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23 de agosto de 2020

{Editorial} A verdadeira diferença entre quadrinhos japoneses e norte-americanos (e europeus para boa mesura)

Claro, claro, algum engraçadinho vai dizer que é fácil identificar. Um você lê da esquerda pra direita e da parte superior à inferior (sendo que o próprio sentido de encadernação segue essa orientação) enquanto o outro faz o sentido contrário.

Só que isso é bastante simplista e não enxerga o quadro maior.

Assim como definir ou dizer que as séries japonesas são limitadas - com ideias de início meio e final já concebidas de antemão enquanto os quadrinhos estadunidenses seguem infinitamente desde sua gênese em alguns casos mais de 80 anos atrás. Essa afirmação está bem errada e é uma preconcepção bastante incorreta (várias séries japonesas, como Cavaleiros do Zodíaco ou One Piece também continuam quase infinitamente enquanto existe potencial vendável, e diversas séries de quadrinhos dos EUA encontraram finais, tanto em séries de super herói como de outros estilos).

Os quadrinhos japoneses são vistos como uma plataforma de lançamento para marcas/franquias, e é justamente por isso que é tão comum que deles derivem animações (os animês), seriados ou filmes (como aconteceu com Lobo Solitário), jogos de videogame e mais todo tipo de produto derivado com possibilidade de marketing e lucro imaginável ou até mesmo que nossas mentes ocidentais não sejam capazes de contemplar - e vai por mim, nem to falando de pornografia e a regra 34 em si.

É imensamente comum esse tipo de estrutura - lançam um quadrinho e em meses já existe uma série de animação baseada no material - tudo geralmente, não só com o aval como com a supervisão direta e constante do criador nos principais aspectos da produção. E, claro, uma substancial participação dos lucros.

Para o criador há sempre mais incentivos diretos e indiretos da criação e produção - os lucros derivados de produtos, das animações e franqueamento - e, como disso naturalmente resulta em estafa pelo excesso de material que deriva de sua criação (e, indiretamente em aumento de lucros), não é difícil de entender porque os criadores buscam uma estrutura mais finita de suas obras até para descansarem um pouco antes de tentar criar uma nova franquia - caso venham optar por fazê-lo.

Isso, até onde eu sei dizer, não é prática comum na estrutura norte-americana de quadrinhos (e eu arriscaria até a dizer que nunca aconteceu).

Sim, você tem as Tartarugas Ninja para citar um exemplo que faz basicamente essa estrutura, mas os criadores pouco ou nada estavam envolvidos nos projetos derivados, que, essencialmente foram produzidos por equipes especializadas de marketing completamente recriando os estilos, personagens e estruturas (as cores de cada uma das tartarugas, por exemplo, assim como o tom mais amigável para crianças que não estava na hq).

Só que quantos outros exemplos desse tipo de situação existem no mercado editorial norte-americano? Sandman do Neil Gaiman em que o autor britânico deve adaptar o material sob a forma de série (apesar de alegar que o está fazendo há mais de vinte anos)...? The Walking Dead em que o Robert Kirkman está diretamente envolvido no seriado...?

Dos quadrinhos europeus é ainda pior na verdade, uma vez que o material lá é visto com muito menos condição de 'produto' e mais como obra propriamente dita. Autores de quadrinhos europeus até fazem, em um ou outro caso projetos que emplacam em produções e acordos multibilionários de filmes, seriados e animações... Mas isso tende e a ser muito mais vezes a exceção que regra.

Existe essa aura focada em conteúdo como forma de elevar a arte e buscar romper barreiras e normativos criativos - e até por isso surjam nomes como Moebius, Manara, Grant Morrison ou Alan Moore - e é muito mais comum que tenham lançamentos tal qual livros, em períodos, volumes e intervalos (como ocorre com Asterix, Corto Maltese ou Tintim).

Nisso vemos diferentes formas de estruturar o material - com maior potencial marquetável que segue geralmente estruturas familiares (torneios de artes marciais que recrutam lutadores fortes que vão combater para provar quem é o melhor dentre todos para posteriormente combaterem um inimigo comum que quer destruir o mundo) ou numa condição ou convenção de vislumbrar o material como obra e nisso buscar formas de transcender gêneros, estilos e até mesmo tentar reinventar a forma de se imaginar quadrinhos (escapando de convenções como a Garagem Hermética de Moebius e toda a piração que existe em O Incal).

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