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12 de junho de 2025

{Explicando o Fim...} Anora (com spoilers)

Enquanto eu sei que eu poderia facilmente fazer uma resenha e comentar o filme (e seu final) eu genuinamente não acredito que eu conseguiria fazer isso direito sem spoilers.

Então eu vou falar brevemente sobre o filme e quando chegar na parte dos spoilers eu te avisarei - mas essa parte será importante para explicar o filme como um todo e o que faz dele realmente brilhante.

Sem spoilers, o filme tem um roteiro e direção arrebatadoras, e, ainda que alguns momentos sejam mais explícitos o que pode ser desconfortável para certos públicos, eu acho que o vocabulário explícito é mais desconfortável que qualquer cena de teor ou conotação sexual, mas, claro, sua milhagem pode variar.

O filme começa num caminho (com luzes brilhantes e filtros de instagram) e cria algo que parece que vai seguir um rumo até mudar drasticamente (mudando também o tom das luzes e câmeras para algo bem mais sombrio e realista) e continuar mudando e apresentando cenários e rumos bem diferentes do que você imaginaria.

Começa parecendo um conto de fadas moderno e termina, bem, como um conto de fadas moderno terminaria se deparando com a realidade. Você pode imaginar que vai assistir Uma Linda Mulher nos anos 2020 mas você acaba como A Primeira Noite de um Homem - com os personagens tendo seu grande momento épico e catártico para depois contemplar as consequências (e perceber que não fazem a menor ideia de como seguir a partir dali).

No entanto com Anora, isso é um ponto bem antes da metade do filme e passamos todo o restante do tempo vendo as consequências se desfraldando.

Última coisa antes dos spoilers, se eu acho que o filme mereceu os Oscar, inclusive de melhor atriz?

Sean Baker, sem sombra de dúvidas mereceu o prêmio (acho que o único filme que chega perto do que Anora faz com as escolhas de cinematografia é Pecadores, mas esse só saiu agora em 2025), e o filme realmente é surpreendente, ainda que acabe mais na subjetividade se é o melhor ou não do ano, e, na mesma subjetividade, cai a questão da melhor atriz.

Não querendo puxar a sardinha pra Fernanda Torres, mas eu acho que entre ela e Mikey Madison, a brasileira tem uma pequena vantagem (que de novo, é bem subjetiva), e ao meu ver reside no fato que eu tenho bem maior simpatia pela personagem vivida por Fernanda que pela desbocada Anora. Mas, a atuação de Madison consegue produzir um impacto maior, talvez inclusive, pelo fato de sua personagem ser muito mais antipática e ainda assim ela conseguir expor nuances da personalidade dela (inclusive com o final que diz muito sobre essa personalidade).

Então sim, o filme mereceu os prêmios que recebeu mesmo que talvez ele não vá agradar a todos, principalmente porque ele é um filme bem mais adulto que, bem, todos os filmes que eu citei até agora e que são utilizados como comparação. Não é uma princesinha Disney, não é a Cinderella para o século XXI, é uma prostituta, digo, uma "dançarina exótica norte-americana" (que é sinônimo para prostituta, mas num país onde prostituição é ilegal) que se envolve com um cliente bilionário, e as coisas desandam.

Ok? Então agora vamos para a área de spoilers, e se você não quiser ler sobre eles, por favor assista ao filme e volte aqui depois.

Sério, eu não vou oferecer mais cinco avisos consecutivos, esse é o ponto dos spoilers sobre o filme e eu não quero ver alguém comentando que eu não avisei o suficiente.

 

 

 

 

Passado mais ou menos a marca dos 40 minutos, depois de todo o deslumbramento e do fascínio de uma aventura longa e exótica cheia de excessos (sim, pleonasmo), com toda o ostentação, luxo e a vida boa que o dinheiro pode comprar, a família bilionária descobre o que o herdeiro morando nos EUA aprontou dessa vez e resolve mandar algumas pessoas para resolver a situação.

O filme abandona os tons de instagram para oferecer algo mais sujo, mais realista conforme a ficha começa a cair. Anora vê que sua vida não virou um conto de fadas enquanto seu "marido" parece uma criança que enxerga nela apenas um brinquedo (para sexo, claro, mas um brinquedo não obstante) e, um inconveniente.

Quando funcionários de seus pais aparecem para confrontá-lo, ele foge para continuar numa aventura longa de excessos, enquanto os funcionários dos pais e Anora precisam enfrentar os fatos, ainda que, por uma boa parte do tempo remanescente do filme a protagonista tentará juntar as peças para visualizar melhor a figura, e entender a imagem maior (e inclusive para entender que ela é apenas um brinquedinho e inconveniente na briga de um garoto mimado com os pais).

Entender qual é o seu papel, e, mais importante, o quanto ela se deixou levar pela fantasia e pelo delírio dos excessos até que de fato a realidade venha mostrar sua face cruel e as consequências surjam, leva a toda uma compreensão difícil sobre o escapismo (que os clientes de Anora também buscavam em suas visitas ao clube de "dança exótica", vale destacar) coincide com os filtros de instragram de uma realidade simulada para parecer mais interessante e fascinante que de fato é.

O final não oferece nenhuma grande revelação diferente do que o filme já tinha mostrado, mas serve para cimentar além de qualquer dúvida e reforçar o argumento do filme - Anora tem problemas de intimidade, e, de forma paradoxal, usa do sexo para evitar contato humano, algo que fica evidente na cena final enquanto ela tenta evitar beijar uma pessoa (que demonstra respeitá-la e com quem ela denota algum interesse genuíno) durante o ato sexual.

Sem entrar em argumentos vazios sobre como esse é um comentário sobre a estrutura artifical da vida moderna diante dos telefones e com mera percepção de realidade atráves de filtros de redes sociais que nos afastam do contato com o humano e real, e, mais que isso, com nossos próprios sentimentos e emoções. Isso é palavrório vazio.

O filme não me parece tentar nenhuma tese extremamente complicada além de oferecer um estudo sobre personagens, e, através destes personagens oferecer um reflexo maior de nossa realidade.

Até por isso ele oferece uma jornada com uma estrutura diferente e com uma perspectiva diferente do que comumente se vê, e por conseguinte, espera desse tipo de filme: Garota conhece garoto, se apaixona e enfrenta uma série de desafios para se adaptar com a família (que a odeia pura e simplesmente ou odeia as origens - humildes ou não - dela), o amor conquista tudo e triunfa ao final.

Você já assistiu a uma dezena de filmes (exatamente) assim, e, honestamente mesmo nessa década você sabe que um ou outro cabe exatamente nesse molde.

E esse é um molde estúpido. O amor não conquista tudo nem triunfa no final.

Diversos fatores interferem para que um relacionamento fracasse, muitos dos quais antecedem a primeira troca de olhares, e, esse é um ponto crucial que o filme aponta com seu final. Anora precisa corrigir muita coisa em si própria para que consiga desenvolver uma relação sadia e funcional, e, tudo isso exige tempo e esforço (e não apenas uma crença vazia que o amor conquista tudo e triunfa ao final).

Ok, o filme não reinventa a roda, mas quebra o molde e oferece uma visão mais completa e por tabela mais complexa do exato tipo de situação e cenário que tantos e tantos filmes similares fazem questão de ignorar ou fingir que, bem, está tudo bem e Julia Roberts, ex-prostituta se casa com um empresário Richard Gere e tem uma vida feliz e contente sem nenhum problema que essa bagagem e passado pode trazer - porque afinal de contas casais nunca brigam ou discutem, e discussões nunca ficam feias para usar elementos do passado do outro. 

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