tamanho culto de celebridade... Onde estão os Paparazzi para flagrar super heróis bêbados ou canais sensacionalistas para cobrir cada erro destas figuras como algo execrável (como é)?

Até porque fica ainda mais estranho (ou confuso) quando o seriado deixa claro que estas pessoas poderosas de fato são responsáveis pela estrutura de mídia acerca de suas marcas, como filmes e seriados... Só que isso não faz exatamente muito sentido (a menos que seja o filme dos Jovens Titãs, né?), e até vai contra o propósito do heroísmo como um todo.

Mais: Porque a idolatria aos super é tamanha e tão grande nesta temporada (antes dos supers estarem envolvidos com o exército), já existindo há pelo menos uma década (uma década mais ou menos do sumiço de Becca Butcher quando Capitão Pátria e Rainha Maeve já eram famosos, mas, como Giancarlo Esposito declara no começo da segunda temporada, eles existem há bem mais do que isso, pelo menos desde a segunda guerra mundial com uma versão do Capitão América) ignorando, bem, o aspecto altamente litigioso do ser humano?

Sério, não só Hughie recebe uma oferta de um calaboca pela morte de sua noiva no começo da série como a esposa de Billy e mais alguns personagens são apresentados com situações semelhantes (num encontro de grupo de suporte para vítimas de acidentes com super poderosos). Isso é, ao meu ver, o aspecto mais bizarro da série.

E não importa que o pai de Hughie destaque que processar um super é tão difícil quanto processar um policial... Antes da participação da Vought em contratos militares, deveria ser extremamente comum - e empresas concorrentes deveriam exatamente explorar estes riscos de acidentes civis e ocorrências litigiosas.

Nessa questão do exército, inclusive, é onde está o grande x da questão de porque a cronologia de The Boys faz pouco sentido, se algum. Vemos que Billy Butcher e seu grupo de caçadores de Super tinham aval da CIA em algum momento entre o sumiço de sua mulher e o presente, mas... Porque a CIA e o FBI (e mesmo o congresso norte-americano assim como o exército) não faria mais e mais detalhadas investigações...?

Em uma temporada vemos uma enormidade de corrupções e crimes dos quais a Vought está envolvida (em um período que, quiçá equivalha a um ano), e o governo dos EUA simplesmente ignora crianças sendo drogadas com compostos químicos perigosos que geram poderes aleatórios...?

Sei que algumas destas questões podem ser explicadas ou corrigidas em futuras temporadas (e até um filme de Billy Butcher que deve sair no meio da segunda temporada pela própria Amazon), mas, considerando que estou somente focando nos principais problemas - ou ao menos nos principais que me chamaram a atenção - parece cada vez menos provável que estes erros se corrijam.

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