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14 de julho de 2019

{Editorial} As dificuldades do varejo no século XXI

Uma das grandes dificuldades do mundo moderno reside em ajustar-se a um novo, e completamente diferente, cenário de interação e comércio.
Onde antes dependíamos das mercearias e pequenas empresas para fornecimento de bens e serviços que foram substituídas pelas grandes redes centralizadas em shoppings centers e mega mercados, hoje vemos que mesmo estes últimos vivem tempos difíceis. Nos EUA a análise dos problemas de "lojas mortas" rendeu uma série de reportagens assim como um canal do youtube dedicado a investigá-las.

Chame de gentrificação se quiser, mas a verdade bem e simples é que o reinado dos grandes e gigantescos templos de louvor ao capitalismo chegou ao fim. A internet supre essa função de sobra e as grandes redes não parecem se importar minimamente com o impacto disso.
Não se importaram lá e tampouco se importam por aqui.

Veja um exemplo bem simples, ao qual faço um breve parênteses. Talvez não seja do seu interesse - sei que não é o de muita gente que conheço - mas tente acompanhar do que vou falar do mercado de filmes em dvd ou blu-ray.
É verdade que com a internet distribuindo os filmes em alta qualidade é muito mais interessante comprar uma licença ou assinar a um serviço que ofereça o filme de interesse (seja o terrível serviço da HBO ou a Telecine da Globo ou quiça outros ótimos serviços como o Mubi), ao que parece a melhor solução somente a dispor de um melhor provedor de internet, correto?

Bem... Sim e não.
Veja, eu tenho o dvd de todos os filmes do Monty Python e do seriado da BBC.
A qualidade da imagem é pouco diferente do material que está na Netflix (seja no dvd ou na versão em hd que se vê seja numa tv 4k ou num celular), o que parece favorecer o serviço de streaming nessa condição. PORÉM, existe uma questão essencial neste quesito no que tange a qualidade dos ótimos dvds da trupe britânica, que são excelentes extras que a Netflix não oferece.
Sejam os trailers (que é verdade, estão no youtube), seja a versão com legenda para quem não gosta de Monty Python com o texto de Ricardo III de Shakespeare (claro que numa paródia, mas funciona)... Existem outros pequenos detalhes aqui e acolá é verdade, e, não duvido que pra muita gente esses extras pareçam de todo irrelevantes.
Quão melhor é poder assistir ao ministério de andares tolos no celular enquanto aguarda um voo sem precisar de um aparelho de dvd ou toda uma parafernália, correto?

Só que é aí que tá.
Nesse caso, eu tenho as duas opções e posso assistir em minha casa a versão com legendas para quem não gosta de Monty Python e posso ver enquanto aguardo a um voo pela versão tradicional. O mesmo vale para outros filmes com cenas extras e versões diferentes - como Exterminador do Futuro 2, Blade Runner ou Aliens - que disponibilizam em seus discos os relances dessas versões diferentes assim como extras. Droga, até o Capitão América 2 tem diferentes versões regionais...
Nas versões dos serviços de streaming, porém, temos de aceitar a versão disponibilizada e somente isso.

Assim como aceitar, caso seja do interesse do serviço, as alterações e modificações que lhe caibam fazer. Até o momento não existem grandes relatos sobre alterações de palavrões ou mesmo cortes em versões de filmes nos serviços de streaming, além da vergonhosa exibição do filme de Tim Maia pela Globo editando material e colocando entrevistas após uma cena em que Roberto Carlos é retratado sendo escroto.
E no Brasil de 2019 com donos de empresa impondo censura a emissoras de televisão, não me parece um pulo tão grande que filmes em streaming encontrem restrições, reduções e revisões (versão de filme de terror sem sangue ou mesmo a remoção deles dos catálogos para agradar os carolas da Universal).

Sei que é um baita desvio para falar de varejo, mas entenda o que estou dizendo. A opção de TER opções para aquisição de material sempre foi um grande diferencial do capitalismo moderno, e a força motriz para uma série de produtos e serviços.
Para leitores de quadrinhos, por exemplo, é possível acompanhar mensalmente, ler em compêndios de seis edições ou compêndios maiores (de 12, 24 ou até mesmo 48 edições) tanto digitalmente quanto fisicamente. Em capa dura ou capa mole.
Versão mais sofisticada ou mais barata em papel de menor qualidade e impressão em preto e branco.
O cliente/consumidor TEM essas opções e pode comprar em várias lojas de varejo o mesmo produto, buscando assim o que melhor lhe convém.

Essa é a ideia primordial do varejo.

O problema aqui, porém, é que a competição com meios digitais torna praticamente impossível para as lojas físicas por uma série de motivos (comissão de vendedores, custos fixos com aluguel, eletricidade, assim como impostos locais para a manutenção do estabelecimento), ao que oferecer sequer o mesmo serviço já é dificílimo. O mesmo preço, impraticável.

Faz sentido que lojas, ao menos, tentem oferecer condições diferenciadas, serviços diferenciados ou mesmo trabalhar de maneira diferente para atrair e fidelizar seus clientes - mas não é o que vemos na prática.
Os grandes lojistas se unem e fazem um protocartel na comercialização de bens e serviços - ao que, uma busca rápida na web nos mais diversos sites de empresas diferentes encontra preços quase inalterados e, pior ainda, os mesmos fornecedores utilizados por todos esses diversos sites.
Fica visível quando empresas pertencem ao mesmo grupo (como Americanas, Shoptime e Submarino) mas ainda mais chocante quando são empresas de grupos diferentes (como Casas Bahia, Saraiva e a já citada Americanas). E mais chocante ainda quando, com todas essas empresas diferentes não se encontre a mínima diferença de preço (ao que volto aos dvds e blu-rays anteriormente citados, em que pouca ou nenhuma diferença se vê entre todos estes sites que compram de dois principais fornecedores, a Vídeo Perola e a FamDVD).

Não vou entrar muito em detalhes, mas é meio ridículo que tantas empresas diferentes vendam de apenas DOIS fornecedores apenas... E ridículo é o mínimo que posso imaginar dizer (tem uma dezena de palavrões extras).

Em caso recente minha mãe comprou um aparelho de televisão de uma dessas lojas, só que, como o texto já apontou até aqui, a loja em si só intermediava a venda a partir de outro fornecedor num quê de boneca russa.
A empresa cobrou um valor enorme de frete e um prazo consideravelmente longo, mas, como o preço do televisor estava abaixo de qualquer outra proposta por aí ainda valia a pena e arriscamos. Passado o prazo sem nenhum sinal de resposta entrei em contato com a empresa e, bem, pra dizer o mínimo vi que me meti em um longo castelo de cartas que torna a coisa toda difícil de julgar.

O site de onde comprei serve de fachada para uma empresa mequetrefe que, bem, pode muito bem tentar me fraudar (como creio bem ser o caso) enquanto usa o nome da empresa mais antiga e famosa... E o que é de fato pior ao meu ver: Porque essa loja mais famosa, que oferece esse tipo de produto, se colocaria como empresa de fachada para uma empresa mequetrefe dessas?

No caso anterior (dos dvds e blu-ray) ainda tem a justificativa que os sites maiores não trabalham com esses produtos, ainda que leva a outras dúvidas (pra que oferecer um produto do qual não dispõe?).
Fico com sérias dúvidas sobre os rumos do varejo no século XXI, não apenas por esse tipo de situação ainda que ela traga outros muitos dilemas que eu não sei responder nesse momento, mas sinceramente, com os fracassos recentes da Saraiva e Cultura acompanhados da Fnac deixando o Brasil, vejo que um bocado das estratégias usadas pelos grandes nomes do varejo no país não estão acompanhando o que o público de fato demanda.

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