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3 de abril de 2015

{RESENHA} Bioshock Infinite

Sim, sim, um jogo de video game para variar (com dois anos de atraso, por sinal), mas tolere o texto para ver as razões de fugir um pouco da perspectiva de livros.

Resumo dinâmico: Para o infinito e além.

Resenha: Bioshock começou em 2007 com um jogo que segue igual partes uma análise sobre o objetivismo e os conceitos de Ayn Rand (a todos os preceitos e extremos) e a realização da fantasia maluca dos sonhos de consumo de um produtor de games. Há um mundo subaquático, há uma atmosfera de terror e suspense, há uma trama altamente filosófica (e perturbadoras reflexões sobre a própria indústria de videogames, e até mais sobre a humanidade, com um Pavlov movendo as engrenagens do enredo).

A jogabilidade não é aquela maravilha num mundo altamente competitivo e com jogos muito mais elaborados que gastam milhões para desenvolver novos e poderosos algoritmos para a física do movimento dos seios das personagens, mas rendeu um culto de fãs e críticos acerca das perspectivas que o jogo abre para a estrutura narrativa. Com vários elementos espalhados que requerem a atenção e busca do jogador, é possível perder e ignorar vários detalhes cruciais para a trama maior.

O jogo teve uma continuação que foi recebida de maneira morna tanto por crítica quanto fãs, e para muitos o sucessor efetivo é o jogo de 2013, resenhado aqui Bioshock Infinite.
E Infinite é, sem sombra de dúvidas uma das mais poderosas narrativas que acompanhei nos últimos anos.
Fazendo o que o primeiro jogo propôs, aqui ele vai além.
Tudo é envolto em mistérios e confusão... Memórias falsas, memórias inventadas, futuros alternativos, passados alternativos... A extrapolação da física quântica somada a um pano de fundo de uma complexa briga de classes (e, não obstante de raças). Enquanto isso, igualmente questiona os padrões e pré-conceitos da estrutura da indústria de videogames.
O Pavlov é mais discreto aqui, mas está lá (e de mais de uma forma, como a música indicando perigo iminente, colocando o jogador em estado de alerta - mesmo que seja apenas um esquilo). 
A dicotomia dos enredos, a falsa ilusão de mudança - e escolha...

Quero destacar um pouco aqui, pois é onde reside o grande trunfo do título, do INFINITE.
Afinal, é justamente essa concepção das inúmeras, incontáveis e impossíveis de se quantificar possibilidades que define o infinito. Elizabeth, a co-protagonista e personagem central da trama é capaz de manipular o tecido da realidade, abrindo portais para outras dimensões.
Mas ela não é a única pessoa com esse poder, até porque Elizabeth está ali para representar um papel - o papel da equipe criativa por trás do jogo. Eles tem tamanho poder e capacidade, eles podem fazer tanto, mas acabam restritos, confinados a amarras impostas por uma estrutura 'maior'.
Elizabeth fala o tempo todo de um sonho por ver Paris, mas ainda que possa a qualquer momento fazer isso, limita-se a acompanhar o personagem controlado pelo protagonista e auxiliá-lo com seus poderes por coisas limitadíssimas, infinitesimais as suas capacidades (entende o paralelo óbvio?) para atender às expectativas do jogador.
O infinito acaba se tornando restritivo, mas, afinal não é assim sempre?
Nós, ainda que não sejamos capazes de abrir fendas na realidade, também temos a possibilidade para milhões, centenas de milhões de escolhas todos os dias (o que te impede de, hoje mesmo, pular de para-quedas, escrever um livro, fazer um churrasco com a família ou amigos ou escalar o Killimanjaro nas costas de um leão atirando a arma usada por Stalin?).

As constrições do infinito são um fundamental ponto para a estrutura do jogo.
Sim, é contraditório que o infinito seja limitado, mas o que é de fato o infinito, senão as opções?
Por exemplo, o jogo oferece uma gama de recursos semi-mágicos chamados 'Vigores', que possibilitam, por exemplo manipular os elementos como super poderes de personagens de quadrinhos. Um permite atirar bolas de fogo, outro raios enquanto um outro permite convocar uma entidade fantasmagórica... Como esses poderes são usados?
Somente para matar e causar destruição.
O que é um reflexo da incapacidade criativa da humanidade, e até além, da falta de visão criativa.
Vide Stanley Kubrick citando a história de Ícaro ("Deveríamos fazer asas melhores"). Vemos o negativo e não buscamos uma perspectiva melhor, por um cabresto que nos é imposto e mal sabemos direito porque ou o que (Qual o propósito de capitalizar com a mortandade de gente? De produzir armas e mais armas que limitam o potencial humano?). 

Há mais (muito mais) se esgueirando pelas camadas e mais camadas do enredo, e ele permite múltiplas interpretações a sua história, do que representam os personagens (o capitalista Fink explorando as condições únicas servindo como um reflexo para as grandes empresas/distribuidoras de jogos como EA, Microsoft e Sony), e é justamente ao abrir perspectivas e reflexões, por possibilitar discussões fantásticas que eu coloco Bioshock Infinite bem acima de muita coisa que eu li (e assisti) nos últimos dez anos... 
Ou como a trilha sonora explora os temas do jogo (e vai ganhando sentidos conforme a trama avança) ou a forma como vemos (e nos vemos) diferentes após as reviravoltas da trama.

Repito: Pode não ser a melhor jogabilidade, mas no quesito história, está anos luz de muito diretor e autor cobrão no mercado...

(PS: Da história eu vejo uma perspectiva mais sombria como mais coerente, que pode ser resumida como a conclusão de 'As Aventuras de Pi', em que o narrador conclui que sua história tanto pode ser figurativa - com os animais representando pessoas - quanto real, mas só uma tem um tigre... Como vejo, o protagonista vê e imagina tudo aquilo como uma metáfora para sua vida - cada ato representando uma retrospectiva de sua vida, as atrocidades da guerra, o retorno para casa para encontrar apenas empregos terríveis como capanga, a depressão após perder sua filha que o joga numa espécie de sanatório... Enfim, mas uma tem uma cidade voadora com uma versão ragtime para Tears for Fears...).

NOTA: 9,5/10.

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