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15 de junho de 2025

{Editorial} Sobre o caso Leo Lins (e não, ele não tem nada de defesa de liberdade de expressão - é só hipocrisia mesmo)

Enquanto, honestamente, eu tenho que admitir que não sei quem é Leo Lins além de que é uma versão piorada de Danilo Gentile, e isso já me é suficiente para não querer saber um atmo a mais, o caso de sua condenação ganhou bastante repercussão e discussão ultimamente, e, bem, se é discussão porque não opinar também?

No entanto o caso tem uma série de problemas e hipocrisias e eu tentarei na medida do possível cobrir o assunto da maneira mais abrangente possível. Não assisti ao conteúdo (e nem me interesso) e não vejo o menor motivo para discutir sobre o teor do que ele tenha ou não dito (a juíza do caso já fez isso), então vamos aos pontos:

A condenação é justa?

Bem, sim, afinal segue o que está previsto pela lei. Foi analisada por uma juíza, Lins teve pleno tempo de preparar uma defesa e argumentar (o Pirula fez um video sobre o assunto há um ano e meio sobre o caso, o que aponta que não tem nada de novo sob o sol).

{Editado 17/06} Não é função do judiciário analisar se a piada é boa ou não (e se você quiser alguém analisando se a piada é boa ou não, o Tiago Santineli - com divido além das iniciais, também uma série de opiniões - já fez a análise do "material"), mas sim se existe alguma violação dos termos da lei em qualquer sentido, até porque se fosse analisar por piada ruim, o Leandro Hassum já tava com prisão perpétua.

Foram analisados os crimes de discurso de ódio perpretados pelo cidadão, e, o judiciário analisou e julgou que, sim, foram cometidos crimes nesse sentido.

Agora começa o mimimi dessa corja mesmo. {/fim da edição

O que acontece é que, como Carla Zambelli e boa parte dessa canalhada de direita, sabe essa galera adora criticar que a justiça é muito branda e ineficaz (e solta rojão quando um jovem negro é espancado, torturado e mesmo assassinado pela polícia), mas quando sai a primeira busca e apreensão corre para a UTI para dizer que sua saúde é pior que da Tia May (ou no caso da Zambelli é tão burro a ponto de fugir do país e fazer uma coletiva de imprensa para dizer que está fugindo do país).

E enquanto eu não sou formado em direito ou tenha vasto conhecimento na área, bem, não é exatamente como se um advogado precisasse de muito para conseguir um acordo de leniência. Droga, 300 horas de serviço comunitário, tornozeleira eletrônica por um ano e meio e suspensão das redes sociais... Você acha mesmo que qualquer juiz rejeitaria um acordo desse em qualquer destes dois casos...?

A Mônica Iozzi foi condenada em um caso com o Gilmar Mendes, e podia brigar ad infinitum na justiça e optou por pagar multa e seguir com a vida... 

Mas aí os idiotas (Zambelli ou Lins - mas vale pra muito mais gente) resolvem demonstrar suas bravatas nas redes sociais e desafiar publicamente juízes e suas decisões porque são vítimas injustiçadas, apesar de amplo direito de defesa e tempo para preparação, ainda que seus argumentos sejam pífios e patéticos, porque, afinal de contas, são burros para caralho.

E a liberdade de expressão, onde fica?

No mesmo lugar que estava antes desse caso. Curiosamente, gente como Hassum, a galera do MBL ou mesmo Nikolas Ferreira que sairam todos criticando essa terrível decisão da justiça figindo que o """humorista""" é praticamente o Lenny Bruce do século XXI, não se manifestaram no caso da PhD Ana Bonassa que foi condenada por dizer que um picareta tava vendendo produtos que claramente não funcionam como medicamento...

Porque não é uma luta por 'liberdade de expressão' propriamente dita (não mais que algumas semanas atrás essa mesma galera queria linchamento público de um cantor carioca - que curiosamente não tem olhos azuis ou tom de pele mais clarinho na escala pantene, mas isso com certeza é mera coincidência), né? É mais para garantir o direito de expressar preconceitos e discurso de ódio (ou vender produtos que comprovadamente não funcionam - e podem levar a óbito), né?

Mas, voltando ao Lenny Bruce que eu citei agora a pouco, para quem não conhece, o humorista norte-americano que é considerado o pai do stand-up moderno justamente por mudar a forma de como contava suas piadas ao inserir histórias pessoais em sua rotina (deixando de lado números bobos e piadas de sogra - sabe, o que o Faustão faz ainda hoje) costumeiramente era preso, muitas vezes antes de subir no palco (e só recentemente perdoado, o que é um escândalo em si próprio). Bruce foi preso várias vezes por violar a lei de obcenidade, ao dizer palavras terríveis, que, bem, eu já devo ter usado uma ou dez nesse texto mesmo que feririam as sensibilidades carolas destas leis.

No entanto, o ponto e argumento que Lenny Bruce criticava com seu material era justamente seu direito de poder dizer as 'obcenidades', e, justamente por isso ele continuava desafiante e fazendo seu material. Ele poderia clara e facilmente mudar seu texto e aplacar a ira conservadora que achava ofensivo dizer 'puta' ou 'foda' ou fazer algum movimento imitando o ato masturbatório num clube de comédia no sábado à noite mas acharia perfeitamente normal sair da missa no domingo para colocar uma cruz invertida pegando fogo no quintal de uma "pessoa de cor" (e depois assistir a um show do Leo Lins).

Lenny Bruce lutava pelo direito de desafiar convenções estúpidas e carolas, e por isso continuou anos e anos sendo preso e desafiante. Leo Lins quer se dizer um bastião da liberdade de expressão mas vem com alguma conversinha de que no palco é "um personagem" (o que viola toda a lógica do stand-up, mas mais sobre isso a seguir), fazendo algo muito parecido com o outro rapaz citado alguns parágrafos atrás que também foi condenado, por colocar uma peruca em tribuna e fazer discurso transfóbico, porque a questão é diametralmente oposta.

Bruce queria mudar as coisas e oferecer um prisma para que a sociedade pudesse aceitar o que é visto como diferente, e, refletisse no processo enquanto Lins quer manter o direito de regurgitar o status quo e se aplaudido como um bravo e corajoso papagaio do Danilo Gentile nessa centopeia desumana em que o próximo elo digere e passa adiante a mesma merda que consumiu como se fosse um grande poço de inspiração.

Mas uma pessoa pode ser condenada pelo que o personagem diz... Não é tudo ficção?

Depois do 'foi mal, tava doidão' agora temos 'é só um personagem'.

Curiosamente, o foi mal, tava doidão pelo menos tem alguma base jurídica, afinal uma pessoa sob efeito medicamentoso pode ter seu julgamento afetado, mas, "não fui em quem disse foi um personagem" realmente merece um prêmio pela canalhice e burrice do argumento. 

Vamos lá, tentando resumir para demonstrar o quão estúpido esse argumento de fato é.

Um personagem existe como parte de uma obra de ficção, e, por conseguinte, não é real.

É, eu acho que é isso.



Tá, tá, a situação é um pouco mais complexa que isso (afinal, nos ataques de Nikolas Ferreira e do próprio Lins, curiosamente usando os mesmos termos, persegue-se dessa forma o autor do texto caso o personagem diga algo ofensivo - o que, curiosamente a turma deles faz ao querer banir livros a torto e direito), mas em linhas gerais, um personagem pode simular eventos do mundo real, e inclusive representar inúmeras similaridades com o próprio autor, sem tentar enveredar por um caminho meta demais, e talvez não exista um exemplo mais fácil que de Larry David com seu Segura a Onda.

No seriado, David, co-criador de Seinfeld e figurão em Hollywood com vários amigos atores vive Larry David, co-criador de Seinfeld e figurão em Hollywood com vários amigos atores (como Ted Danson, Richard Lewis e mais uma dezena de outros tantos). No entanto, David do seriado é um personagem, uma representação exagerada e potencializada de David na vida real.

David do seriado se mete em confusões e absurdos, que, se acontecessem com o David da vida real ele dificilmente seria um figurão em Hollywood (como com uma briga boba com Ben Stiler por uma festa de aniversário semanas depois do fato ou uma rivalidade com Michael J Fox que escalona em níveis estratosféricos). Sabemos que os eventos do seriado são ficcionais e representação das pessoas reais em cenários absurdos.

No entanto, num programa de entrevistas ou num palco fazendo um stand-up, é a pessoa física Larry David, e não mais o personagem de Segura a Onda. Seus comentários pessoais são suas opiniões e não mais o que o personagem numa obra de ficção pensa ou diz.

Se as opiniões do personagem ou da pessoa coincidem, são irrelevantes quando ditos pelo personagem - pois são uma obra de ficção, por mais que se assemelhem ou existam no mesmo contexto do mundo real - mas preocupantes quando ditos pela pessoa - pois EXISTEM no mundo real e por isso tem consequências e ramificações.

Nada disso é importante para o stand-up, principalmente na estrutura após Lenny Bruce (do ponto anterior), considerando que esse número de comédia reside no fato do humorista subir ao palco de cara-limpa (ou seja, sem personagens) para expor seus comentários, falar suas opiniões, sentimentos e pontos de vista. Ele nem precisa fazer uma piada tradicional como Bill Hicks falando por quarenta minutos sobre o assassinato de JFK...

Claro que existem outros comediantes que usam personagens em seus trabalhos (como Tom Cavalcante e antes dele Chico Anísio), mas evidentemente esse trabalho segue num rumo diferente em que os personagens vivenciam situações e cenários previamente planejados e estabelecidos (sabe, como numa peça), enquanto, o stand-up falando de cara limpa, existe maior liberdade para improvisação e, de novo, para opiniões que não compõem necessariamente uma piada no sentido tradicional (Bill Hicks de novo).

Agora, e talvez essa seja a questão mais importante, se você enquanto comediante e autor do texto que será executado, não concorda com ele, porque o diria?

Provavelmente porque foi pego e processado (e condenado) por isso e precisa de alguma desculpa (mesmo que estúpida) para ver se cola, né? "Esse batom na cueca é culpa do multiverso!"

 

{Edição bônus em 17/06} Bônus: Mas ele não confundiu só 'personagem com persona'?

Se fosse o caso, claro que seria muita burrice.

Personagem é uma representação ficcional, persona é um bocado mais complicado que isso, mas em linhas gerais é uma parcela de sua personalidade que se adequa em cenários situacionais - como quando você está em um churrasco com seus amigos ou quando está num churrasco da empresa no que você se comporta de maneira diferente. Mas nas duas situações, continua sendo você.

Persona pode mudar de acordo com contexto social, mas continua sendo a própria pessoa... Qual o argumento de defesa de que sob um aspecto social você fez um comentário racista ou homofóbico... (que é um crime)? 

{/fim da edição}

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