Até algumas semanas - mais ou menos na época do Globo de Ouro, quando o Brasil Para lerdos lançou uma campanha para difamar o Oscar - parecia que Emilia Pérez singrava os ventos como um dragão imparável e dominaria tudo em seu caminho, e, com um número gigantesco de indicações ao Oscar ficou cada vez mais claro que esse parecia o caminho para o filme.
É verdade que a indicação redundante para melhor filme e melhor filme internacional são bastante ridículas (ainda mais quando os papéis principais trazem várias atrizes estadunidenses bastante conhecidas como Zoe Saldana - sabe, que está no Avatar e em Guardiões da Galáxia - e Selena Gomez - da Disney e seriados como Somente Assassinatos no Prédio), mas se esse fosse todo o problema, bem, esse post seria bem diferente.
Para falar brevemente sobre o filme (porque o foco é cada vez menos ele e muitos dos próximos parágrafos focarão em questões de bastidores e até da vida pessoal dos atores envolvidos), a história retrata um líder de um cartel de drogas mexicano extremamente perigoso que solicita a ajuda de uma advogada não ortodoxa para ajudá-lo a se livrar da cadeia. Depois de assistir a um filme de 1997 de John Woo e sem a disponibilidade de Nicholas Cage, o traficante, simula a própria morte enquanto se submete a uma cirurgia de mudança de sexo para ressurgir como Emilia Pérez, e, em contato com sua feminilidade e nova identidade feminina tentar reparar o estrago que fez em seu passado.
E o filme é um musical (por algum motivo).
Sinceramente é bastante inofensivo, e não acredito nem que os elogios que o filme recebeu sejam merecidos (é bem medíocre) e ainda que eu não goste de musicais no geral (eu não consegui terminar Cantando na Chuva até hoje e duvido que um dia o faça), não é como se o filme oferecesse alguma experiência melhor pela existência dessas músicas. Ao menos me parece que o excesso de elogio se deva a um cenário de festivais que vislumbram algo bem diferente da realidade do cinema comercial - e que já vimos acontecer de novo e de novo.
Era pra ser um filmezinho pequeno e sem grande espaço que acabou inflando e crescendo para algo de proporções muito maiores que o material comportava (e obviamente merecia - com Globo de Ouro e recorde de indicações ao Oscar). Obviamente não foi produzido para ser o grande fenômeno global além de festivais e premiações (e talvez mesmo nesse cenário quando competia com algo como O Brutalista ou Verdades Duras ou Nickel Boys ou, acho que você já deve ter sacado o argumento, né?). Quando chegou ao grande público - que estava ouvindo somente enormes elogios e vendo o material ganhando atenção de prêmios da crítica, bem, a reação foi mais ou menos a mesma para a continuação do Coringa... Diante da espectativa, o material não entregou ou chegou perto disso.
Talvez seja algo fantástico do ponto de vista técnico (não saberia dizer sobre isso), só que isso nunca foi o suficiente para agradar o público, e honestamente, o material teria que ser estelar para conquistar o público além de um ponto de vista técnico... Sendo medíocre como é, bem, é só munição para a galera que produziu Mr Birchum.
No entanto, as críticas no geral são bastante inócuas e bobas no que tange o filme.
"Ah, mas o filme não retrata muito bem tal situação ou tal outra". É um filme, oras. Os diretores tem que tomar decisões para produzir a peça de ficção da maneira que melhor represente o material e a história que querem contar e não da maneira mais fidedigna com os fatos.
Tubarões raramente atacam pessoas (menos de CEM pessoas por ano), Oskar Shindler não foi um sujeito tão bonzinho (vocês sabem que ele era um nazista, né?) e provavelmente não existe nenhuma guerra nas estrelas com sabres de luz, lasers e tudo mais - e mesmo se tivesse, não faria barulho no vácuo do espaço. E será que precisamos falar sobre o retrato pueril (e até um tanto racista) de filmes como Conduzindo Miss Daisy ou O Livro Verde sobre o racismo?
Droga, eu poderia facilmente partir para centenas de exemplos para justificar que ficção não precisa se basear em fatos reais (que absurdo, não?), mas esses não são os problemas reais.
Sim, o filme retrata mal e porcamente a situação do tráfico de drogas mexicano e suas vítimas e a ausência de atores mexicanos para papéis proeminentes tira qualquer elemento de legitimidade para esse mesmo problema... Enquanto o cenário da transição de mudança de sexo redimindo um criminoso altamente violento (e não apenas isso) é preocupante para dizer o mínimo.
Mas, lembremos, Martin Scorcese ganhou um Oscar por Assassinos da Lua das Flores ano passado, então justamente como um pedido de desculpas extremamente atrasado da organização por décadas de retratos racistas de indígenas (incluindo em Assassinos da Lua das Flores, mas ei), e, não é como se fosse muito melhor com o povo mexicano (que ou são retratados como preguiçosos, festeiros ou criminosos) ou com pessoas trans (que ou são alívio cômico, festeiras ou criminosas)...
Os problemas surgem aos poucos, de maneira gradual e vão erodindo a situação toda - e que mostram que bem provavelmente não se esperava que o filme ganhasse todo o destaque que recebeu porque as equipes de relações públicas não estavam minimamente preparadas para agir ou reagir.
Como com o diretor arrogantemente dizendo que não precisava pesquisar sobre um assunto que não conhece para melhor explicá-lo em seu filme, ou a equipe responsável pela seleção de elenco que ignorou atrizes mexicanas (para uma história que se passa no México - mesmo que filmada na França), depois foi ganhando mais gás com uma campanha suja tentando diminuir Fernanda Torres e o filme Ainda Estou Aqui na internet.
E aqui a coisa ficou feia. Meu Deus a coisa ficou feia.
Desencavaram alguns tweets de dois ou três anos da protagonista de Emilia Perez que são assustadoramente racistas... O tipo de coisa que faria Elon Musk fazer uma "saudação romana" (pisca, pisca), e olha que nem procuraram tanto, e, caralho a equipe de relações públicas só deixou a coisa degringolar e piorar mais e mais.
Teremos mais novidades nos próximos dias ou as coisas podem piorar ainda mais com alguma outra situação nova? Não ficaria surpreso e honestamente acho que por mais que a coisa tenha ficado bastante séria (e todo mundo envolvido com o filme entrou em modo pânico total), as coisas devem piorar um bocado antes de melhorarem um pouco.
A protagonista do filme provavelmente não será escalada nem para um documentário sobre essa tempestade de merda de campanha para o Oscar até a poeira baixar (e baixar bastante), e não sei se o diretor consegue se salvar muito melhor também...
Honestamente, não ficaria surpreso se o filme sair dos Oscar sem uma única estatueta...
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