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16 de agosto de 2015

{EDITORIAL} Reflexões

Há mais ou menos uns cinquenta anos atrás, meu pai se mudou para a 'cidade'.
Acho que cabe aqui uma explicação, até pelo motivo de eu usar a palavra entre aspas. Ele morava com os pais em um sítio na região rural do mesmo município, mas era costume chamar a área urbana de cidade ainda que pertencesse tecnicamente a exata mesma delimitação.
Nesse sítio meu pai trabalhava com seu próprio pai em um armazém, e essa foi sua única experiência de emprego até se mudar.
Em uma semana ele já tinha um emprego novo, como redator de um noticiário local, ao que reforço, sem experiência na área e sem um diploma de ensino superior (mal tinha completado o ensino médio na época). Isso não o impediu de conseguir mais dois outros empregos com o tempo (foi maestro de uma corporação musical - também sem saber ler partituras - e se tornou apresentador de uma rádio matutina... Esse último era apenas um bico, na verdade).
Ainda que, na época, essa história não fosse exatamente uma exceção (na verdade por um bom período encontrar casos similares e próximos é bem fácil), isso é uma situação temporal específica.
A demanda por empregos era muito maior que a quantidade de gente que existia, e de tal maneira os empregos não necessitavam capacitação (reforço, meu pai só sabia ler e escrever bem e isso foi suficiente para ser redator de um jornal).
Não que eu queira diminuir meu pai, por favor. Admiro o cara e ele escrevia de fato MUITO bem. Deu aulas para muitos dos colegas redatores do mesmo jornal - eles cursando cursos de jornalismo ou com diplomas pendurados sob suas mesas. Acontece que, se essa história se passasse em 2015 (ou até mesmo uns anos antes, 1995 pra cá), bem... O final seria bem diferente.

Explicar os motivos dessas mudanças, em parte é fácil (havia demanda maior e faltava mão de obra até porque a densidade populacional era muito menor, o mundo não era globalizado de forma que um terceirizado na Índia possa fazer seu mesmo trabalho por metade do salário e, reforçando a situação da globalização, a questão estratégica da Guerra Fria requeria investimentos do bloco americano na América do Sul que hoje não são mais necessários) e em parte estes motivos justificam a condição atual.
Ao passo que existem, desta mesma condição histórica, outros motivos que também justifiquem a condição atual. A falta de investimentos em infraestrutura, por exemplo, hoje empregaria muito mais engenheiros para obras extremamente necessárias para o país, ao passo que poderia facilitar a ponte entre indústria e universidade (que ainda hoje é um dos grandes problemas brasileiros, com jovens incapazes de ingressar o mercado de trabalho e necessitando anos e mais anos de pós-graduações para permanecer nas universidades como professores).
Em 2013 eu fiz uma apresentação de um trabalho sobre 'membranas filtrantes' (uma tecnologia já bastante usada e difundida no mundo para tratamento de água) e fui questionado pela professora da matéria se a alternativa era viável para o Brasil, ao que fui forçado - por minha tão somente candura - a responder: "Enquanto ainda temos problemas com o abastecimento de água convencional a todos os brasileiros, devemos pensar em alternativas mais avançadas?" (Preciso dizer que tirei nota baixa por isso?).
Viveríamos um mundo bem diferente hoje se o país estivesse se desenvolvendo da maneira correta na época que meu pai veio para a cidade, mas sob a perspectiva histórica, o próprio Laurentino Gomes destaca que erros são uma constante do desenvolvimento dessa nação (perdeu-se o momento histórico da reforma agrária, assim como uma incrivelmente tardia libertação dos escravos), e os resultados se mostram e refletem hoje.

Temos um péssimo setor de pesquisa e desenvolvimento (até porque as multinacionais mantém esses setores em suas matrizes, e empresas nacionais, infelizmente são uma minoria - e minadas para não surgirem).
Temos (em 2015) empresas que tem dificuldade de aceitar que marketing é uma ferramenta fundamental para o desenvolvimento de empresas (eu falei disso algumas semanas atrás)... Droga, eu poderia citar outros muitos exemplos disso que eu vi e vivenciei!
Ao passo que poderia citar ainda muitos mais de empresas que se recusam a aceitar e discutir o progresso (sim, vi empresas ainda usando máquinas de escrever em 2005 em detrimento de computadores!), e já perdi as contas de quantas vezes ouvi 'empresários' com o famoso chavão "Filho, faz 'n' anos que eu faço isso assim e dá certo".
Tenho certeza que foram palavras ditas antes do último voo do Hinderburg...

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