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7 de abril de 2022

{Resenhas de Quinta} Como eu conheci seu pai e aprendi a amar a bomba

Eu sei que é fácil criticar o show por ser simplesmente uma marionete vazia e sem alma num sistema corporativo que visa buscar o lucro acima de tudo - indiferente da possibilidade de produzir algo de mínima qualidade ou com mínimo valor de entretenimento. Até porque olhando o catálogo da Disney não é exatamente difícil de encontrar (múltiplos) exemplos que se encaixam exatamente nessa descrição (de marionetes vazias e sem alma com único propósito de arrancar alguns trocados das mãos de expectadores incautos - incluindo outra série estrelada por Hilary Duff prestes a estrear), até porque isso funciona. O dinheiro flui para o caixa e os executivos estão contentes, então porque diabos alguém vai se importar no final do dia, não é mesmo?

E criticar um material por ser ruim e uma patética tentativa de reviver um sucesso do passado é extremamente fácil e sem imaginação. Quase igual ao show em questão. Sim o show é uma droga, o elenco não tem a menor química e a óbvia e as evidentes comparações com o primeiro "Como eu conheci..." vem logo à cabeça desde a primeira cena, o que claramente não ajuda (pois o elenco, roteiro e direção geral do outro show é imensamente superior). Claro que, e isso é importante, lembrando que o show anterior é cheio de falhas e tem um dos finais mais odiados da história da televisão (recente ou não), e o novo show não parece nem minimamente tentar (ou se importar) em corrigir qualquer uma destas, somente acrescentando novos problemas à mistura.

Poderia facilmente focar por mais uns dez parágrafos nos múltiplos problemas só do primeiro episódio e ainda que eu vá focar em dois problemas incrivelmente irritantes e patéticos somente, por favor não pense que eu não reparei em outros ou que eles não existem. O que realmente me incomodou foi que a protagonista fica repetindo várias vezes que esteve em mais de 80 encontros de um aplicativo de namoro só no ano corrente - o que, mesmo que os eventos se passassem em 25 de dezembro, ainda significaria um número incrivelmente alto de quase 2 encontros por semana, demonstrando uma busca superficial e fútil por 'romance' enquanto a protagonista se diz - e show quer insistir que ela é - uma "romântica incurável", e o pior encontro destacado pela protagonista é basicamente ela encontrando uma versão razoavelmente e legalmente distinta do Barney do primeiro seriado, o que, considerando o documentário/seriado da MTV Catfish que existe há 10 anos e teve mais de duzentos episódios e o documentário da Netflix "O Golpista do Tinder", eu diria que ela até saiu no lucro se esse é o pior que a internet pôde oferecer a ela.

Claro que ainda temos toda uma miríade de absurdos de uma série que existe em um 2022 completamente livre da Covid (ninguém de máscaras e perfeitamente aceitável e seguro para sair em 87 encontros com desconhecidos), mas isso nos mostra sem querer o quanto o mundo mudou - e tangente - as sitcoms. Enquanto em 1990 era uma imensa mudança de paradigma (eu sei, eu sei) realizar um seriado contando as desventuras amorosas de um grupo de jovens adultos na casa dos vinte-trinta, bem, nos últimos 30 anos essa fórmula já foi testada e repetida à exaustão, e, sinceramente, não sei se existe mais algo a se acrescentar a isso...

Ou melhor, não sei se existe algo a acrescentar a isso sem considerar o cenário do mundo real, sabe? Um cenário de pandemia (ou pós-pandemia se preferir) em que estabelecer conexões reais é mais e mais difícil com discussões frívolas e ridículas simplesmente para nos distrair dos problemas reais. "Ei, você viu um artista fazendo campanha política em um show? Que absurdo, né? Quer dizer, cobrar propina em barras de ouro (que valem mais que dinheiro) é claramente muito mais aceitável...". Droga, nós temos que explicar de novo e de novo que o maldito do planeta em que nós vivemos não é plano (algo que um puto de um grego provou matematicamente quase trezentos anos antes de Cristo e nós temos malditos satélites orbitando geossincronizados à bosta do planeta), e seriados continuam perpetuando uma noção de que, bem, é particularmente fácil e normal ter um grupo incrivelmente unido (e diverso) de amigos por um longo e elevado período de tempo (incluindo casais que terminaram e voltaram diversas vezes).

Isso inclusive nos joga numa espiral descendente e assustadora em que contemplamos um abismo inexorável onde é possível enxergar que no mundo pós pandemia as fórmulas batidas e recauchutadas de comédias românticas não funcionam mais. Não dá mais para rir da hiponga Phoebbe quando você imagina claramente que a loira que canta sobre um gato fedido hoje terminaria seus shows cantando 'Lock her up' ou com um monólogo de vinte minutos sobre como vacinas matam (ou causam Aids) e que usar cloroquina é a solução clara evidente. Parece ridículo, não? Mas vale lembrar que no seriado dos anos 90 a personagem de Lisa Kudrow tem uma longa discussão (com um DOUTOR EM PALEOTOLOGIA) sobre a evolução, afirmando categoricamente não acreditar na teoria de Darwin.

Claro que tudo isso é assustador - e não tem exatamente a ver com a série me questão - mas, leva à pergunta fundamental: Chegamos ao final da relevância da sitcom? Ou se preferir de maneira mais chamativa: A sitcom está morta?

Sinceramente eu acredito que haja grande necessidade para que o gênero se reinvente e entenda que os cenários de outros tempos não mais se aplicam e o humor hoje é, se não mais difícil, ao menos algo que não é mais universal e que caiba num molde que serve a todo mundo - algo que talvez nunca de fato tenha sido o caso, mas, com estatísticas frágeis como o Ibope e outros indicadores de audiência igualmente questionáveis era possível inflar números muito mais facilmente que hoje. E ainda que eu não veja a necessidade de produzir seriados para uma câmara de eco ou visando um nicho estratégico (ei você trabalhador de supermercado! Se veja representado aqui!), e existam exemplos excelentes dos últimos anos como The Good Place da Netflix ou Nossa Bandeira Significa a Morte da Hbo e, honestamente, me parece o caminho correto a trilhar.

Talvez alguém traga uma boa ideia para usar justamente a dificuldade de uma vida amorosa no mundo pós covid (quando você está na faixa dos 20 e tantos e mal tem dinheiro para se sustentar E tem que lidar com pais e parentes terrivelmente Trumpista/bolsominions) ou só a ideia de lidar com isso de fato (sem fingir que não existe). Até lá, isso é só material para agradar executivo mesmo.

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